Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ano passou e o mundo não acabou

O ano que passou começou cercado de expectativas. Afinal de contas, segundo uma controversa profecia maia, 2012 (mais precisamente, o dia 21 de dezembro) marcaria o final dos tempos. Superstições à parte, é fato que o ano teve um primeiro mês extremamente agitado. Um suposto caso de estupro no Big Brother Brasil, o desabamento de três prédios na região central do Rio de Janeiro, uma covarde ação de reintegração de posse na comunidade do Pinheirinho (São José dos Campos, SP) e a internação forçada de usuários de drogas da região conhecida como Cracolândia, entre outros fatos, marcaram o mês de janeiro.

Na mídia brasileira, os principais destaques de 2012 foram os incêndios em favelas paulistanas, o assassinato do empresário Marcos Kitano, as greves dos servidores federais, a CPI do Cachoeira, a cassação do senador Demóstenes Torres (o “paladino da ética”, segundo a revista Veja), o vazamento de fotos intimas da atriz Carolina Dieckmann na internet, a onda de violência em São Paulo, os conflitos fundiários entre grandes fazendeiros e índios Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul e o julgamento da Ação Penal 470, conhecida como “mensalão” (todavia, casos de corrupção envolvendo partidos atrelados à mídia hegemônica foram propositalmente ignorados).       

Já em relação às eleições municipais, realizadas em outubro, o acontecimento mais comentado não envolveu nenhum candidato a prefeito ou a vereador. Trata-se da aliança entre Lula e Maluf (antigos desafetos) em favor da vitoriosa campanha de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo. Na política brasileira, acontecem coisas que até Maquiavel duvidaria.

Perdas irreparáveis

Nos noticiários internacionais tivemos, entre outros fatos, o conflito entre rebeldes e tropas do governo na Síria, a crise da Zona do Euro (ironicamente, a União Europeia recebeu o Nobel da Paz), o refúgio do ciberativista Julian Assange na embaixada do Equador em Londres, o golpe institucional no Paraguai que depôs o presidente Fernando Lugo, a entrada da Venezuela no Mercosul, a instabilidade política do Egito, as tentativas de independência do Texas e da Catalunha, as negociações de paz entre as Farc e o governo colombiano, os ataques de Israel à Faixa de Gaza, as reeleições de Barack Obama e Hugo Chávez (para o desespero da imprensa conservadora), o massacre da escola Sandy Hook nos EUA e o polêmico filme A Inocência dos Muçulmanos, que satiriza o profeta Maomé (como era de se esperar o filme causou várias revoltas no mundo muçulmano). No final do mês novembro, em uma decisão histórica, a Palestina foi reconhecida como Estado Observador na ONU. Já a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, ofuscada pela crise econômica global, não produziu resultados concretos.

Por outro lado, a programação da sexagenária TV brasileira continua em franca decadência. No ano em que Chico Anysio faleceu, os programas humorísticos Pânico e Casseta & Planeta estrearam novos formatos mas mantiveram o mesmo humor anódino. A telenovela da Rede Globo Cheias de Charme produziu o escalafobético fenômeno empreguetes. Não obstante, o programa O Maior Brasileiro de Todos os Tempos, do SBT, apresentou, entre os cem maiores brasileiros da história, nomes como Joelma, Tiririca, Michel Teló e Luan Santana. Por sua vez, Mulheres Ricas, o reality show da Bandeirantes que acompanhou o cotidiano de cinco milionárias, foi um festival de ostentações, futilidades e extravagâncias de gosto duvidoso. Por outro lado, os aguardados programas de Pedro Bial (Na Moral) e de Fátima Bernardes (Encontro com Fátima Bernardes) não conseguiram emplacar. Por sua vez, a Rede Record conseguiu bons índices de audiência com a transmissão exclusiva dos Jogos Olímpicos de Londres.

Apesar de o “final dos tempos” não ter chegado, 2012 foi marcado por várias tragédias. No início do ano, o navio italiano Costa Concórdia naufragou após colisão com uma rocha junto ao porto de Isola del Giglio. Nas regiões Sudeste e Sul do Brasil várias cidades foram alagadas durante o período de chuvas. Em Bangladesh, um incêndio em uma fábrica fez mais de cem mortos. No Caribe e na América do Norte, o furacão Sandy causou inúmeras perdas materiais e humanas. Por fim, o tufão Bopha devastou o sul das Filipinas. Além do já citado Chico Anysio, faleceram Aziz Nacib Ab’Saber, Oscar Niemeyer, Eric Hobsbawm e Ravi Shankar, entre outras personalidades.

Supersticiosos e pessimistas

No ano recém-terminado surgiram algumas celebridades instantâneas. Luiza, estudante paraibana, ficou nacionalmente conhecida após um comercial gravado por seu pai e a gandula Fernanda Maia conquistou seus quinze minutos de fama após “participar” de um gol do Botafogo contra o Vasco da Gama.

No cenário musical, tivemos os cinquenta anos de carreira dos Rolling Stones e os setenta anos de vida de Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Gilberto Gil e Caetano Veloso (se estivesse vivo, Tim Maia completaria a mesma idade) e o centenário de nascimento de Luiz Gonzaga. Em contrapartida, composições como “Eu Quero Tchu, Eu Quero Tcha”, “Fiorino”, “Ela é Top”, “Fala Mal de Mim” e “Camaro Amarelo” comprovam que, no atual mainstream radiofônico brasileiro nada é tão ruim que não possa piorar.

E assim passou 2012 e o mundo não acabou. Desse modo, para o desespero dos supersticiosos e pessimistas, a expectativa sobre o “final dos tempos” fica postergada para a próxima profecia.

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[Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de História e Geografia em Barbacena, MG]