Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Latim, de novo?

Estremeço ao ler a notícia de que o papa Bento XVI pretende restaurar o uso do latim na liturgia católica. Tento superar meu tumulto mental e humildemente arrisco algumas reflexões:

1. O latim é mesmo uma língua bonita, a mãe do francês, tia do espanhol, avó do português. Sua sonoridade é solene, arcaica. Além disso, o latim nos remete aos bons tempos do Império Romano, em que a vida era harmoniosa, os povos dominados viviam em paz, o Mediterrâneo era chamado ‘Nosso Mar’ e patrícios e plebeus tinham pão, circo e churrasco de cristão.

2. O latim representa uma armadilha, pois a língua estrangeira coloca empecilhos à vivência ritual. Assim, para refrigerar suas almas, os fiéis católicos vêem-se diante de poucas alternativas: seguir, carneiramente, o roteiro pré-estabelecido, sem participar dele nem incorporá-lo à própria vida e vice-versa; ficar cada um na sua, sem comunicação coletiva, e à mercê de todas as doideiras que podem brotar de seu isolamento. Ou então, tentar reverter essas tendências. Não vejo como uma língua morta, per se, possa enriquecer um ritual: o que enriquece rituais é acolher neles a vida viva, a compaixão.

3. Tenho a vaga impressão de que a hierarquia da Igreja Católica esvaziou seu saco de boas novas e está pobre de evangelhos. Sem ter o que dizer, em línguas vivas, à Humanidade e à Terra – esgotadas –, os eclesiásticos parecem ter virado as costas à História e ao dia de hoje, e ensaiado um eterno retorno em direção ao mito, ao Verbo primordial (que, pasmem os senhores, NÃO era o latim…).

4. Antes que os ingênuos empaquem na discussão estéril de se o latim é bonito ou feio, recorde-se: língua é uma arma de poder. Será que, ao tentar impor de novo uma língua única, os dirigentes (que, não vos amotineis senhores, NÃO são toda a Igreja Católica) não tenderiam a afirmam a hegemonia absoluta de Roma? Pretenderiam voltar ao caos do princípio sem passar pela diversidade do cosmos? Chegar ao uno sem roçar o múltiplo? Atingir a pura essência sem sofrer as alegrias, as esperanças e as frustrações da existência? Tentariam se alçar ao sagrado mais celeste, ignorando o humano, seu lugar mais bonito?

5. Essa proposta do latim cheira a tentativa de reverter os avanços do Concílio Vaticano II, muito mais profundos do que a mera adoção das línguas vernáculas na missa, mas que no fim de contas propiciam que os sacerdotes olhem o povo face a face, amorosamente.

Diante disso tudo, só me restam duas certezas. Primeira: não vai dar certo, ao menos num país em que o conhecimento do Português só piora. Segunda: Allahu Akbar.

Namastê, mana, porã, axé, shalom, manitu, baraka, orenda para todos.

PS – Se você, leitor, não entendeu meu latim macarrônico, imagine a confusão se fosse latim clássico…

LATINUS, DE NUOVUS?

Claudius Georgius Flumen

Trembolo ad legendam notitiam quae XVI Bentus papa decidet restaurare usum latini in catholica liturgia. Tenteo superatione mentalem tumultum, aunque arrisco humilii reflexioni:

1- Latinus est efective pulchra lingua, mater francesi, tia espanholi, avuncula portuguesi. Sonoritas ea est solemnis, archaica. Besides, latinus remetet nobis bonii tempii Imperi Romani, quam vita nostra erat harmoniosa, populi dominati viverant in pace, Mediterraneus ‘Mare Nostrum’ apellatus erat, patricii et plebei habebant panes, circenses et cristiani churrascum.

2- Latinus representat armadiliam, quia estraniera língua interponet obici ad ritualem vivenciam. Deinde, per refrigerium animae ei, fideli catholici habent pauci viae: sequitur, agniter, pre-estabilitus script, sine participatione nec incorporatione in vita sua, et vice-versa; cata unum in sua rimanet, sine colectiva comunicatione, sensibili ad maluquicii qui brotant isolamentus ejus. Aut, dunque, refertere tendenciae supra. Non video quomodo morta lingua, per se, potest enriquecere ritualem: quod enriquecest ritualii est introducere vita viva, compatio, in ei.

3- Habeo vagam impressionem quia hierarchia Catholicae Ecclesiae esvaziavit suus sacus boni notitii et est paupera de evangelii. Sine habere quod dicere, in linguae vivae, ad Humanitatem et ad Terram – both esgotati – eclesiastici pareant tornare costas suas ad Historia et ad hodiernus diem, et ensaiant eterno ritorno in direccione ad mitus, ad primordiale Verbo (pasmate, signori, latinus NON erat…).

4- Before ingenui gentes empaquant in sterile discussine aut latinus pulcher est, aut feius, recordate: lingua est arma potestatis. Ad tentare imponendum de nuovus unicam linguam, dirigenti catholici (qui, non amotineti, domini, NON sunt totam Catholicam Ecclesiam) tendeverunt ad afirmare absoluta hegemonia Romae? Pretenderunt retornare ad primordiale chaos sin passare per cosmica diversitas? Alcançare unum sin roçare multiplum? Atingire puram essentian sin sofrere gaudii, spei et frustrationi existentiae? Tentariant chegare ad sacrum excelsior ignorandum humanus, locus ejus plus pulchrus?

5- Hac propostam latini, paret mihi nuovam tentativam revertere avanci II Vaticani Concilii, tropo magis profundi quam solo adotare lingui vernaculi in missa, sed quae in finis propitiant ad sacerdoti videant populum face-to-face, amorosamentem.

Tuto considerato, solo restano mihi certezi duas. Prima: non vadet dare certum, al meno in un paise in quale conhecimentus Portuguese piorat diem ad diem. Secunda: Allahu Akbar.

Namastê, mana, porã, axé, shalom, manitu, baraka, orenda per tutti. Traductio sequitur.

Post-scriptum: si tu, lector, non entendes hic ligneae, in latinus macarronicus, imagine confusio in latinus classicus…

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Professor do Departamento de Teologia da PUC-SP