Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Planeta quente, notícias inflamadas

A diminuição da calota polar ártica, o crescimento de regiões desérticas, a seca nos rios, o aumento do nível do mar e a elevação da temperatura do ar e da água. Essas previsões nada otimistas são de responsabilidade do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), cujos resultados foram divulgados em Paris no dia 2 de fevereiro, deixando jornalistas de todo o mundo em grande tumulto.

As conclusões dos 2.500 pesquisadores reunidos no IPCC ocupam lugar de destaque nos principais veículos de comunicação do mundo. Não há dúvidas de que o aquecimento global é a pauta da vez, com poucas chances de perder o fôlego daqui para frente. Resultado: a mídia parece querer redimir-se do tempo perdido e do pouco espaço concedido aos temas ambientais. No Brasil não foi diferente – jornais diários dedicam manchetes ao tema, revistas semanais estampam o aquecimento global em suas capas e séries especiais sobre o meio ambiente ganham espaço em telejornais. No entanto, de que maneira a mídia tem abordado as possíveis conseqüências das mudanças climáticas no mundo? Ela tem cumprido seu papel de informar e conscientizar a população?

Há lugar para o alarmismo?

Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe, Lorena Campello acredita que os veículos de comunicação são um tanto quanto sensacionalistas. ‘A impressão que fica é que, de repente, a mídia se dá conta de que o planeta é uma unidade que corre riscos de não sobreviver’, critica. Ela explica que o tema do aquecimento global tem sido introduzido à sociedade de maneira superficial, com um viés acrítico e despolitizado.

Em contrapartida, o pós-doutor Rogério Parentoni Martins, coordenador do curso de pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre da Universidade Federal de Minas Gerais, acredita que as informações estão sendo apresentadas de forma moderada pela mídia. ‘Ela é um expediente extremamente necessário para informar os leitores e cidadãos sobre os efeitos que o aquecimento global deverão acarretar sobre o planeta azul’, define.

Yara Schaeffer Novelli, doutora em Oceanografia Biológica pela Universidade de São Paulo e atuante na área de ecologia, defende a imprensa quando o assunto é impressionar os leitores. Yara acredita que a mídia se utiliza do drama nas reportagens como fator didático. Ela ressalta que, nos veículos de comunicação, apresentar alguns dados considerados ‘apocalípticos’ e alarmantes pode ser uma forma de conter catástrofes. ‘Esse alarme é uma ferramenta de motivação para a mudança’, afirma.

Já o jornalista André Trigueiro, apresentador do programa Mundo Sustentável na CBN, defende que a cobertura é alarmista no bom e no mau sentido. ‘O alarmismo no sentido positivo é aquele que denuncia um problema grave, mas não esvazia uma perspectiva de solução. O alarmismo ruim é aquele que calibra de uma maneira muito exagerada a tragédia e esvazia a perspectiva de solução’, explica.

Além da informação

Afinal, a cobertura da mídia sobre as mudanças climáticas promove uma conscientização ativa ou apenas provoca pânico? ‘Os veículos de comunicação ainda estão com um tom bastante moderado e poderiam até ser um pouco mais sérios’, é o que afirma o professor da Unisinos Leonardo Maltchik Garcia, doutor em Ecologia pela Universidade Autônoma de Madri, na Espanha. Ele enfatiza também que poderia haver mudanças mais estruturais se a mídia instruísse cada indivíduo a esforçar-se por diminuir os níveis do aquecimento global naquilo que lhe compete. Para Trigueiro, é preciso, enquanto mídia, ao invés de só alarmar, dar a devida orientação e chamar a atenção para o que é possível fazer: planejamento.

O ambientalista Dener Giovanini, coordenador geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), também acredita que a mídia contribui para despertar o interesse pelo assunto, porém concorda que falta à imprensa apontar quais os possíveis caminhos a serem seguidos a fim de frear a destruição da camada de ozônio, por exemplo. ‘Não que a mídia deva se posicionar como um oráculo, mas ela pode e deve amplificar o conhecimento sobre ações que já estão sendo realizadas pelo terceiro setor, pela iniciativa privada e pelos governos e, principalmente, abordar como manter uma constante avaliação dos resultados obtidos’, ensina.

Cuidado requerido

Na tentativa de despertar na população um senso individual de responsabilidade, muitos veículos propõem formas de evitar a poluição e diminuir os efeitos destrutivos da ação humana sobre a natureza. A revista Época (16/10/06), por exemplo, descreveu como alguns brasileiros fazem sua parte na luta pela preservação do meio ambiente, seja denunciando atos ilegais contra a natureza ou participando de ONGs de proteção ambiental.

‘O jornalista não pode cumprir a função social dele só anunciando o que está errado. Ele precisa ir além. Deve dar visibilidade às soluções. Se não, vamos ficar surfando numa crise sem tamanho, supostamente achando que esse é o melhor caminho do ponto de vista comercial e não cumprindo a função social’, reforça Trigueiro.

Ativo na área ambiental, Trigueiro é o criador do primeiro curso de Jornalismo Ambiental do Rio de Janeiro, na PUC-RJ. Seu objetivo era oferecer um pacote mínimo de informações para que o jornalista não replique o analfabetismo ambiental. Ele observa que, às vezes, o repórter ousa escrever sobre assuntos dos quais não está seguro. Uma prática que acontece com certa freqüência na apuração de informações é o medo do repórter de ser visto pelo entrevistado como alguém que entende pouco do tema. E como ninguém quer parecer ignorante – ainda mais o jornalista –, o repórter acaba publicando ‘aquilo que dá na cabeça’. ‘Você não pode achar nada, você não pode ficar especulando ‘pelo que eu entendi, é isso’’, corrige Trigueiro. ‘Esse tipo de informação requer cuidado’. O que está em jogo, no final das contas, é o maior patrimônio do jornalista: sua credibilidade.

‘E daí?’

Embora haja discordância na maneira pela qual se aborda a transformação climática global que enfrentamos – uns defendem uma posição mais alarmista e didática, outros preferem coberturas mais sóbrias e analíticas –, há uma espécie de consenso em torno do dever que o jornalista tem de conscientizar a população. Do dever de fazê-la entender a maneira como o seu dia-a-dia será afetado por aquilo que acontece com a enxurrada de gases emitidos na camada de ozônio.

Giovanini, que além de ambientalista, também atua na série ‘O Brasil é o bicho!’, exibida no Fantástico, resume o que, de fato, a mídia precisa abordar sobre as mudanças climáticas: ‘O mundo já sabe que o aquecimento global existe. Mas e daí? Como isso interfere no meu cotidiano? Vou ter que usar protetor solar? Minhas plantas favoritas vão morrer? Vou ter que adiar minhas férias por que minha casa na praia ficará alagada? Vou ficar doente, com problemas respiratórios?’

Parece que uma boa diretriz para o jornalismo eficiente, quando se trata de aquecimento global, não seria aquela que oferece o mais preciso relatório científico ou a maior quantidade de explicações ecológicas e físicas. A cobertura ideal é aquela que consegue responder ao maior número possível de perguntas no estilo ‘e daí?’.

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Alunos do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)