O enterro do compositor Laercio de Souza Grimas, conhecido como DJ Lah, do grupo de rap Conexão do Morro, é uma das principais notícias dos cadernos de assuntos metropolitanos dos jornais paulistas de segunda-feira (7/1).
Na Folha de S. Paulo, reportagem complementar informa que a polícia paulista esclareceu somente uma das 24 chacinas ocorridas no ano passado, observando que o número de casos de assassinatos múltiplos duplicou em relação a 2011. Essas são provavelmente as duas últimas referências à primeira chacina do ano de 2013 de que o leitor e ouvinte vai ter conhecimento nos próximos dias.
Trata-se de um tipo de ocorrência característico da periferia paulistana, que a imprensa costuma registrar burocraticamente e esquecer. Mas há muito a acrescentar ao que os jornais publicam, discretamente, desde o sábado (5/1): no caso que inaugura o ano da violência, são evidentes as impressões digitais de um grupo de extermínio, provavelmente formado por policiais militares.
Foram sete mortos em um só episódio, ocorrido na noite de sexta-feira, metade deles gente que apenas passava pelo local. Dois irmãos que compravam refrigerantes foram obrigados a voltar ao bar para serem fuzilados, segundo o relato do Estado de S.Paulo.
Não há como ocultar que se trata de operações planejadas, com um comando central, realizadas com disciplina militar, que não seriam possíveis sem uma cobertura eficiente, com controle por rádio, monitorando uma área ampla em torno do lugar escolhido para o crime.
Segundo testemunhas citadas pela imprensa, eram pelo menos 14 os assassinos, com as cabeças cobertas por capuzes.
O local fica próximo da rua onde, no dia 11 de novembro passado, policiais militares executaram a tiros o servente Paulo Batista do Nascimento, de 25 anos, depois que arrastá-lo para fora de sua casa. O caso só ficou conhecido porque um vizinho filmou o crime.
O noticiário do final de semana dizia que a testemunha desse assassinato estaria entre as vítimas da primeira chacina de 2013, mas a Secretaria de Segurança não confirma. Não faz muita diferença: o que precisa ser esclarecido definitivamente é a suspeita de que esquadrões da morte estejam atuando livremente na periferia de São Paulo, cobertos pela omissão das autoridades e sob o olhar complacente da imprensa.
Morro Triste
Laercio de Souza Grimas, o DJ Lah, deixa várias obras falando da vida nas comunidades periféricas de São Paulo. Curiosamente, a mesma imprensa que ignora a realidade descrita por esses autores populares costuma contemplar alguns deles com reportagens generosas em seus cadernos de entretenimento.
A situação denuncia um estado de esquizofrenia, no qual a manifestação artística tem visibilidade mas a circunstância real que a inspira não consegue sensibilizar os jornais. O Campo Limpo, cenário do drama mais recente, é o bairro com o maior índice de mortes violentas da capital paulista. Parte de um complexo de favelas e conjuntos precários que reúnem mais de 600 mil habitantes, o bairro é um dos mais carentes e deteriorados da região metropolitana.
Curiosamente, dos três grandes jornais de circulação nacional que acompanham o caso, o carioca Globo é o que mais contribui para esclarecer a autoria do massacre, ao colher e publicar o depoimento do padre da diocese de Campo Limpo. O sacerdote não tem dúvidas de que se trata de ação de grupos de extermínio com cobertura oficial, ao observar que, após as chacinas, viaturas policiais costumam passar nos locais dos crimes, recolhendo cartuchos e outras evidências, o que dificulta a investigação.
Essa observação, isoladamente, seria suficiente para a imprensa cobrar do governo paulista algum interesse na apuração desses crimes. Mas os jornais paulistas estão de costas para a periferia.
A realidade das comunidades pobres não sai nos jornais, mas pode ser entendida por meio de uma das principais composições do DJ Lah. Durante o enterro, segundo os jornais, sua criação intitulada “Morro Triste”, trocadilho irônico com a circunstância de sua morte, foi cantada por uma centena de parentes e amigos que compareceram ao cemitério.
A letra do rap diz muito mais sobre a realidade dessa população, espremida entre o crime a violência policial, do que tem sido capaz de contar a narrativa jornalística. Diz o refrão: “O morro hoje está triste, sorriso não existe, nos olhos, no semblante daquela mãe”.
Leia também
A naturalização do horror – Mauro Malin