O texto jornalístico não é uma informação colada na outra sem intenção, conotação e subjetivação. É, sim, uma escrita que crava o contexto no gancho dos sentidos e objetivos com o quais tem afinidade, acordo e parceria. Essa realidade está cada vez mais explícita, o que é muito bom, porque permite, ao menos, que haja reação sem que essa pareça uma falação sobre coisa nenhuma.
O caso que inspirou este lide foi o artigo ‘Waldir Pires censurou Boris Casoy’, publicado na página de opinião de O Globo, em 14/03/2007. O texto informa que no dia 27 de dezembro o jornalista Boris Casoy recebeu mensagem de um assessor do ministro da Defesa, Waldir Pires, informando que ‘ao ser levada a prova gráfica à consideração do ministro (como de praxe), ele solicitou-me retirar o ‘Abre Aspas’. O argumento do ministro é o de evitar-se a reabertura de feridas do passado. Ele chegou a conversar com o comandante do Exército sobre isso’.
Levante comunista de 1935
Presume-se que o 27 de dezembro tenha sido do ano de 2006, portanto há quase três meses. Ainda de acordo com o artigo, no dia 5 de outubro, e como também não há referência ao ano, presume-se que tenha sido o mesmo da mensagem, o jornalista Boris Casoy recebeu convite ‘do encarregado da edição’ da revista Informe Defesa, publicação trimestral da Assessoria de Comunicação do Ministério da Defesa, para escrever artigo para a seção ‘Abre Aspas’ ‘sobre qualquer assunto que julgasse relevante’ (…), ‘de forma livre e transparente’.
A matéria segue relatando que Boris Casoy ‘decidiu atender ao pedido. Escreveu pouco mais de vinte linhas, relembrando o levante comunista de 27 de novembro de 1935’, e transcreve um trecho do artigo:
‘Ai de quem invoca as vítimas da fracassada tentativa comunista de tomada do poder! Imediatamente sofre a censura e os ataques das ‘patrulhas’ dispostas a levar adiante seus propósitos, que, apesar dos fracassos, agora sob nova roupagem, ainda motivam – por volúpia de poder ou ignorância – parcelas de nossa sociedade. E mais: há todo um movimento pela deificação do executor da Intentona, Luiz Carlos Prestes. (…) A ação comunista produziu 33 vítimas, cujas famílias nunca reivindicaram nada do governo brasileiro.’
Peça perfeita de sujeira
A questão aparente do texto, que é assinado pelo jornalista Elio Gaspari, seria a tremenda contradição vinda de um ‘cidadão que, em 1964, teve seus direitos políticos suspensos pela ditadura militar’, no caso, o ministro da Defesa, Waldir Pires. Entretanto, no final, o jornalista Elio Gaspari fala do apagão aéreo.
‘Dá vontade de chorar quando se sabe que, em novembro do ano passado, no meio do apagão aéreo, o ministro da Defesa, um advogado, ocupava-se conferindo ‘a prova gráfica’ de um boletim de sua assessoria. Devia estar sob a influência de um ex-estudante de Direito da universidade de Kazan que lia os editoriais do Pravda antes que circulassem. Com uma diferença: Lênin lendo o Pravda rendeu uma bonita fotografia.’
E destacou:
‘Waldir Pires lendo o Informe Defesa não dá xilogravura de feira.’
Em tempo de queda-de-braço entre Estado e mercado sobre a exploração dos aeroportos, do controle do espaço aéreo, da discussão em torno de CPI do apagão, e da indefinição sobre a permanência do ministro Waldir Pires na pasta da Defesa, o artigo ‘Waldir Pires censurou Boris Casoy’ cai como uma peça perfeita de sujeira lançada sobre a reputação. É um caso típico de oportunidade, aproveitando o gancho.
O próximo gancho
Waldir Pires é um dos últimos representantes vivos de um Brasil que viu de perto a possibilidade de escrever a sua história com maior autonomia e menor interferência da política hegemônica do sistema mundo. É um nacionalista, ao mesmo tempo que universal, porque não é ignorante. Além disso, conserva a estranha mania de enfrentar com coragem serena e firme os temas que seus opositores insistem em tirar e colocar em pauta.
A propósito, nós, jornalistas, sabemos que os meios de comunicação de massa são a artilharia das idéias. Particularmente, fico muito feliz em saber que o ministro não negligenciou do seu dever de revisar a prova gráfica da revista Informe Defesa, apesar da confusão desencadeada no meio do caminho entre o céu e a terra.
Guardadas as diferenças, não é incomum os editores submeterem as páginas aos donos dos jornais e a segmentos sociais, econômicos e políticos com os quais as publicações têm ‘relações carnais’. Definitivamente, não vivemos em nenhuma república de anjos, esses seres de figuração impenetrável a qualquer tipo de gancho.
Desconheço quais são os nomes cotados para substituir o doutor Waldir no Ministério da Defesa.Mas vamos aguardar o próximo gancho. O nexo dos acontecimentos vai esclarecer quem é o candidato dos interesses que estão sendo representados pela tarefa dos autores do artigo ‘Waldir Pires censurou Boris Casoy’.
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Jornalista, professora universitária, doutora em Semiologia pela UFRJ, foi editora dos programas de televisão da campanha de Waldir Pires ao governo da Bahia