Os meios de comunicação são, hoje mais do que antes, uma ferramenta imprescindível na disputa por posições no campo da hegemonia ideológica e, obviamente, de manutenção da ordem vigente. No Brasil, país continental e diverso, a comunicação está nas mãos de um oligopólio formado por grupos empresariais de poucas famiglias – contadas nos dedos – que dominam e detêm o controle majoritário da produção, da distribuição e da veiculação do conteúdo midiático nacional.
A concentração da comunicação no Brasil é aterradora. Não fosse isso por si só péssimo, essa mídia empresarial ainda dita, à sua maneira mercadológica, padrões culturais e de comportamento atrelados à lógica do consumismo e umbilicalmente ligados ao interesse maior de manter o status quo.
Ao seu modo, a mídia empresarial, controlada por essas poucas famiglias de magnatas, mantém o estado das coisas do jeitinho que está: privilégios socioeconômicos para as suas castas e seus bajuladores e ignorância cultural e miséria para o restante do povo – no meio desse fosso de disparidade, repousa o “retrato comum” da classe média brasileira, alheia aos problemas sociais, mas preocupada em comprar o novo modelo de iPhone que acabou de ser lançado.
Reação enfurecida
Os meios de comunicação empresariais, aliados às mais modernas estratégias persuasivas da publicidade, estão na vanguarda da sustentação do modo de produção baseado no consumismo e na “descartabilidade” da mercadoria. O monopólio da comunicação nas mãos dos barões da mídia – e a tentativa obstinada de manter esse monopólio – representa, noutra perspectiva, a explícita confissão de sua vassalagem e consequente intersecção à estrutura maior do capitalismo.
Obviamente, a mídia empresarial empreende sua tarefa de manter o status quo de um modo bastante cortinado e muito eficaz: vende diariamente mentiras em seus noticiários contra movimentos sociais, organizações de trabalhadores e iniciativas populares ao tempo em que hipnotiza e entorpece o grosso da população com programação, principalmente televisiva, que atende aos anseios e modos de comportamento da “sociedade do espetáculo”, como teorizou Guy Debord, em A sociedade do espetáculo, onde o imagético e a aparência valem bem mais que a vida real; a vida essencialmente humana dá lugar à vida aparente, superficial.
À menor tentativa de democratizar os meios de comunicação no Brasil, ou seja, de desbaratar esse conglomerado inconstitucional e de ofertar a grupos e setores da sociedade civil que não se sentem representados pela mídia empresarial a capacidade de produzir sua própria informação, o oligopólio midiático brasileiro reage enfurecido e acusa os militantes da democratização de serem contra a liberdade de imprensa. Pura balela.
Consumo das aparências
Nas sociedades atuais, em qualquer lugar do mundo, a mídia, principalmente a televisiva, exerce papel central na manutenção e divulgação das ordens simbólica e institucional. Dito isto, é preciso urgentemente mudar a realidade midiática no Brasil. Não podemos chamar de liberdade de imprensa escolher entre o Gugu ou o Faustão, entre a novela do canal “X” e a do canal “Y”, entre o jornal do canal “Z” e o outro do canal “W”. Todos têm a mesma essência de atrelamento aos ditames do capital; nenhum deles propõe uma mudança paradigmática em relação às estruturas dominantes do poder na sociedade. Pior ainda: nem sequer trazem à tona esse debate.
O fato é que enquanto a sociedade brasileira for refém dessa mídia empresarial que dita as regras do jogo, não seremos livres, não viveremos numa democracia, mas num arremedo dela. O mais desesperador de tudo disso é que enquanto essa mesma mídia – acompanhada da ilusão publicitária, que transforma a mercadoria no início, no meio e no fim do produto do trabalho – grassar à solta, a sociedade caminhará cada vez mais para longe de sua essência genuinamente humana e rumo à fantasia do consumo das aparências, rumo à vida que é, em si própria, a negação da vida real.
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[Artur Pires é jornalista]