“Televisão amolece o cérebro.” (Meu pai, na década de 1970)
Em 1830, a prostituição foi legalizada na Holanda. Os argumentos a favor foram vários – desde o fim da violência contra as mulheres até as antigas tradições portuárias da cidade de Amsterdã, não faltou motivo para justificar o reconhecimento da “profissão mais antiga do mundo”. Duvido que naquela época alguém pudesse imaginar que em 2013 o país fosse apontado pela Organização das Nações Unidas como um dos principais destinos do tráfico de seres humanos. Da mesma forma, não é fácil entender como, da terra de Van Gogh, Erasmo, Rembrandt e da Seleção de Futebol de 1974 tenham surgido dois picaretas como John de Mol e Joop van den Ende. Em 1994, estas criaturas fundaram uma empresa chamada Endemol e é a ela que devemos essa “coisa” chamada Big Brother Brasil – o BBB.
A maioria daquilo que tem sido escrito sobre o BBB na internet varia muito pouco. São críticas ferozes como um bicho de pelúcia. Elas têm como fundo ou uma mistura de sociologia e psicanálise temperadas com o marxismo esquizofrênico da Escola de Frankfurt, ou simples “colunismo virtual” – descrições daquilo que acontece na “casa mais vigiada no Brasil”.
Nestas linhas quero me propor uma outra tarefa: vou chamá-la de “Introdução ao Estudo da Estupidez”. Quero esquecer os interesses da Rede Globo, a anencefalia dos participantes ou o desespero da empresa holandesa que, afundada em dívidas, não encontra mais ninguém na Europa para comprar o seu lixo. Não… Minha intenção aqui é outra – falar sobre o sucesso do programa no Brasil da “companheirada”.
Imagino que para demonstrar cultura deveria mencionar o livro de George Orwell ou definir quem era originalmente o Grande Irmão. Não se enganem com o texto porque aqui não tem nada disso. Meu recado vai ser curto e grosso – o sucesso dessa porcaria é tão grande porque o Brasil é aquela casa. Ninguém ali está fingindo ou sendo diferente do que “é lá fora”. Muito pelo contrário; a naturalidade das pessoas é tanta que nos momentos de desespero precisam negá-la com lágrimas de crocodilo afirmando: “Isso aqui é só um jogo.”
O sucesso é inevitável
Hipnotizado, um país inteiro vigia os “heróis do Bial” enquanto se esquece de si mesmo. Esquece o mensalão, os mortos nas estradas, as pessoas agonizando nas emergências imundas do SUS, os professores com salário de fome e a polícia infestada de bandidos. Até aí, tudo bem, ou melhor: tudo mal, mas não há novidade em escrever na internet que a televisão brasileira aliena as pessoas. Muita gente já fez isso antes de mim e há uma legião de pensadores universitários petistas pronta ganhar bolsa de doutorado falando mal da Rede Globo. Talvez esse discurso ainda funcione com a novela das oito e com o Carnaval, mas com o BBB a coisa é diferente. Eu sustento que ele não aliena ninguém.
Pela primeira vez me vejo obrigado a concordar com os filósofos de botequim que afirmam que o “povo é isso aí mesmo”. O que este programa parece ter conseguido, e aí, sim, inovou, foi criar uma espécie de moto contínuo, um ciclo interminável em que é possível se tornar mais estúpido à medida que todos juntos contemplamos ao vivo a miséria da nossa própria estupidez. É o consenso “sem medo de ser feliz” e forjado na ignorância que legitima a atuação daqueles pobres diabos comportando-se como ratos de laboratório, abrindo mão de sua dignidade, despindo-se de seu pudor, diluindo a sua individualidade num mundo sem referência de certo ou errado, num mundo que “é só um jogo” e que só se torna real nas intervenções de um comentarista bobalhão que poderia sem dúvida ser um dos ganhadores do prêmio.
Termino por aqui porque tenho medo de me tornar mais burro simplesmente pensando sobre este assunto. “Big” é o nosso país, 13 é o número do “Grande Ladrão” e “Brothers” somos todos nós. Meu recado final é o seguinte – nada mais justo que BBB todo mês de janeiro. O BBB foi inventado na Holanda – país que legalizou a prostituição e onde se escreveu o Elogio da Loucura. Seu sucesso no Brasil é inevitável; este é o país em que a lei se prostituiu e onde se está escrevendo o Elogio da Estupidez.
***
[Milton Simon Pires é médico, Porto Alegre, RS]