Assim como apareceu, o tema das chacinas na região metropolitana de São Paulo desapareceu dos jornais já nas edições de terça-feira (8/1). Referências à onda de violência e, especificamente, aos crimes cometidos ou atribuídos a policiais, apenas duas:
1. Na Folha de S.Paulo, reportagem informando que o governo do estado proibiu a polícia de socorrer vítimas feridas em crimes violentos. O objetivo é evitar que agentes despreparados ou interessados em atrapalhar as investigações alterem ou suprimam provas ou evidências.
2. No Estado de S.Paulo, destaca-se a notícia de nova mudança na cúpula da Segurança Pública, com a provável nomeação da delegada Elizabete Sato para a chefia da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa.
A decisão de proibir policiais de prestar os primeiros socorros a pessoas feridas gravemente em ocorrências como tentativas de homicídio ou agressões, inclusive nos fatos envolvendo agentes da lei, provoca algumas controvérsias. Por exemplo, se for obrigado a ficar esperando a chegada de socorristas ou médicos enquanto a vítima sofre uma hemorragia, o policial habilitado a fazer um simples torniquete corre o risco de assistir à sua agonia, sem ter autorização para prestar socorro.
Desvios de conduta
Fica evidente, pela nova norma, que as autoridades não acreditam no bom senso dos seus próprios agentes, o que fica claro na análise dos números de pessoas baleadas pela polícia que chegam mortas aos hospitais. Em alguns casos, como já ficou demonstrado, os próprios policiais tratam de apressar o óbito dentro da viatura.
Já a decisão de nomear a delegada Elizabete Sato para o setor encarregado de investigar os homicídios, nesta altura da crise de autoridade que atinge a polícia paulista, soa como um recado para as delegacias e, principalmente, para os policiais mais violentos.
Sato é conhecida por sua independência dentro da estrutura da Segurança Pública: não tem vínculos com grupos políticos, costuma ser exigente e objetiva nas relações com a Polícia Militar e os investigadores civis e, no período em que dirigiu o 78º Distrito Policial, na região dos Jardins, destacou-se por sua capacidade para mediar conflitos. Sua principal missão será esclarecer as chacinas que se avolumam na periferia da capital paulista desde o ano passado.
As primeiras medidas anunciadas pelo governo paulista logo após as execuções de sete pessoas no bairro do Campo Limpo, ocorridas na sexta-feira (4/1), são tratadas quase burocraticamente pela imprensa.
A nomeação de uma nova autoridade para a investigação dos homicídios e a norma que tenta inibir a ação de policiais mal intencionados revelam que a Secretaria da Segurança Pública tenta retomar o controle sobre a tropa, que parece estar sofrendo um processo coletivo de insanidade após a onda de atentados contra policiais militares supostamente planejada por líderes do crime organizado.
Esse aspecto, isoladamente, já deveria motivar os jornais a manter o assunto em evidência. Não apenas para dar uma satisfação àquela parcela da população que vive fora dos bairros onde circulam jornais, mas também para sinalizar aos policiais que tentam cumprir seu trabalho de maneira correta que o Estado não vai permitir desvios de seus agentes.
Fugindo da raia
Por outro lado, a ação do governo, retomando certa disciplina, deve reduzir a margem de decisão de oficiais da Polícia Militar que ficam imersos por muito tempo no ambiente da violência, e que, por essa razão, eventualmente perdem a noção dos limites legais de sua atuação.
Em alguns eventos, jovens oficiais são dominados por soldados mais experientes nas ações violentas e acabam perdendo a autoridade, como no caso que teve como vítima o servente Paulo Batista do Nascimento, executado por PMs no dia 11 de novembro de 2012.
Os jornais se negam a reconhecer que o governo do estado andou se omitindo, e, em alguns casos, até estimulou a violência policial, como na ocasião em que o governador, procurando justificar o aumento da letalidade nos supostos confrontos, afirmou que “aqueles que não reagiram estão vivos”.
Foi preciso um vídeo mostrando como policiais podem matar friamente um suspeito desarmado, e a ocorrência de um massacre de sete cidadãos sem antecedente criminais, entre os quais um artista popular, para que o governo se desse conta de que havia perdido a autoridade sobre sua tropa.
Quando o governo admite, implicitamente, que estava errado, os jornais saem de campo.
Não dá para entender. Ou dá?
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