Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Uma minissérie em oito capítulos

1. Cultura Popular dá olé na mídia

O Carnaval é essa festa já muito teorizada: povo, mídia, classe média e parte da elite se reúnem no Brasil para as folias de quatro dias e fazem coincidir o calor planetário com o calor dos corpos. É uma festa de origem popular, mas em alguns pontos altamente midiatizada; esquece-se a ‘ditadura da magreza’, que dominou o noticiário há pouco mais de um mês e a exuberância, o excesso, a abundância e o erotismo irreverente tomam conta do rádio, TV e dos jornais (quem fica na internet no carnaval é acadêmico ou jornalista: uns pobres diabos doentes do pé, que passam férias na Europa; são os ‘turistas voyeurs’ de Edgar Morin ou intelectuais de gabinete de O. de Andrade. Sabem pouco de Brasil, embora teorizem muito sobre ele). Conceições de Cauby descem o morro com fixação em câmeras da Globo. Patricinhas se exibem no que o evento tem de internacional. Mas em Iguape, como em outros rincões, um boi de dez metros puxa e é puxado pela multidão por alguns dias pagã que abraça a praça da basílica e contorna o coreto cantando – gente de todas as raças e classes sociais, até nisseizinhas (Iguape foi o ‘berço’ – sentido adorável da palavra – da colonização japonesa no país) que sambam melhor que muitas brasileiras, brincando só pelo prazer de brincar o carnaval, porque lá a mídia não está.

Há um amplo arsenal de estudos versando sobre cultura popular versus cultura de elite, um arsenal que a cultura da mídia veio complexificar, mas o certo é que a cultura não é apenas de quem a produz, mas de quem a pratica. Assim como há obras ‘clássicas’ gestadas por compositores de origem pobre, há nobres que se dedicaram a escrever romances populares. Mas como diz Raul Seixas, ‘já vou chegar ao meu objetivo num instante’: Chico Buarque de Hollanda, classe média, até por ser filho do Sérgio, renuncia aos valores midcult para compor Construção e Brejo da Cruz, por exemplo (a desatualização é uma questão de prioridade: na minha quota anual de CDs, preferi ouvir a Carolina de Zeca Baleiro: ‘Há mais solidão no aeroporto/que num quarto de hotel barato’).

Os brasileiros ricos, ou se inscrevem nas práticas culturais e participam sinceramente delas, aderindo ao carnaval, ou fogem para a cité-fashion da hora, ou são os donos da mídia, a quem seus colunistas (sim, esta é minha tese), contratados por aliciamento ou admiração sincera, devem convencê-los a não trair os interesses do povo, como aconteceu outras vezes na História com a anuência da classe média arrivista. É o que Aristóteles chama ‘peripécia’: mudança de um ponto de vista para outro que lhe é oposto. E a temática aqui é principalmente a classe média, e já volto a falar dela.

2. Sobre a capacidade de amar o diferente

Há no mundo ódios de todos os tipos. Tem gente que tem raiva de mulher bonita. Tem gente que tem raiva de mulher feia. Tem gente que tem raiva de mulher. Tem gente que tem raiva de rico. Tem gente que tem raiva de pobre. Mas este artigo não é sobre patologias (se bem que, em se tratando de povos, ‘não odiar’ seria um mandamento bem mais humanamente viável que o historicamente complicado conselho cristão ‘amai-vos uns aos outros’). No Brasil, este conselho é levado às últimas conseqüências: aqui, judeu casa com árabe, preto com branco, sérvio com croata, budista com macumbeiro e, não duvidem, xiita com sunita. Este artigo é, entre outras coisas, sobre uma queixa e vai precisar de alguns links e não sei se será aceito pelo OI, um sítio obcecado por política.

Trata-se em princípio de admitir que eu, que me julgo uma brasileira típica, sem ressentimento social e que me recuso a participar destas ideologias desvairadas que só querem nativos os tupis, guaranis, tapuias a xavantes, sinto-me confiante em preferir interpelar a elite, os herdeiros de Roberto Marinho (e não, um aspone de Rupert Murdoch), sobre, por exemplo, por que escondem o Canal Brasil dos brasileiros; por que os Mesquita (e não um banco transnacional) não são mais democráticos em seus editoriais.

Prefiro empresas de comunicação nacionais sólidas, dirigidas de preferência por jornalistas, que de preferência estejam comprometidos com os interesses do país e contratem colunistas respeitáveis, coisa que já fazem, e que possam respeitosamente interceder contra eventuais abusos de poder em seus veículos de comunicação. Pois os interesses dos donos da mídia nem sempre coincidem com os do povo; mas o povo, recorde-se Hitler e Mussolini, nem sempre está com a razão. Eu diria que basicamente usarei neste artigo o método griffithiano de Intolerance (1915). Creio que será igual em ingenuidade e eficácia.

A fracassada convergência ideológica espontânea de respeitáveis jornalistas da grande imprensa (fracassada porque não conseguiu, como pretendia, evitar a reeleição de Lula) deixou alguns deles tão desorientados (o que não é de se espantar, visto que alguns supervalorizavam tanto seu poder de persuasão que chegaram a escrever cartas abertas à população em favor de seu candidato) que, ao invés do elegante caminho da respeitosa saudação de guerreiros honrados na derrota, partiram para a depreciação do elo mais frágil do sistema comunicativo corporativo (que alguns confundem com sistema cultural). Perderam a ‘classe’. O professor Gilson Caroni viu ‘vingança classista’ na fúria com que uma ala da sociedade pediu punição para todos os menores em casos de violência nos quais, segundo ele, se tratava de psicopatia.

O elo mais frágil deste sistema comunicativo sob o capitalismo é o povo (o contrário do que ocorre no sistema cultural, no qual, apesar do espalhafato pretensioso da mídia massiva, a população, desorganizada ou não, ainda é a que tem mais potencialidade de criação: é de lá que sai a matéria-prima das matérias – do jornal, do rádio, da TV) – que, em várias sociedades, é referenciada como ingênua e simplória, quando apenas não quer se curvar nem se impor.

Considerem o filme A Rainha, a bomba oscarizada de Stephen Frears (que Otávio e Luís –algum parentesco? – colocaram de súbito em cartaz na sala UOL, em lugar da bomba bem intencionada Babel). Elizabeth anseia pungentemente pelo afeto popular, mas despreza seu sentimentalismo barato. Ela sofre pelo servo morto – o popular veadão – mas resigna-se com dignidade, dor contida, como convém aos de sangue azul, numa das cenas mais patéticas do cinema mundial. (Quem quiser um retrato aproximado da realeza britânica deve procurar nas locadoras o merecidamente oscarizado Leão no Inverno, com Peter O’Toole e Katherine Hepburn.) Já Babel tem uma festa classe média de surdos-mudos japoneses com música ocidental, e uma típica festa mexicana que evolui para uma de tiros com BG (forçado) de Chavela Vargas, mas a mensagem supraliminar é que os jovens precisam de drogas pra se divertir e que festas populares sempre terminam em baixaria. O mote de Babel é de que o povo é digno de pena; e não de dignidade e respeito.

3. A classe média colaboracionista e a resistência interna

O pensador italiano Antonio Gramsci, muito citado na década de 1970 por seu Os intelectuais e a organização da cultura, vaticinou que ‘os empresários (…) devem possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral (…) ou pelo menos devem possuir a capacidade de escolher os ‘prepostos’ (empregados especializados) a quem confiar essa atividade organizativa das relações gerais exteriores’, e que, no caso da imprensa, seriam os intelectuais orgânicos.

Pois bem: é da classe média que desabrocham os intelectuais confiáveis, talentosos e produtivos. É ela quem produz conteúdos para a mídia. Seu alvo é, prioritariamente, ela própria, pois tem poder aquisitivo para consumir o que anuncia. O povo é mero utilitário, atração, notícia (cômica, policial, folclórica, pitoresca), platéia e palhaço em seus shows de calouros ou prêmios na TV aberta, praticamente ausente na fechada (justiça seja feita à TV Senac). Somente no carnaval e, a contragosto, no futebol, a mídia vira escrava do povão ou corre atrás (como a Globo, nas Diretas-Já). E o influencia por uma fração. (Uma pesquisa meio debochada de Ancelmo Góis (10/2) revelou que o carrinho de pamonha de Piracicaba é a mídia mais eficaz.)

Eis por que a crise do tráfego aéreo pareceu mais abrangente e aflitiva que as contumazes greves de ônibus e metrôs, que prejudicam multidões. É que aquelas atingem a gentalha, habituada ao caos, sem vez e sem voz, nos horários e páginas nobres.

Mas enquanto os intelectuais independentes (ser de classe média não implica adesão a seus valores) tratam de esmiuçar as agruras e pendor festivo dos descamisados com imaginação ou informação, um colunista da mídia, cujo salário o constrange a adivinhar os desejos do patrão, do alto de sua cobertura (jornalística e predial) vê o povo inundando Copacabana no Ano Novo em festa e se chateia: ‘Por que não se unem numa passeata para tirar do poder quem eu, iluminado, acho que não merece?’ O mesmo vale para os estádios de futebol. Igual irritação costuma abranger o carnaval, alvo de irritação dos economistas que alertam para os prejuízos à produção.

Outra: ‘Êta, povinho sem ambição.’ Por não ter trocado o metalúrgico pelo médico ou porque, apesar da massiva campanha midiática, prefere identificar-se com os latino-americanos e caribenhos que com os estadunidenses. Ou ainda: ‘Mania de pobre brasileiro botar nome estrangeiro em filho’, porque xifópagas matogrossenses chamam-se Stéphanie e Jeniffer; sobram Andersons em times do interior.

Notícias de jornais superdimensionam os fenômenos: uma pesquisa do Jornal da Tarde (profissionais-intelectuais independentes que não assinam matérias, mas sabem onde o povo está) informa que, nos últimos 50 anos, os 10 nomes mais comuns nos cartórios são: Maria, José, João, Paulo, Ana, Marcos, Antônio, Lucas… Para a cultura popular, a bíblia ainda é o medium mais influente do que supõem os comentaristas trocistas de Veja (que leio porque meu pai é assinante confiante há 16 anos). Se não fosse aposentado e morasse em Alagoas, teria votado em Collor. Quando lhe pergunto se não é hora de mudar para um jornalismo mais animado, ele me responde com piadinhas de rodapé da Reader’s Digest, que assina por iguais 16 anos. Caso perdido, já que se trata de um plantador de tomates que progrediu a gerente de banco, provoco: ‘Como vai o Fluminense?’

4. Prestidigitador fracassado

Porque, dentre a intelectualidade em ação na mídia, há os arrivistas, os desorientados, mas uma maioria lúcida; e não são só as estrelas. Mesmo elas, como Clóvis Rossi, com seu artigo ‘Erramos’ (21/01/07), fez sua parte, ameaçando calçar as sandálias da humildade. Calçou nos pés dos outros, é verdade, quando citou os equívocos de previsão do Economist. Que ‘esqueceu’, entre seus determinismos, o mais retumbante dos prognósticos estultos: o de que a História havia acabado e que o capitalismo vencera, feitos por um tal de Fukuyama em meados da década de 1990. (Nesta mesma época, um zé-mané parente de Vargas Llosa publicou um manual do idiota latino-americano desdenhando brilhantes pensadores do continente, como Carlos Fuentes, Eduardo Galeano, Darcy Ribeiro,Octavio Paz.)

Os neoliberais exultaram. (Agora, o Llosa autêntico publicou seu próprio manual ficcional do amante idiota, uma espécie de vingança literária contra um Peru que o preteriu por Fukuda-Fujimori, comprometendo toda sua brilhante produção pregressa.) Não confiem muito em intelectuais latinos que vão lecionar nos EUA. Ficam todos meio gratos feito vira-latas. Mas vira-latas rodrigueanos. Ah, bom. Confiram nessa retórica de ML: ‘Chávez enfrentar os EUA trata-se de uma arrematada burrice.’ É o poder das medalhinhas.

Mas, pelo menos no Brasil, não se reconhece erro sequer de previsões de tempo, que costumam ser profusos. (Exceção, honrosa, a alguns comentaristas esportivos). Mas em matéria de vaticínios, Os Doces Bárbaros, cantando em 1976 que ‘um índio virá’ (reprise oportuna em 2007) soou muito mais convincente, afinal. Poetas e artistas sempre foram melhores que economistas em matéria de presságios.

5. Patrão não é bicho papão

O propósito deste texto já vai emergir: em 1981, vim para São Paulo com uma frase do professor e jornalista Carlos Eduardo Lins e Silva em mente, mola de minha tese de mestrado. Ela dizia: ‘As redações são microcosmos sociais onde a luta de classes se dá. E sempre aparecem brechas onde a contradição se manifesta.’ Bem, de lá pra cá o professor Carlos Eduardo publicou três livros. Um deles, Muito Além do Jardim Botânico, resultado de uma pesquisa em que constatava que o povo não é passivo ao noticiário da TV, ao Jornal Nacional, em particular.

Uma comprovação acadêmica do que empiricamente já se sabia, desde que, em 1978, com o jornalismo compulsória ou espontaneamente cerceado pela censura, estourou a greve do ABC, surgiu o PT, e estava claro que, além da valentia da imprensa nanica, a mídia não era monolítica e a população estava se informando sobre o que se passava no país. Quando o professor Carlos Eduardo resolveu publicar Mil Dias preferi ler o Libro de las mil y una noches.

Só pude entender os motivos que levaram um pesquisador acadêmico a abraçar um projeto patronal (o livro narrava a aventura editorial da Folha) e tornar-se um intelectual orgânico quando conheci Lourdes Maria, empregada doméstica recomendada pela tia de uma vizinha. Limpava cada canto, cada copo, cada cadeira, uma beleza. Implorou que eu não assinasse sua carteira, para não perder com os descontos. Naquela época não havia internet, dava trabalho enfrentar fila de banco; por comodismo e ingenuidade, concordei. Pois a Lourdes sumiu alguns meses depois levando minhas melhores lingeries e todas as cédulas da minha bolsa (não eram muitas, é verdade).

Desde então eu já tivera várias ajudantes, e formulei a tese tola de que se dividiam em duas categorias: as que limpavam bem e rapinavam e as que limpavam mal e não roubavam (idéia tosca desmistificada pela doce Neves e pelo filme Domésticas, de Fernando Meirelles, a mais brasileira de suas obras, porque Cidade de Deus é um Short-cuts de ação que agrada a norte-americanos e o estereótipo de misère terceiro-mundista que agrada aos euopeus. Jardineiro Fiel é seu título globalizado. Sobra o nosso Domésticas, que a meu ver é o mais Brasil.)

Mas pouco tempo depois fui intimada pela Delegacia Regional do Trabalho: Lourdes Maria alegava que eu a demitira, grávida, sem justa causa, e sem assinar sua carteira. No MT descobri que patrão é sempre culpado e trabalhador, inocente. Meu advogado, as mentiras de Lourdes Maria, e o advogado dela, (especialista naquele tipo de causa) me custaram 2 meses de salário de professora auxiliar.

Então, finalmente, vou chegar ao tema do meu artigo. Pertencendo à classe patronal e sendo injustiçada por uma trabalhadora picareta, pude me desvencilhar na prática das bipolaridades e maniqueísmos que aprisionam o pensamento do intelectual tradicional. No que fui ajudada por Edgar Morin (princípios da complexidade) e F. Engels (introdução à dialética) . Adorno foi abandonado por demonizar a indústria cultural porque foi principalmente através do rádio que Hitler propagou suas estranhas idéias. E o poeta García Lorca: ‘É preferível um bom chinês a um mau andaluz.’

6. Cultura de mídia também é cultura

Foi no mestrado também que conheci Frederic Jameson, que me fez ver as pérolas na pocilga da mídia; não dá pra jogar tudo na lixeira do intelecto, e se você leva uma vida de classe média pode pedir ao seu professor de aeróbica – que só toca She’s like wind e He plays piano in the dark no alongamento –, para intercalar com umas faixinhas hindus ou João Gilberto, que também funcionam para relaxar.

Que se pode apreciar a ideologia rudimentar do serpentear de Shakira, rir de Jeannie é um gênio, compreender os afetos populares, como Roberto Carlos e Ivete Sangalo (que Deus me perdoe) e a chacrinha recente de Sabrina Sato, a gostosa que prometeu virar intelectual quando ficasse velha, invadindo apartamentos com um bloco de carnaval, sendo expulsa a vassouradas pela dona de casa enquanto o marido sai requebrando atrás das passistas.

Enviei, logo após a posse de Lula, um texto para a seção de leitores da Folha que não foi publicado, talvez por priorizarem cartas de assinantes (o espaço é restrito), quiçá por discordância de argumentos (que contrariam o perfil que Folha e Danuza fazem de D. Marisa), o que não é nada bonito, em se tratando de um jornal democrático. Escrevo pela suspeita de que o texto foi censurado por preconceito contra a cultura popular. Isto não deveria me surpreender porque fiz uma pesquisa sobre jornalismo cultural regional no Espírito Santo, em 1999 e, na contingência de clarificar as influências das agências nacionais, constatei que o jornal Estado de S.Paulo dava mais espaço para a produção nacional, enquanto a ‘Ilustrada’ era, digamos, mais ‘globalizada’.

A edição do dia 6/01/07 prova que isto ainda está em voga: a primeira página do caderno cultural é dedicada a uma geração de jovens escritores alemães, de 25, 26 anos (literatura de mercado); nas páginas internas um artigo tímido sobre o lançamento de um livro de contos de um dos maiores escritores latino-americanos, Juan Carlos Onetti e, um pouco mais escondida, a notícia do show de Dona Ivone Lara.

Bem, a Folha é assim porque seu público é assim, afeito ao grand-monde; o que gosto na ‘Ilustrada’ é a página de quadrinhos. Mas sou como Deus, brasileira e infiel, compro o jornal que me parecer mais promissor depois de consultar a capa e conversar com o jornaleiro, e foi pela Folha que soube que o vestido de D. Marisa, que eu achei muito charmoso, foi feito por artesãs e custou 2 mil reais; escrevi o texto sem saber que o Estadão, que preza tanto a cultura popular em seu segundo caderno, convidou o estilista Ronaldo Esper para espezinhar d. Marisa. Soube-se depois o que este senhor, a quem o venerando Estado deu ouvidos, foi capaz de perpetrar.

Foi bom ter comprado a Folha daquele dia e dos dias seguintes, porque encontrei nestas edições um belo artigo de Ana Verônica Mautner, sobre ‘Silêncio e Barulho’ (11/01/07) e uma perfeição de análise sobre Romário de José Geraldo Couto. Também tinha Nina Horta, adorável.

Sobre as difamações de que são vítimas personagens populares, eu recomendaria um texto de Otavio Frias Filho, por ocasião do lançamento do filme Forrest Gump, em meados de 1995 (não me cobrem precisões, este não é um artigo científico, mas de entretenimento paradidático). Seria didático se nele houvesse precisões. Ele prova que empregados podem contrariar os princípios dos patrões, censurando cartas como a minha, porque nesse artigo Frias comenta como o público parece sentir-se mais humano solidarizando-se com o personagem principal, um tipo popular extremamente ingênuo. E o filme em si merece a crítica porque conta a história da bravura do povo norte-americano que, como o inglês de agora, rebela-se contra uma guerra suja e que insulta a humanidade.

7. IstoÉ que é independência

Finda a esperança de ter meu texto publicado na Folha, enviei-o para a IstoÉ, a independente. Que também não o publicou. Por solidariedade a José Dirceu, que ela colocou entre as personalidades mais influentes de 2006 e provavelmente tentaria reabilitar em 2007. Ou a Hillary Clinton, ou pelos mesmos motivos da Folha.

Então, eu fiz como todo jornalista faz, tendo razão a massa crítica do OI: enviei a amigos, que me conhecem desde foca, no Espírito Santo. A isto chamamos corporativismo (como, por exemplo, tem o Caetano Veloso, a quem sou muito leal, pelas lindas canções desde a época ‘menino do Rio a menino de rua’ (Décio Pignatari). Mas é preciso ser muito amigo de jornalista para ter essa música (Você foi mó rata comigo) elogiada – confesso que não ouvi o CD ( não estava na minha quota).

Mas a SIM é uma revista democrática. Porque acho (e meus amigos capixabas também) que o artigo foi censurado ‘aqui no Sul’, por ‘motivos ideológicos’, por quem gosta de depreciar o povo. Por isto é que peço ao OI que o publique a seguir para os leitores do Observatório, para que digam se não concordam que D. Marisa estava resplandecente como um girassol. Ou concordem que o povo, que não quer ser escravo nem senhor, como cantava Dorival Caymmy, que entendia disso como ninguém – e se pode falar dele mesmo quando a fala é intimista – guarda em si ‘um cheiro de vendaval, o Louco, o Santo, o Bem e o Mal.’

8. A dama de amarelo

[Publicado originalmente na edição nº 3, janeiro/2007, da revista SIM, Vitória, ES]

Dona Marisa, logo após as eleições, contribuiu para que a irritação dos perdedores ficasse ainda maior: descansando na Bahia, ostentou um maiô branco com uma estrela vermelha estampada na frente. Para quem, como eu, votou em Lula mas nunca aderiu ao PT por perceber que tinha Josés Dirceus demais e Eduardos Suplicys de menos, aquilo não representou provocação, mas sinal de personalidade. Além de graciosa, dona Marisa parece uma ilha de espontaneidade num arquipélago de imposturas. Qualquer Maquiavel teria lhe lembrado que ela é primeira dama do país; não só dos petistas. Se há maquiavélicos por perto, dona Marisa não lhes dá ouvidos.

A implicância logo se manifestou por meio da revoltada Danusa Leão, (que se julga uma espécie de primeira dama da mídia) pedindo a dona Marisa que desse motivos para nos orgulharmos dela. A colunista não encontrou, nos últimos quatro anos, ‘cinco minutos de desvario’ de dona Marisa, como gastar 200 mil dólares em louça, como Nancy Reagan, ou uso de suntuosos casacos como Hillary Clinton ao depor em tribunais. Ao longo do mandato, dona Marisa comportou-se com uma ‘dignidade tranqüila’ (Manuel Bandeira) de mulher de operário. Não parece ansiosa por demonstrar preocupação com criancinhas carentes, como Pelé. Não faz média com a mídia.

Pois uma primeira dama é como o pai e mãe da gente, que não precisa ter sucesso, vencer na vida, ou coisa que o valha para ser querido. Basta ter bom caráter e agir com sinceridade, demonstrando algum afeto. Embora a sociedade pressione e infelicite famílias de ‘fracassados’. E o protocolo requeira atenções comunitárias. Que dona Marisa parece dedicar somente ao seus, satisfeita que deve estar com os projetos sociais do marido. A Nação reconhece.

O belo vestido amarelo que dona Marisa estava usando na posse foi feito com rendas de artesãs do Piauí e custou R$ 2 mil. A elegância serena da primeira-dama foi eloqüente, por isto teve estilista dando chilique: a cultura popular entrou no Palácio impávida, esnobando os modelitos de elite.

******

Jornalista, professora da Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes e pesquisadora