Ele estava com 37 anos, novamente solteiro e retornava a Paris como correspondente do Correio da Manhã. Para quem havia participado da cobertura da Segunda Guerra Mundial (1939-45), a temporada parisiense soava, no mínimo, como uma trégua. O salário do jornal, esparsas colaborações para a revista Leitura, um bico no Escritório Comercial do Brasil e o câmbio favorável permitiam que Rubem Braga, após peregrinar por pensões e prisões em nosso país, pudesse viver confortavelmente em Paris. Talvez, por tudo isso, 1950 tenha sido um dos melhores anos de sua vida.
Retratos Parisienses reúne parte substancial da produção do cronista ao longo desses 12 meses. O núcleo central é composto por textos escritos em 1950, na capital francesa. Além de assinar a breve crônica diária “Recado de Paris”, estampada na página 2 do Correio da Manhã, Braga realizou uma série de entrevistas ou reportagens destinadas ao suplemento de cultura. É surpreendente que tais entrevistas tenham permanecido inéditas em livro e, até hoje, não tenham recebido atenção dos estudiosos.
Elas são a melhor prova do quanto o correspondente Rubem Braga trabalhou firme. Entre os entrevistados figuram Pablo Picasso, Jean Cocteau, André Breton, Jean-Paul Sartre, Jacques Prévert, Juliette Gréco. Como se não bastasse a experiência pessoal, intensa e única de cada entrevista, o conjunto possui forte unidade. Elas conversam entre si. Por isso, o leitor reencontrará os primeiros entrevistados citados nas entrevistas subsequentes: Cocteau será criticado por Marie Laurencin, Jacques Prévert mandará lembranças a Chagall, Juliette Gréco fará o elogio de Sartre.
É como se o cronista se aventurasse pela arte do retrato de escritores, pintores, atores e cantores. A dificuldade para definir o livro do ponto de vista do gênero não diminui em nada a sua importância: é exatamente na mistura de ângulos e falas, planos e colagens que reside o seu interesse.
A bússola sensível de Rubem Braga apontou a direção histórica a seguir. Ele, que já tinha optado por viver em lugares distantes e periféricos, via-se agora no meio do meio do século, no centro nevrálgico do continente. Numa escala diminuta, Retratos Parisienses é um panorama da cultura europeia do pós-Guerra.
Vida literária
O primeiro interesse de Braga está voltado para a vida literária. Contrariando o folclore de leitor indisciplinado, é notável como ele esboça um amplo quadro das personalidades e dos debates literários da época. Contempla desde a vanguarda heroica – Breton, Cocteau – até nomes cujo prestígio se consolidou no pós-Guerra, como Sartre e Prévert.
Mesmo a quem ele não pôde conhecer ou entrevistar pessoalmente, tratou de comentar na sua coluna, “Recado de Paris”. Somos informados sobre as principais revistas, livrarias, polêmicas e os últimos lançamentos em torno de Valéry, Gide, Colette, Claudel, Mauriac etc.
No âmbito da poesia, é significativo que o cronista tenha dado voz ao italiano Eugenio Montale, com quem já havia travado contato: “Lembro-me que visitei Montale, em Florença, ainda em 1945; ele reassumia tranquilamente o seu lugar de bibliotecário ou zelador de um palácio cheio de livros e obras de arte, lugar que perdera 20 anos antes por causa do fascismo”.
Menos conhecido que Ungaretti, que havia estado entre nós, lecionando literatura italiana, entre 1937 e 1942, na Universidade de São Paulo, Montale é um dos poetas mais sofisticados e complexos do século 20. O que nos leva a considerar que as leituras de Braga nem sempre se pautam por afinidades estilísticas. Sua sensibilidade de leitor é mais elástica e porosa do que podemos imaginar, admira tanto a dicção escarpada de Montale quanto o lirismo cotidiano de Prévert.
Ao que tudo indica, tinha autonomia na escolha dos entrevistados. Logo, inferimos que ausentes como Albert Camus, figura incontornável na época, não despertavam o seu interesse. Tirando o fato de que o escritor havia acabado de visitar o Brasil, em 1949, e com nova recaída da tuberculose, viveu recluso entre 1950 e 1951, a presença de Camus só se faz notar por intermédio da revista Combat, da qual fora redator-chefe, e que era sempre citada e recomendada por Braga.
É visível o destaque dado à passagem de Thomas Mann por Paris, assim como será incontestável o prestígio de Sartre. Encontrar vínculos literários entre o cronista e os dois autores não me parece uma hipótese fecunda. Penso que o interesse seja de fundo político, mediado pela importância do papel do escritor e as novas posições assumidas com o realinhamento ideológico. Não devemos desvincular as modulações líricas da prosa de Rubem Braga de certa inclinação democrática e solidária que o levou a ser um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro (1947).
Depois de ter coberto a guerra, trata-se agora de cobrir o pós-Guerra. O momento histórico não é dos melhores. Rubem Braga sente a força traiçoeira da vida pulsando nos retratos 3 x 4 que faz dos colaboracionistas: Maurice Sachs, Louis-Ferdinand Céline, Corinne Luchaire.
É um período de acerto de contas, conflito entre vencedores e vencidos. A política catalisa as energias do cronista. A cada entrevista literária está em jogo o destino da Europa e a redefinição do papel dos intelectuais. Há pouco espaço para as modas ou para o último grito. Paris não é uma festa.
Pintura
Rivalizando com os escritores, surpreende o número de entrevistas e crônicas dedicadas aos pintores. Rubem Braga nunca foi nem jamais teve qualquer pretensão de atuar como crítico de artes plásticas, como bem demonstra o simpático livrinho Três Primitivos (1953), no qual comenta o trabalho “naïf” de Heitor dos Prazeres, Cardosinho e José Antônio da Silva. Mas, durante a temporada parisiense, frequentou com disciplina e afinco todas as exposições de arte moderna. E a cada entrevista ou crônica declara abertamente suas predileções – Picasso, Braque, Matisse – assim como suas restrições – Marie Laurencin, Chagall, Foujita, De Chirico.
Penso que a crítica ainda não explorou o seu profundo convívio com as artes plásticas, o quanto ele está entranhado em sua prosa, na sua concepção da imagem poética. Para ficarmos num único e bom exemplo, o olhar treinado do cronista responde por uma das passagens mais agudas desses Retratos Parisienses, o breve comentário sobre um quadro do holandês Frans Post (1612-80): “O Rio São Francisco” (1638). Em poucas linhas, Rubem Braga disseca a paisagem:
“À esquerda, um mandacaru ergue os braços, entre as pedras, na beira do rio, há um matinho miúdo, uma cabaça, três flechas de ubá – e uma capivara. Do outro lado da água, um barco, umas casinhas, um caminho que sobe um morro, onde há alguma coisa que deve ser um forte defendendo a entrada do rio. Tudo minucioso e ingênuo no primeiro plano – mas há, nesse mundo de água e de céu, nesses morros baixos e distantes do outro lado do rio, a tristeza dos espaços brasileiros.”
Neste textinho esquecido, garimpado entre milhares de crônicas, podemos ter uma ideia concreta de como o seu olhar era atento, cortante e preciso. Trata-se de um gesto de recuperação da imagem (um mandacaru abre os braços), percepção do mundo sensível (matinho miúdo), ato de salvamento de formas ocultas na paisagem (há alguma coisa que deve ser um forte defendendo a entrada do rio). Todo o movimento de enumeração de coisas concretas termina neste poder de abstração: a tristeza dos espaços brasileiros.
De repente, somos transportados no tempo, viajamos de 1638 para 1950, trocamos a paisagem de Post por uma mulher de Matisse. Num estado de total encantamento, Braga para diante de um quadro realizado com recortes de papel colorido:
“Tem dois metros e tanto de altura por um de largura, e apresenta uma mulher de pé, cada mão apoiada a uma mesinha. Está datado de 1950. É espantoso que um octogenário tenha produzido esta obra-prima de esplendor juvenil. Um ou outro traço de desenho, leves e raros retoques a pincel – e essa figura em cores vivas se planta em nossa frente com uma indescritível e luminosa sensualidade.”
O cronista está em casa. Ele vai navegar.
É preciso escrever um ensaio capaz de captar, numa única e sinuosa linha, a célebre divisa de “invitation au voyage” (convite à viagem), que está no cerne da experiência lírica de Braga e Matisse: “Luxe, calme et volupté” (luxo, calma e volúpia). O luminoso erotismo que se desprende das frases do cronista tem o mesmo poder de evasão de certas linhas do pintor. Persuasivos até na contemplação.
O roteiro dos museus e das galerias não é suficiente. Vive cercado de pintores. Visita Foujita na companhia de Clóvis Graciano, ouve Duke Ellington tocar em companhia de Antônio Bandeira, frequenta Cícero Dias e sua mulher Raymonde, diverte-se com Miró e Calder dançando samba, conversa com Portinari e Clóvis Graciano, que retornam da Itália sucumbidos pela pintura dos pré-renascentistas. Para sua alegria, havia 21 pintores brasileiros em Paris.
Convívio
Não deixa de ser estranho só agora tomar conhecimento de que o cronista introvertido e interiorano conversou com algumas das personalidades que definiram os contornos do século 20. Penso que o charme desses Retratos Parisienses está no confronto entre ocultar e revelar. Por causa da função de correspondente, Braga nunca esteve tão exposto ao exercício do diálogo. O jornalismo o obriga a um estilo de vida voltado para o convívio.
Mas o encanto é que no movimento de aproximação de ícones da cultura também podemos entrever aspectos da personalidade de Braga. Somos impelidos a acompanhá-lo a cada uma das visitas. Através do olhar que lança aos outros, ele acaba se revelando, de corpo inteiro, diante de nós. Ele se resguarda, evita colocar-se cara a cara com seus entrevistados. Por isso, nunca nos sentimos diante do retratado, mas sempre lado a lado com o cronista. Por vezes só vislumbramos o encontro por trás dos seus ombros.
O posicionamento do cronista afeta radicalmente o estilo da entrevista, que faz pouco uso do tradicional método pingue-pongue, alternando perguntas e respostas. Dessa perspectiva, a palavra retrato, presente no título, adquire novo sentido. Quando Rubem Braga opta por fazer um retrato frontal, temos a fala do entrevistado expressa por travessões, como se criasse uma faixa de pedestres para que o leitor não corra o risco de ser atropelado pelo constante fluxo de vozes.
Mas, quando opta pelo retrato de perfil e incorpora a voz do entrevistado ao seu próprio texto, coloca ambos entrelaçados no mesmo parágrafo, reduzidos ao mesmo plano, como numa colagem cubista, que ora ilumina o conjunto, ora oculta metade do rosto, ora sobrepõe a mesa do café e o recorte de jornal.
Podemos afirmar que nunca realizou uma autêntica entrevista. O termo ao qual recorria com certa insistência era visita – “Visita a Jean Cocteau”, “Visitando Marie Laurencin” –, ou empregava variações, como “Na casa de Georges Duhamel”. Quando a conversa ocorria de forma solta, o título já traduzia a simpatia mútua, caso de Juliette Gréco – “A mais bela professora de filosofia” – ou a cumplicidade dos velhos amigos que dividem a mesa de um café: “Com Jacques Prévert, em La Reine Blanche”.
O sentimento de pudor predomina. Braga evita se apresentar como jornalista: “Quando me apresentei na casa de Picasso não disse que era jornalista. Não menti, nem mesmo por omissão. Ser jornalista é, sobretudo, fazer perguntas e, na verdade, eu não tinha nenhuma pergunta que lhe pudesse fazer”. Em outra passagem da mesma crônica: “Sou o pior jornalista do mundo. Para que fazer perguntas de interesse para uma reportagem?”.
Na “Visita a Jean-Paul Sartre” o velho constrangimento encontra um novo disfarce:
“Devemos ir embora, mas a essa altura sinto que já posso abrir o jogo. Confesso-lhe que além de minhas altas funções diplomáticas (Roberto [Assumpção, secretário cultural] me apresentou como se fosse alguém da Embaixada) escrevo alguma coisa sobre literatura francesa para o Brasil. Sei que ele não gosta de dar entrevistas, mas se pudesse…”.
Esse desconforto talvez seja responsável pela beleza áspera, quase irritadiça, de determinadas entrevistas. Distante de qualquer objetividade jornalística, Rubem Braga antes, durante, depois, revela desbragadamente a sua total simpatia ou antipatia pelo entrevistado. Por vezes, como em “Visitando Marie Laurencin”, a força do contato humano o faz passar da mais absoluta desconfiança com relação à qualidade artística da pintora até a mais comovente declaração de afeto pela sua figura:
“Eu me pergunto o que vou escrever sobre essa mulher e, de repente, me dá uma ternura por essa velha trabalhadora de cabelos brancos que anda ao meu lado, uma ternura que dá para entender e cobrir tudo o que nela é mediocridade e despeito. Afinal, ela é um expoente deste meio século, com suas mocinhas de sonho, flores líricas de uma época desigual e bruta; nosso tempo ficaria mais feio e não ficaria melhor se ela não existisse. Despeço-me com respeito de Marie Laurencin.”
O primeiro olhar resulta de uma lenta aproximação. O cronista não sabe bem o que está fazendo ali, recusa-se a invadir a privacidade alheia. O segundo olhar perscruta e investe contra a imagem que já tinha em mente e o quanto ela confere com o personagem que agora está ali, diante dele.
Em diversas ocasiões, enquanto deveria estar compenetrado na entrevista, pouco a pouco, vai fornecendo ao leitor suas impressões, rápidas descrições físicas misturadas a observações de ordem ética e estética. A intenção principal não é de informar, porém tornar o entrevistado mais próximo e humano:
“Não sei a idade de Cocteau; deve estar entre os 50 e os 60 anos; os cabelos são grisalhos sobre a testa alta mas fina; há uma coroa, que os cabelos não chegam a dissimular bem, como se ele fosse um padre renegado. A cara é magra, nervosa e triste, talhada de rugas; o nariz bem traçado e firme, a boca pequena, as orelhas agarradas à cabeça e pontudas. Tudo isso lhe dá um ar ao mesmo tempo de cansaço e de atividade; os olhos pequenos, as pálpebras fatigadas, são alternativamente vivos e sonhadores. Fala com rapidez e facilidade, e sua conversa prende, porque passa incessantemente de observações práticas e precisas para coisas de poesia e sonho. Sente-se que ele vive a um só tempo nesses dois mundos; confunde-os em um só, a que chama realidade”.
Tais retratos, feitos ainda sob o impacto da presença física, possuem um traço rápido, incisivo, direto, capaz de nos fornecer uma imagem completa do retratado e, ao mesmo tempo, revelar certas obsessões do cronista. Por exemplo, o gosto pela palavra “retaco” (“atarracado”), empregada para descrever a estatura de Sartre e Picasso. Ou na fascinante contemplação da cabeça do pintor:
“É um pouco mais baixo do que eu esperava, retaco, musculoso e belo, com sua grande cabeça bronzeada. Sei que vai fazer este verão 69 anos – e eu não lhe daria mais de 54. Conheço bem e tenho prazer em ver pessoalmente essa bela cabeça de homem à qual todas as marcas da passagem do tempo só fizeram ajuntar energia e firmeza: suas rugas, a calvície que lhe aumenta a pureza do vulto.”
Por vezes, para facilitar a vida do leitor brasileiro, naquela época em que a imagem não era tão disponível, Braga tece algumas relações curiosas e hilariantes. Por exemplo, ao tentar descrever Jean Cocteau:
“De repente me ocorre que ele parece um pouco com [o crítico] Sérgio Milliet, mais velho e mais rápido para falar e fazer as coisas. Não, não é isso: ele parece um [poeta] Olegário Mariano desidratado”.
Outra passagem repleta de graça é a descrição de Prévert:
“Esse homem que, não sei por quê, eu esperava magro, é um senhor meio grosso de 51 anos, rigorosamente vestido de preto, com chapéu preto e no bolso do paletó um lenço que ele pretende ser azul-marinho mas também é preto. Tem a cara avermelhada e os cabelos profusamente grisalhos -uma cara absolutamente típica de qualquer bar de Paris, um irmão mais moço de Jayme Ovalle [compositor]”.
Relendo estes textos me dou conta de que, na década de 1950, a literatura ainda cumpria a função de nos dar a ver a imagem real de um rosto, hoje com a televisão, telefones celulares, câmeras fotográficas, Facebook, tal esforço descritivo se tornou algo superado. Ao ler Retratos Parisienses percebo como o recuo da refinada arte de narrar ou descrever representa uma perda brutal.
O mesmo pode ser dito sobre a fisionomia das cidades como na bela comparação de Rubem Braga:
“Paris é feita de ruas, avenidas, perspectivas, Roma é feita de escultura e arquitetura entre a sombra de árvores imensas. Daí a sua beleza grave; nunca se tem vontade de fazer um quadro a óleo, como em Paris, nem uma aquarela, como em Lisboa: Roma só pode ser bem contada em gravuras, tem massas e volumes, não cores”.
Brasil-França
Retratos Parisienses foi organizado de forma que, ao abrir e fechar o livro, o leitor pudesse sentir um forte interesse na aproximação entre Brasil e França. No pós-Guerra, o maior temor dos franceses era perder terreno para os EUA. Por isso, o governo francês empenhou-se em criar uma política cultural eficaz que previa uma intensa colaboração: concessão de bolsas a artistas brasileiros, maior presença do livro francês, criação da Maison de France no Rio, viagem de intelectuais e companhias francesas ao país. Havia entre os franceses uma disposição para o diálogo com o Brasil, expressa em várias entrevistas de Rubem Braga.
O clima de chegada e partida foi responsável por duas das melhores crônicas de Rubem Braga, escritas justamente nesta viagem e publicadas em A Borboleta Amarela (1955): “A que Partiu” e “A Navegação da Casa”. A primeira é marcada pelo estranhamento com a cultura e a língua, a segunda é fruto da saudade e do desejo de voltar criar raízes na casa.
Na partida de Braga, o jornalista Louis Wiznitzer escreveu, para o Jornal de Letras, uma nota comovente sobre a convivência com o cronista:
“Por muito tempo o cronista de 'Pé de Milho' possuiu um apartamento à rua St.-Dominique; quatro peças de teto baixo e um ateliê que também servia de sala de banho. Aí vinham trabalhar pintores. Sucessivamente, Cícero Dias, Graciano, Bandeira, Portinari, Da Costa ali apareceram para fazer 'gouaches', ou mesmo um retrato do próprio Rubem. Havia, de quando em vez, concursos de pintura. Em todos os quartos, garrafas de conhaque junto a ensaios sobre arte e literatura. Por cima de um espelho, via-se permanentemente escrito: 'Amanhã tem feijoada'.
“Sem dúvida este 'amanhã' não era todos os dias, mas, por vezes, um grupo alegre de gente de teatro, fotógrafos, comerciantes, brasileiros, franceses, suecos ou italianos ali se reunia como que por acaso. Cantava-se em coro 'Boire un petit coup c'est agréable' [canção boêmia francesa], discutia-se pintura abstrata. O apartamento estava sempre cheio.
“Brasileiros em trânsito entre Londres e Rio de Janeiro chegavam a dormir ali. O mesmo sucedia aos que não dispunham provisoriamente de hotel. Todas as manhãs, porém, às 9h, Rubem batia infatigavelmente à máquina as suas crônicas.”
Ele tinha quase 38 anos, permanecia solteiro e deixava Paris pela segunda vez.
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[Augusto Massi, professor de literatura brasileira da USP, é organizador de Eu Vi o Mundo, de Cícero Dias, e autor de Negativo (Companhia das Letras)]