O jornal O Estado de S. Paulo completou na sexta-feira (4/1) 138 anos de existência sob censura por decisão judicial. Está proibido desde 30 de julho de 2009 de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, de investigação da Polícia Federal a respeito de atividades do empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-AP), no Maranhão. O jornal recorreu da decisão, em processo que deverá ser julgado pelo Tribunal de Justiça de Brasília.
São 138 anos de história, mas 133 anos de vida independente, pois não se conta o período em que o Estado esteve sob ocupação da ditadura de Getúlio Vargas, de março de 1940 a dezembro de 1945. O jornal foi fundado em 4 de janeiro de 1875, com o nome de A Província de São Paulo, por um grupo de idealistas republicanos, sem nenhum compromisso partidário. Mudou de nome em 1.º de janeiro de 1890, um mês e meio após a queda da monarquia.
Em 1888, quando Julio Mesquita, o patriarca da família, apareceu como diretor-gerente na primeira página, o jornal comemorou a Abolição da Escravatura, causa pela qual vinha lutando desde a fundação. “Agora começa o trabalho de libertar os brancos”, advertiu a Província, anunciando a disposição de continuar defendendo o ideal republicano. “Viva a República”, foi a manchete da primeira página, sem mais texto e com uma única pequena ilustração – o desenho de um gorro frígio, alegoria da liberdade conquistada.
Era uma inovação gráfica ousadíssima para os padrões da imprensa na época. Outra novidade foi a venda avulsa, quando o francês Bernard Gregoire saiu às ruas do centro de São Paulo, montado no seu cavalo e acompanhado de um cachorrinho, com uma buzina na mão e um maço de jornais debaixo do braço. A Província tinha edição de quatro páginas e 2.025 exemplares.
O Estado cobriu a Campanha de Canudos, no sertão da Bahia, com um enviado especial, o iniciante Euclides da Cunha. “Um jagunço degolado não vale uma xícara de sangue”, relatou o repórter que mais tarde desenvolveria suas observações nas páginas de Os Sertões. Também foram colaboradores do jornal os escritores Aluísio de Azevedo, Júlia Lopes de Almeida, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira, Raul Pompeia, Monteiro Lobato e Guilherme de Almeida.
Perseguição
No governo do presidente Artur Bernardes, o jornal apoiou a revolta dos paulistas na Revolução de 1924 e sofreu as consequências. Censurado primeiro pelos revoltosos, ficou sob censura também quando o governo federal dominou a situação. Julio Mesquita foi preso e enviado para o Rio pela polícia de Bernardes. Quando ele morreu, em 1927, seus filhos Julio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita assumiram a direção da empresa.
Na Revolução Constitucionalista de 1932, o Estado começou a ser perseguido por Getúlio Vargas, que havia apoiado em 1930. Os donos do jornal foram presos e exilados em Portugal, de onde só retornariam dois anos depois. Julio de Mesquita Filho coordenou a criação da Universidade de São Paulo (USP), a convite de seu cunhado Armando de Salles Oliveira, que havia sido nomeado interventor e em seguida eleito governador. A trégua durou pouco. O golpe de 10 de novembro de 1937, que oficializou a ditadura com o Estado Novo, trouxe a censura de volta.
Julio de Mesquita Filho foi preso 17 vezes em poucos meses e mandado para o exílio, juntamente com Salles Oliveira, agora na França. Deixaram a Europa antes de estourar a 2.ª Guerra. Julio de Mesquita Filho se refugiou em Buenos Aires, onde sobreviveu escrevendo para a imprensa argentina.
Invadido pela polícia do interventor Adhemar de Barros, a mando de Vargas, em 25 de março de 1940, o Estado só foi devolvido à família Mesquita, que teve de comprá-lo de volta, em 6 de dezembro de 1945. Com a morte de Julio de Mesquita Filho em julho de 1969, – sete meses após a edição do AI-5 – seus filhos Julio de Mesquita Neto (falecido em 1996) e Ruy Mesquita passaram a dirigir o jornal.
Toda essa história está preservada no Acervo Estadão. Lançado em maio de 2012, ele registrou mais de 2 milhões de consultas.
A comemoração dos 138 anos do Estado coincide com o aniversário de fundação da Rádio Eldorado (1958) e da Agência Estado (1970), pertencentes ao Grupo Estado.
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[José Maria Mayrink, do Estado de S.Paulo]