Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Uma sugestão de pauta

O jornalismo acentuadamente ideológico que vem sendo praticado no Brasil tem, por consequência, produzido matérias de assuntos restritos, pobres de conteúdo e ignorantes. Para afirmar a ignorância, os mecanismos de persuasão e manipulação têm sidos acionados em toda sua extensão, necessários que são para formar o olhar maniqueísta e assim conseguir zerar a dificuldade de provar teses desprovidas de consistência.

A geração de pautas direcionadas para os interesses de grupos que integram ou constituem a “periferia a convite” da “turma da bufunfa”, para usar conceito caro ao professor José Luiz Fiori, o primeiro, e expressão cunhada pelo economista Paulo Nogueira Batista, a segunda, são verificadas tanto no que se refere ao cenário nacional brasileiro quanto ao internacional no que diz respeito ao sistema mundo como um todo e, no caso particular da América Latina, em especial à Argentina e Venezuela, a nova Cuba no sapato do neoliberalismo.

Pois é de textos desses dois intelectuais citados, José Luiz Fiori e Paulo Nogueira Batista Júnior, que se pode tirar uma sugestão de pauta antenada com os acontecimentos. É imperioso prever que o trato em muitos veículos de informação não deverá fugir da ideologização ignorante, mas a força do debate já em virtualidade no tema certamente exigirá mais de que uma técnica discursiva dirigida para o convencimento de oportunidade.

Aprofundar o tema

No artigo “Abismo adiado”, publicado no dia 5 de janeiro em O Globo, para onde escreve regularmente uma coluna, o economista Paulo Nogueira Batista, nosso representante no Fundo Monetário Internacional, trata do perrengue em que a “turma da bufunfa” colocou o capitalismo de produção e da tentativa de Barack Obama em dar sentido ao toma-lá-dá-cá que move o sistema. “Tomo como ‘gancho’”, diz Paulo, “as últimas peripécias do abismo fiscal nos Estados Unidos para falar um pouco de uma questão mais ampla: a decadência política e econômica dos países desenvolvidos.” Ele ressalta o fato de que “quatro anos depois da crise financeira os governos nos EUA e na Europa ainda não tenham conseguido completar uma reforma que impeça a repetição de surtos destrutivos de instabilidade. O poder da ‘turma da bufunfa’ dificulta a implementação de medidas rigorosas de controle supervisão do sistema financeiro. Os bufunfeiros continuam dando as cartas”, observa.

A análise de Paulo o leva a concluir que o velho mundo e o Tio Sam “não conseguem mais exercer, com credibilidade, liderança no plano internacional”. Mas, segundo ele, “o pior é que não há polos alternativos de liderança”. “Os BRICS”, diz, “(…) não estão preparados para substituir as potências tradicionais e exercer um papel de coordenação.A China ainda tem um papel acanhado em termos de governança. Dos cinco BRICS, o Brasil – com todas as suas deficiências e limitações – é o que mostra mais capacidade de formulação no campo internacional”, aponta o economista.

Por outras vias de argumentação, o artigo de José Luiz Fiori “Os ‘milagres econômicos’ da Guerra Fria”, publicado no final de dezembro na revista Carta Maior e no jornal Valor Econômico, coincide com o de Paulo sobre o papel do Brasil no cenário geopolítico do século 21 pelo fato de o país dispor de recursos naturais que lhe asseguram autossuficiência alimentar e energética. “Por isso”, observa Fiori, “talvez só o Brasil tenha hoje condições reais de escolher um caminho que lhe dê maior grau de autonomia estratégica e maior capacidade de projetar seus interesses e sua influência numa escala global”, conclui o texto.

A sugestão de pauta que fica é a de aprofundar as reflexões levantadas nos dois artigos a partir de uma pergunta, só para começar a conversa: será que o século 21 tem que necessariamente reproduzir os séculos 19 e 20 e hegemonizar um centro? Ou, perguntando de outro modo, para inspirar diretriz é preciso ser coroado imperador? São muitas as dúvidas, matéria-prima do jornalismo. Por isso, a sugestão da pauta.

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[Maria Luiza Franco Busse é jornalista e doutora em Semiologia pela UFRJ]