Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Nova polêmica em torno da representação de Maomé

Seria Charb, o diretor do jornal satírico francêsCharlie Hebdo,um islamophobe, alguém que tem uma espécie de horror aos muçulmanos como o antissemita aos judeus? Ou a obsessão que ele parece ter pela figura de Maomé não passa de um recurso oportunista de quem sabe que a polêmica em torno do profeta dos muçulmanos vende jornal?

Somente uma fixação anti-Islã ou o oportunismo explicam a insistência com que o jornal semanal trata um tema que escandaliza os muçulmanos, para quem a representação do profeta Maomé seria uma heresia.

Em setembro passado, a França teve que proteger as escolas de língua francesa nos países muçulmanos para preservar alunos e professores das ameaças dos radicais, que poderiam revidar contra a publicação pelo jornal de charges de Maomé. Num artigo em que comentei o fato, publicado neste Observatório, perguntava ao leitor: “Por que motivo os chargistas de Charlie Hebdo precisam provar que a França é um país onde reina a liberdade de expressão, expondo as escolas e embaixadas francesas dos países muçulmanos à vendetta dos radicais islâmicos, que o diretor do jornal, o chargista Charb, chama ‘les fascistes de Dieu’?” (ver “Pode-se zombar de Maomé?“).

Publicadas num contexto explosivo depois que alguns manifestantes haviam, na Líbia, invadido um consulado americano e matado o embaixador dos Estados Unidos, entre outras pessoas, as charges satíricas soaram para muitos, na França, como uma provocação.

Representação física

Pois eis que agora Charb volta ao tema. Ele lança o álbum em quadrinhos da vida de Maomé. E a reação não se fez esperar. O site do jornal foi ameaçado por piratas que não se identificaram. Logo depois o site voltou a funcionar, mas cabe a pergunta: até que ponto a liberdade de expressão deve ser usada?

Provocativo e irritado com as reações que considerou absurdas, e sem nem mesmo uma justificação no livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão, o mesmo Charlie Hebdo resolvera republicar em 2006 as caricaturas do jornal dinamarquês Jyllands-Posten, que meses antes provocara a ira e a vingança de integristas muçulmanos em diversos países. O diretor do jornal francês foi ameaçado de morte e a redação, incendiada.

Agora, Charb justifica o álbum em quadrinhos A vida de Maomé. “O álbum é perfeitamente halal”, segundo ele, isto é, dentro das normas muçulmanas – como a comida halal, que corresponde à comida kasher para os judeus.

Lançado nas bancas francesas na quarta-feira (2/1), o álbum é baseado no Alcorão. Charb argumenta que a vida de Jesus é objeto de livros, filmes e todo tipo de publicação. E pergunta: por que não Maomé? Para contar a vida do profeta, o chargista foi assessorado por Zineb, um sociólogo franco-marroquino, especialista em religiões. Charb apenas desenhou os fatos narrados pelos cronistas que registraram a vida do profeta.

Paralelamente, a edição do jornal que está nas bancas na França trouxe uma pequena amostra dos desenhos do álbum em quadrinhos, ilustrando uma entrevista de duas páginas com o filósofo de origem muçulmana Abdennour Bidar. Ele explica que não há no Alcorão nenhuma passagem, nenhum versículo que proíba a representação do profeta.

A proibição veio da tradição da religião muçulmana, e não do Alcorão. Segundo a tradição, o caráter sagrado do profeta está acima de qualquer possibilidade de representação. Abdennour Bidar compara essa interdição na tradição muçulmana de qualquer representação física do profeta à proibição, no judaísmo, da representação de imagem de escultura de Deus, explícita nos Dez Mandamentos. “Somente uma fé muito frágil ou superficial pode se sentir ameaçada por desenhos e caricaturas”, diz Bidar.

Reforço de caixa

Quanto a Charb, ele diz que seu intuito não é ridicularizar Maomé, mas contar sua vida, como os catecismos contam a vida de Jesus. “Maomé era um homem, desenhei um homem”, diz.

As reações no Twitter foram, sobretudo, negativas. Os mais críticos dizem que o objetivo do álbum é melhorar a tesouraria do jornal, que vive apenas da venda em bancas e não tem publicidade.

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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]