Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia cidadã denuncia estupro de menor em Ohio

A CNN (5/1) ressaltou numa matéria o importante papel que a mídia social desempenhou e vem desempenhando no caso do alegado estupro ocorrido numa escola secundária em Steubenville, Ohio (EUA). Dois jovens jogadores daquele esporte que os americanos denominam “futebol”, nos Estados Unidos – Malik Richmond, de 16 anos e Trent Mays, da mesma idade –, em agosto de 2012 atacaram sexualmente uma menor, que foi carregada para festas, abusada e exibida em redes sociais. Os jovens estão presos aguardando julgamento, marcado para 13 de fevereiro.

Uma blogueira que trabalha com investigação de crimes, Alexandria Goddard, foi a primeira a soar o alarme, ainda em agosto de 2012. No dia 2 do mesmo mês, outro blogueiro denunciou a ameaça de processo movido contra ela por gente da pequena cidade. Mas o caso só ganhou grandes proporções a partir da publicação detalhada da história pelo New York Times (16/12/2012) e pelo Anonymous – uma coalizão propositalmente casual e descentralizada de hackers com um rosto e muitas faces, que mobilizou a população local contra o que eles acreditam ser o encobrimento por parte das autoridades locais em defesa (mais uma vez) de seus preciosos jogadores de futebol americano.

Alexandria Goddard, que nunca confiou nas autoridades locais, já estava investigando o caso por conta própria. Ela coletou material, postou fotos e filmes em seu blog antes que os acusados da barbaridade pudessem apagá-los. Em 24 de agosto de 2012, informou o New York Times, ela declarou que aquele era um caso óbvio de culpa dos dois, “que filmaram e fotografaram seu crime e o postaram na web”. O jornal também informou que Alexandria citou vários outros jovens que testemunharam tudo e nada fizeram. “Por que não há mais jovens na cadeia?”, questionou.

Importância da mídia-cidadã

A defesa dos suspeitos alega que as fotos foram tiradas “fora de contexto”. E que seus clientes esperam ansiosamente pelo dia em que deverão se apresentar à Justiça. Acreditam que não há provas suficientes para condenações. Veremos.

Curiosamente, a mesma lógica cruel dos pátios de escola americanos conecta os assassinatos nos colégios da América ao alegado estupro em Ohio. Nas escolas americanas há divisão entre os estudantes que nunca foi questionada até a chegada da era digital. A hierarquia cruel da maioria das escolas do país divide os alunos homens em três grupos: os jocks, que são os atletas da instituição; os nerds, jovens inteligentes, mais frágeis e com poucas habilidades sociais; e os geeks, que representam o extrato mais baixo na hierarquia escolar americana. São rapazes geralmente fracos fisicamente, e vítimas contumazes dos jocks.

Essa hierarquia assassina começou a ser contestada nos anos de 1990. Foi a “vingança dos nerds” que invadiu a vida real. Estes, como no filme, depois de tanta humilhação já não estão mais dispostos a aceitar os abusos de seus “colegas” atletas. Alguns mais desajustados agora andam armados e atacam com violência desproporcional seus antigos algozes. Os assassinatos em escolas nos Estados Unidos só surpreendem a quem nunca travou conhecimento com as regras brutais de socialização nos estabelecimentos de ensino do país: ali não há lugar para os “diferentes”. E a coerção social é tão forte que arrasta gente inocente a um agrado forçado e humilhante aos poderosos e valiosos jogadores de futebol das escolas americanas.

O caso aconteceu e foi publicado no blog de Alexandria há um certo tempo. Mas só tornou-se viral depois que a blogueira foi convidada pela CNN (3/1) para explicar à grande emissora global o que havia acontecido meses antes numa remota cidadezinha de Ohio, que tentou esconder um crime. Creio que, a partir deste caso, a importância dos blogs e da mídia-cidadã ficou estabelecida para toda a imprensa, que passaria ao largo do caso se não fosse a blogueira de Ohio e seus colaboradores da mídia social.

Não há garantias da condenação

Ainda há muito pela frente. A família da vítima não prestou queixas até 14 de agosto do ano passado. O chefe de polícia local não acredita na culpa da dupla de estudantes. Há falta de evidências mais concretas além de fotos e filmes, que precisam ser investigados em sua autenticidade. O FBI já ofereceu ajuda. Mas temos que tirar o chapéu para essa gente que trabalha na mídia cidadã em Ohio e outros estados, sem interesses de grande projeção ou de lucro. É gente comum que já cansou da farsa diabólica que esconde-se nas sombras de muitas escolas dos Estados Unidos. E de muitos outros crimes ocultos no cotidiano da sociedade que misteriosamente fogem das vistas da imprensa tradicional.

Boa parte da sociedade americana é cúmplice, em parte, dessa situação desgraçada: estupros praticados por jogadores de futebol – amadores das escolas ou profissionais – geralmente são abafados ou mesmo tolerados por autoridades locais e sutilmente varridos para debaixo dos tapetes das salas de supostos cidadãos respeitáveis. Pois agora o jogo acabou. O escândalo gráfico das imagens exibidas na CNN chocou a sociedade americana e mostrou à imprensa tradicional a importância dos blogs e outros meios de comunicação virtual alternativos de forma cabal e inequívoca.

O caso é complicado. Não há garantias da condenação dos dois em foro local. O julgamento deveria ser transferido para outro local, pois naquela cidade não há mais ninguém que não tenha uma opinião e muita informação sobre o caso. Mas o trabalho conjunto das mídias cidadãs e a imprensa tradicional pode facilitar o trabalho da justiça em um caso que chocou o país.

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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor]