Os jornais de terça-feira (11/12) registram com parcimônia os protestos que atrapalharam o trânsito na Avenida Paulista, em São Paulo, no começo da noite de segunda-feira. E a observação do processo de publicização desse acontecimento, que trouxe para a avenida famosa o problema da violência que atormenta as comunidades da periferia há vários meses, indica como a mídia tradicional lida de maneiras diferentes com as pautas do dia conforme elas afetam mais ou menos seu público de preferência.
Ao mesmo tempo, o fato serve para ilustrar como a imprensa se apropria das tecnologias digitais de informação e comunicação de maneira a dirigir ou condicionar as interpretações dos eventos.
No caso da passeata que ocupou duas faixas da avenida, há dois aspectos a destacar: o primeiro deles é a motivação dos manifestantes – identificados como militantes de movimentos em defesa dos direitos humanos, que exigiam o fim das execuções que têm ocorrido em ações da Polícia Militar.
O outro aspecto é o transtorno causado no já conturbado trânsito da capital paulista, num horário de pico e na época do ano em que milhares de pessoas costumam se dirigir ao espigão da Paulista para apreciar a decoração de Natal.
Publicação tardia
Curiosamente, foi o portal G1, do Globo, o primeiro entre as empresas jornalísticas tradicionais a noticiar o acontecimento. Às 19h36 da segunda-feira, quando grupos de manifestantes ainda perambulavam pela região central da cidade, o G1 já trazia reportagem com fotografias, relatando que o evento marcava também o Dia Internacional dos Direitos Humanos, informando que se tratava de protesto pacífico e que havia faixas fazendo alusão ao surto de violência que atinge a região metropolitana de São Paulo.
Nos portais dos principais jornais paulistas, Estadão e UOL (Folha de S.Paulo), o noticiário de rotina sobre a difícil situação do trânsito ignorou o evento que certamente havia contribuído para os congestionamentos.
Por que o jornal do Rio de Janeiro teria mais interesse em noticiar um protesto na Avenida Paulista que, em todos os sentidos, interessa mais aos moradores de São Paulo?
Porque, evidentemente, o acontecimento tem valor jornalístico. Não apenas porque o cotidiano da violência rompe o cordão de isolamento que o mantinha nos bairros mais pobres, mas também porque o Rio já viveu situação semelhante, nos últimos anos, até a criação do projeto da polícia pacificadora.
Embora se saiba que ainda há muito a se fazer em terras cariocas para que o Estado tome posse de todos os territórios dominados pelo crime, muitos manifestantes desfilaram pelos calçadões da zona Sul do Rio, e a situação vem melhorando claramente.
Agora, invertendo a questão, por que razão os jornais de São Paulo demoraram a noticiar o protesto na Avenida Paulista em suas edições digitais, mesmo tendo, supostamente, mais recursos para cobrir sua própria cidade?
A Folha só publicou em seu site pouco antes das 21h30, com o título: “Entidades protestam contra suposta ação violenta do Estado nas periferias”.
O lugar da violência
A imprensa paulista age sistematicamente no sentido de preservar a imagem do governador do estado, aplicando energia inversamente proporcional quando o fato negativo tem como objeto o governo federal, mas foram os mesmos jornais que começaram a chamar a atenção para a curva ascendente dos indicadores de homicídios que se apresentou nas estatísticas a partir de maio deste ano.
Talvez a questão seja, então, o lugar onde acontecem os assassinatos.
Mesmo que este observador esteja completamente equivocado, vamos ao outro lado da análise, no que se refere ao uso dos recursos digitais no jornalismo, tema que tem frequentado este espaço recentemente.
Sendo o protesto da Avenida Paulista um evento com grande potencial para conturbar ainda mais o trânsito na cidade, não era o caso de os sites jornalísticos darem atenção a ele?
Independentemente dos aspectos políticos que possa ter uma passeata em favor dos direitos humanos hoje em dia, em plena vigência das liberdades democráticas, o fato merecia ser levado ao conhecimento do público com rapidez, como fez o portal do Globo, até mesmo para permitir que as pessoas que ainda não haviam deixado o trabalho pudessem planejar melhor seu roteiro.
Se os portais da imprensa paulista fazem esse tipo de filtragem no noticiário de rotina, como confiar neles quando tratam dos grandes temas nacionais?