Rudolf Hoss, um dos comandantes do complexo de Auschwitz (Polônia), contou durante seu julgamento em Nurembergue que, um dia, uma mãe judia passou por ele, em direção à câmara de gás do vizinho campo de extermínio de Birkenau, levando quatro filhos pela mão. Disse-lhe: “Como vocês podem matar crianças tão lindas e tão queridas?”.
Esse diálogo me veio à memória depois de ver fotos de crianças assassinadas na escola Sandy Hook em Newtown na sexta-feira (14/12).
Hoss não respondeu -ou, ao menos, não há registro de sua resposta-, mas, se o tivesse feito, provavelmente diria, como tantos outros assassinos, que estava apenas cumprindo ordens.
Elemento identitário
O que adiciona horror ao episódio da Sandy Hook é que nem uma resposta -por inaceitável que seja- poderá ser obtida do atirador de Newtown. Não pode haver explicação para esse tipo de crime.
Não adianta agora o presidente Barack Obama prometer “medidas significativas”, não especificadas, para tentar acabar com essa mania de matar que a cada tanto assola os Estados Unidos.
Claro que restringir o próspero comércio de armas pode até ajudar, mas chegará demasiado tarde. Segundo a mídia internacional, há 300 milhões de armas em circulação nos Estados Unidos, à incrível média de uma para cada habitante, bebê ou velho, homem ou mulher.
Mesmo que se chegue à draconiana proibição de fabricar armas, o que é impossível, ainda assim já há estoque suficiente para promover outras Sandy Hook, Virginia Tech, Columbine e por aí vai.
Mais eficaz, mas mais remota, é a hipótese de mudar a cultura norte-americana. Obama até tocou no assunto, ao dizer que “esses dramas têm que cessar. E, para que eles cessem, nós precisamos mudar”.
De acordo, presidente, mas a que você está se referindo exatamente?
Espero que seja à mentalidade assim descrita na segunda-feira (17/12) por Philippe Paquet, colunista do jornal La Libre Belgique: “A posse de armas de fogo está ainda profundamente gravada na mentalidade americana. A conquista do Oeste, na história de uma nação tão jovem, foi ontem, e os americanos têm o sentimento, de um lado, de que o porte de armas é um elemento constitutivo de sua identidade e faz parte de sua cultura ancestral; de outro lado, [têm o sentimento] de que sua segurança depende em grande medida da posse de uma arma e de sua capacidade de utilizá-la”.
Códigos de conduta
Se Obama quer mudar uma mentalidade como essa poderia começar por proibir o uso dos “drones”, aviões não tripulados, para praticar crimes em terras remotas que fazem as vezes de novo Velho Oeste.
Sejamos claros: esse tipo de ataques corresponde a execuções extra-judiciais e, portanto, viola uma das vacas sagradas da democracia norte-americana qual seja o devido processo legal.
Admito que é uma tarefa insana combater terroristas fanáticos, mas rasgar para isso códigos civilizados de conduta é armar o braço de mentes igualmente insanas para que matem crianças tão lindas e tão queridas, como são todas as crianças aos olhos dos pais.
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[Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo]