Hoje [terça, 25/12] faz uma semana que a turma do Instagram decidiu modificar seu contrato com os usuários. O site é o mais popular destino para quem deseja tornar públicas as imagens que registra com celular. De uma hora para a outra, a equipe de comando do serviço se outorgou a propriedade de todas as fotos por lá e anunciou que poderia vender comercialmente o material. Foi uma grita danada. Em menos de 24 horas, já haviam voltado atrás. Do episódio é possível tirar uma reflexão sobre a ética na rede e uma constatação sobre os negócios digitais.
Quando tentam tomar na mão grande o que fizemos, chamamos de roubo. Mas quando nós copiamos online o que os outros produziram a palavra é mais gentil: compartilhamento. Não existirá, na cultura da internet, uma ética dúbia?
A crise, para o Instagram, foi séria. Segundo a empresa de monitoramento AppData, 300 mil pessoas a menos usaram o aplicativo na última semana. É queda pequena para quem tem mais de 27 milhões de usuários ativos. Mas, no terreno das relações públicas, o assunto dominante da internet foi a mudança repentina. Pegou muito mal. Logo o CEO da empresa, que hoje pertence ao Facebook, veio a público dizer que a mudança fora mal compreendida. Que não era bem assim. Voltou atrás.
Os usuários estão certos. Outros serviços de compartilhamento de fotografias, na internet, permitem que o responsável pela imagem decida se ele permite sua venda ou não e em que termos.
Computadores são máquinas de copiar. Copiam bem, copiar é fácil, nada se perde. Selecione o texto no site de notícias, control-C, control-V, e-mail enviado. Aquela música que toca no rádio o tempo todo, em dois cliques do Google pula-se para uma página, no terceiro ela já está no disco rígido. Com apenas um pouco mais de sofisticação, não há lançamento nos cinemas que não se encontre para baixar, não raro com qualidade de BluRay. Às vezes, quem compartilha uma música sequer vê um mal. Quer dividir mesmo. Levar a um amigo a sensação boa que é a de ouvir música.
Revolução em curso
No caso do Instagram, logo disseram, é diferente. Eles queriam vender. Quem compartilha o arquivo MP3, na internet, nada lucra.
A venda é só agravante do pecado original: pegar o que não lhe pertence.
É claro que ouvir música é bom. Dá trabalho fazer, custa dinheiro gravar. O artista tem o direito de distribuir de graça, se for seu desejo. Paulo Coelho pirateia ele próprio seus livros na internet. Esta é, provavelmente, uma inteligente estratégia de marketing. Mas esta é uma decisão que pertence a ele, o autor.
Em março de 2011, o jornal satírico The Onion publicou uma reportagem sobre a decisão do New York Times de cobrar um valor pela assinatura dos leitores mais frequentes de seu site. “Pedir aos 33 milhões de visitantes únicos do NYTimes.com que passem a um modelo de dinheiro-por-produto-fabricado em vez de o tradicional tudo-online-deve-ser-gratuito é ousado”, informa um analista inventado. “É quase como se o New York Times estivesse se igualando a um negócio que opera numa sociedade capitalista.” A delícia da sátira é que revela o óbvio.
É onde entra a constatação a respeito da natureza digital. O Instagram não é gratuito. O Facebook, o Google, os portais de notícia, não são gratuitos. Nada é de graça. Um serviço que está online 24 horas por dia custa muito dinheiro para se manter no ar. Em máquinas, em conexão com a rede, em salários. Se não estamos pagando nada, diz um ditado cada vez mais recorrente na rede, é porque o produto somos nós.
Foi isto que o Instagram tentou emplacar, um jeito de transformar seus usuários em produto. Não colou. Mas seu problema continua igualzinho: como fazer mais dinheiro do que gasta. Cinema, música, jornalismo, literatura, tudo continua custando dinheiro para fazer: em equipamento, em tempo dedicado, em treinamento.
Esta revolução estupenda que é a internet ainda não está pronta. Cedo ou tarde, teremos de reconhecer o óbvio. Ou aceitamos virar produto ou começamos a pagar pelo que usamos. Quanto vale, para você, o Instagram?
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[Pedro Doria é colunista de O Globo]