Poucos assuntos são tão delicados na internet quanto a gestão dos dados que você fornece a empresas de internet, como o Google e Facebook. Em dezembro, o Instagram, adquirido em 2012 pelo Facebook, sentiu os efeitos dessa delicadeza depois de realizar uma mudança brusca nos seus termos de uso, provocando uma imensa reação negativa. O Instagram voltou atrás na decisão de incluir nas suas regras que as fotos poderiam ser usadas para fins comerciais, mas o caso levanta uma discussão: e se isso acontecesse a outros tantos serviços online que usamos no dia a dia? E se, além de fotos, perdêssemos o controle da enorme quantidade de informações que publicamos todos os dias e do nosso rastro digital?
Antes da mudança na sua política, os termos de uso do Instagram afirmavam que as fotos não eram propriedade do serviço. Um trecho dentro das regras de privacidade do site, porém, determina que o usuário concede à companhia uma “licença de uso mundial não exclusiva, totalmente paga, livre de royalties, transferível e sublicenciável para o uso do conteúdo postado no serviço”. Trocando em miúdos: tudo o que o usuário publica pode ser usado quase livremente pela empresa.
Os termos de uso, que são aceitos por qualquer pessoa que usa o aplicativo, ainda afirmam que os dados podem ser compartilhados com empresas com as quais o Instagram faz negócios, incluindo parceiros publicitários. A mesma regra é comum de ser encontrada em outros lugares. Basta uma olhada mais rigorosa nos termos de uso e regras de privacidade de outros serviços para encontrar trechos semelhantes aos do Instagram.
Rigor
O Google, por exemplo, afirma que todo o material enviado ao site é concedido à empresa e que ela pode “usar, hospedar, armazenar, reproduzir, modificar, criar obras derivadas, comunicar, publicar, executar e exibir publicamente e distribuir tal conteúdo” para melhorar seus serviços (como resultados de buscas) e para promover seus produtos.
Uma política parecida é utilizada pelo Twitter, em que você concede o material também para um possível uso publicitário por parte da empresa. Já o Facebook adota a política de que pode oferecer suas informações a anunciantes de uma maneira que elas não possam ser associadas a uma pessoa específica, combinando-as com informações de mais usuários s e construindo perfis genéricos.
Essas regras não são muito diferentes do que o Instagram faz e podem ser uma forma perigosa de lidar com os dados dos usuários. “A controvérsia em torno Instagram ilustra a necessidade de acompanhar de perto os termos de serviço e de responsabilizar as empresas por mudanças drásticas”, diz Kurt Opshal, que integra a Electronic Frontier Foundation, organização que defende os direitos online.
Especializado em questões de privacidade e propriedade intelectual, Opshal defende que as empresas que usam informações pessoais dos usuários precisam ter cuidado com o que fazem com os dados, e que as pessoas devem estar atentas para quaisquer mudanças que as desrespeitem, assim como ter cautela com o que publicam.
Preocupações
A mudança de termos proposta pelo Instagram, por exemplo, feriu os três direitos que a EFF considera vitais para a confiança em uma rede social: direito do usuário em tomar decisões sobre o uso dos seus dados, ter controle sobre eles e poder apagá-los definitivamente a qualquer instante. O especialista critica o desaparecimento de um controle claro quanto ao conteúdo publicado maneira privada que existia no termo anterior e desapareceu no novo. Uma preocupação válida, já que o Facebook, dono do Instagram, tem um histórico de mudanças no controle de privacidade sem consultar os usuários.
Opshal, porém, elogia a decisão do Instagram de rever as mudanças e de abrir a discussão até que as novas regras sejam definidas oficialmente.
A relação dos seus dados com o lado comercial de uma empresa não deveria soar como novidade para os usuários. Uma parte importante em todos os termos de serviço e que consta nos termos do Instagram é que, em caso de venda da empresa, todos os seus bancos de dados fazem parte desta transferência. “A partir do momento que você considerar essa base de dados um bem da empresa, ela é detentora das informações e passa a ser responsável por elas. A gente pode dizer que os dados agregam valor à empresa”, explica Victor Haikal, advogado especializado em direito digital.
Um comprador de um serviço online leva também todos os dados dos usuários e, no caso do Instagram, também as suas fotos. Ainda que o novo dono tenha o compromisso de manter os termos e cuidado do Instagram, quem pode ser o dono de suas fotos no futuro? Você gostaria que ele fosse dono das suas informações?
Instagram foi alvo de críticas
As novas regras propostas pelo Instagram, que passariam a valer no dia 19 deste mês, diziam que o serviço poderia utilizar qualquer foto em publicidade sem a necessidade de permissão do autor e sem pagar qualquer direito a ele, usando até fotos de contas privadas. Alardeados pela notícia, os usuários reagiram criticando intensamente a postura do site de querer lucrar com o conteúdo alheio.
Personalidades como o jornalista da CNN Anderson Cooper e a atriz Mia Farrow, criticaram abertamente a empresa e ameaçaram deixar o serviço caso algo não fosse feito. Rapidamente o Instagram voltou atrás ou pelo menos tentou amenizar a reação negativa. Kevin Systrom, cofundador do aplicativo ao lado do brasileiro Mike Krieger, disse em comunicado que os temos foram mal interpretados. “Quero ser bem claro: o Instagram não tem a intenção de vender as suas fotos e nunca fizemos tal coisa. Não somos donos das fotos, vocês, sim”, afirmou. Systrom disse que, na verdade, o Instagram pretende integrar o conteúdo publicitário de uma maneira melhor e não utilizar o material publicado pelas pessoas dentro dos seus anúncios. Junto da declaração, um texto mais brando substituiu os termos de uso anterior.
Coleção de dados
Além de todas as informações que você publica online porque deseja – fotos, textos, e-mails – as empresas recolhem uma avalanche de informações pessoais suas de maneira automática, logo após você aceitar os termos de uso e a política de privacidade delas ao entrar para um serviço.
O Google, por exemplo, coleta dados fornecidos por você mesmo, como nome, endereço de e-mail, número de telefone ou cartão de crédito e também informações armazenadas automaticamente, como informações do seu dispositivo, seu registro e localização. Só o Skype contabiliza 18 categorias diferentes dos tipos de informações que coleta de você.
As especificações de cada empresa quanto ao que é coletado estão disponíveis nos termos de privacidade, embora poucas pessoas realmente atentem para os detalhes. Alguns textos são mais claros e objetivos, outros são mais longos e complicados, mas todos devem ser lidos com atenção. Afinal, se trata de um acordo com valor legal.
“É a partir dos termos de uso que você vai afirmar se uma atitude dos sites é abusiva ou não”, diz o advogado Victor Haikal, especializado em direito digital.
Leitura atenta
Serviços maiores como o Google e o Facebook, que recolhem uma quantidade maior de dados, exigem atenção redobrada, já que podem guardar informações sigilosas, conteúdos de seus e-mails etc.
Já serviços mais práticos, como WhatsApp, são mais simples. Seus termos informam claramente que o aplicativo não retém em seus servidores nenhuma mensagem transferida entre os usuários.
Toda mensagem enviada pelo serviço é apagada imediatamente depois de ser transmitida e entregue. Uma mensagem que não chega ao destino fica guardada no máximo por 30 dias. Devido a todos os riscos envolvendo um possível constrangimento ou o vazamento de informações sigilosas eles avisam: “Use este aplicativo apenas por diversão.”
Segurança
Já é claro que os dados públicos na internet são incontroláveis. E as empresas têm consciência disso. As regras de privacidade dos serviços enfatizam: não iremos nos responsabilizar pela atividade de terceiros, nem pelo uso indevido por parte dos usuários.
Isso não significa que as empresas sejam irresponsáveis, como esclarece Haikal: “Eles dizem que não podem garantir a segurança dos dados por causa da possibilidade de um ataque, por exemplo, uma invasão de um computador, mas não é porque existe esse potencial de risco que eles não tomam precauções necessárias.”
Afinal, não é de interesse das empresas online, principalmente de redes sociais, manchar a relação de confiança com os usuários. Para o especialista na área, Kurt Opshal, a força da política de privacidade está diretamente relacionada à confiança do usuário na ferramenta. Embora, em sua opinião, essas políticas funcionem mais como um termo de limites de responsabilidades do que uma real promessa de proteção do que é sigiloso.
***
[Vinicius Felix, do Estado de S.Paulo]