Na mesma matéria, sabe-se:
‘A escova progressiva surgiu por acaso num salão carioca. As manicures costumam adicionar formol às bases para fortalecer as unhas. Até que uma delas teve a idéia de colocar formol na queratina, proteína usada para hidratar o cabelo. A idéia deu certo e virou sucesso de público. Como são fórmulas caseiras, não há como o cliente ter qualquer tipo de controle sobre o que realmente vai na sua cabeça.’
E ficamos sabendo também que, no exterior, a escova progressiva já é um sucesso: ‘Nos Estados Unidos, há até um produto chamado `Brazilian Brushing´, alisamento à base de formol’.
É uma notícia duplamente curiosa. Primeiro, porque mostra que uma manicure descobre uma solução quase mágica para o tratamento de cabelos e ninguém, fora dos salões de beleza, fica sabendo. Fosse nos Estados Unidos – onde a idéia, como se viu, é o maior sucesso –, essa manicure estaria famosa, teria aparecido em programas femininos e em noticiários econômicos. A esta altura, já teria patente do seu produto, que estaria sendo produzido por um laboratório.
Seria, no mínimo, mais uma história de sucesso no país que valoriza a iniciativa privada, a ponto de exportar para o resto do mundo um show de TV chamado American Inventor.
A indústria e as revistas
A notícia é curiosa também porque é preciso morrer uma mulher para que a imprensa divulgue as perguntas que todas estariam se fazendo há muito tempo, se alguém tivesse alertado – como nas matérias divulgadas no domingo (25) – sobre os perigos de usar produtos sem controle, especialmente no couro cabeludo.
Da parte da mídia, porém, o que se vê, nesses casos, são fotos e legendas falando do novo visual das artistas e celebridades que encontraram na escova progressiva o caminho para o look da moda: cabelos lisos e escorridos, tão contrários ao biótipo brasileiro.
Satisfeita em ter assunto – a mudança de visual de celebridades e estrelas rende boas fotos –, a imprensa não se preocupa em alertar suas leitoras para os perigos a que estão sujeitas. Vítimas do desejo de serem diferentes do que são – para o que contam, aliás, com fortíssimo incentivo da mídia –, é preciso que mulheres morram para que os tratamentos de beleza, as dietas milagrosas e produtos sem controle virem assunto.
Mas uma coisa é certa: as matérias que alertam para produtos que fazem mal são assunto por muito pouco tempo. Logo se tornam notícia de ontem e caem no esquecimento, como aconteceu com o distúrbio alimentar que causou a morte da modelo Ana Carolina. A menina foi capa de revista, assunto de jornal e deixou de ser assunto. A doença que causou a morte dela não foi mais discutida na mídia, nem mesmo nas revistas femininas e naquelas voltadas para adolescentes. Essas publicações teriam a obrigação moral de manter campanha permanente, alertando as leitoras, discutindo o assunto.
A única esperança, no caso do formol no cabelo, é que a empresa de cosméticos que fabrica um produto ‘com um máximo de 0,2% de formol’ aproveite a oportunidade para fazer uma campanha de esclarecimento. Então poderemos ter certeza de que a mídia, preocupada com o anunciante, vai entrar com vontade no assunto. Foi preciso uma indústria de cosméticos veicular anúncios valorizando as mulheres de verdade – como gordurinhas e celulite – para que a mídia se sensibilizasse para o tema.
O problema é saber o que é pior: 1) admitir que a indústria mostra uma sensibilidade que os jornalistas não têm; 2) admitir que tudo não passa de uma jogada de marketing que os editores de revistas femininas não percebem e, por isso, acabam jogando o jogo do cliente.
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Jornalista