A Amazônia, enquanto velho tema de interesse geral, há tempos vem sendo alvo das mais variadas avaliações, especulações, mitos, preconceitos e – por que não dizer? – até de algumas raras verdades. Por consenso, no atual cenário de debates ambientais, não há marca mais forte que a floresta amazônica. Ainda assim, a região não tem o espaço que deveria na agenda brasileira, incluindo as ferramentas de massa, como a televisão e as religiões. Em última análise, tal fato estimula o cardápio indigesto e imaginário, tendo a internacionalização como prato principal.
Visto assim, talvez esses motivos fossem os catalisadores do interesse nascido à mesa das cúpulas da Rede Globo e da igreja católica em 2007. Retóricas à parte, o assunto passou a ter tratamento de horário nobre na programação das duas grandes instituições – pelo menos de forma mais midiática. Além da minissérie da TV Globo, a Campanha da Fraternidade (CF) da igreja católica também ligou os holofotes à máxima potência para a maior floresta tropical do mundo. O problema é que luz excessivamente alta pode cegar o ponto focado, mostrando o irrelevante ou escondendo o que interessa.
Manifesto dos globais
Para os católicos, desde 1964 – quando se iniciou o programa da CF, ainda timidamente no Nordeste –, é a primeira vez que o tema está relacionado a um grande bioma de interesse mundial. Até então, as discussões foram sempre ligadas às questões eclesiásticas ou, na melhor das hipóteses, sociais. Com o crescimento da importância de se aliar social e ambiental, a igreja mudou a mira. Os temas sócio-ambientais começaram timidamente ainda em 2004, quando a CF falou sobre a água. À época, a ala ambiental aplaudiu a iniciativa e, assim, a nova pontaria foi coroada.
Não se discute aqui supostos interesses em melhorar a imagem da instituição na Região Norte, onde há uma clara evasão de fiéis. Outros críticos (mais competentes e familiarizados) podem melhor fazê-lo. Na verdade, evangelizar os povos amazônicos – incluindo especialmente os índios – foi um dos pilares da igreja no início do século passado: as chamadas missões catequéticas. Nunca imaginaram, talvez, que deveriam olhar para a região como um todo para, quem sabe, chegar mais sensivelmente aos fiéis em potencial.
Já a Rede Globo vem incluindo há mais tempo a Amazônia em sua programação, seja de teledramaturgia, como a minissérie Mad Maria, ou em programas mais leves, como Globo Ecologia e Globo Repórter. Sem surpresas, a visão do paraíso selvagem exibido nas telas é sempre a mesma na maioria da mídia com sede no Sudeste: a Amazônia vista como local de mato, atrasado, cheio de feras e muita água; um exotismo sem igual. Em outras palavras, a visão eterna do santuário ecológico pedindo para ser ‘eternamente preservado’. Como bem escreveu uma pesquisadora da região ‘A Amazônia não é só paisagem’ (clique e leia o bom artigo em PDF). Infelizmente, é uma visão difícil de ser quebrada e é o que prevalece abaixo da linha de Brasília. Será que, enquanto líder de audiência a rede dos Marinhos não tem sua parcela de culpa na consolidação dessa imagem?
A atual minissérie da Globo estimulou algo interessante. Os atores globais finalmente descobrirem a existência da Amazônia e seus problemas (muito além, é claro, daquilo a que estão mais habituados – férias, hotel na selva, passeios com guias etc.). Lançaram uma página na internet divulgando sua indignação com o desmatamento em forma de abaixo-assinado. O manifesto chama-se sugestivamente ‘Amazônia para sempre’ (como se ela nunca tivesse existido). Entretanto, não exageremos no trato como os globais enxergam o Brasil além Rio-São Paulo. Afinal, não é somente a Amazônia vista assim, e nem tão pouco uma visão restrita aos globais.
Ponto positivo
Sob esta ótica, são válidas as ações das duas organizações? Sem dúvida. Na verdade a tendência é global. Pobreza e bem-estar dos povos estão intimamente ligados à maneira pela qual (des)tratamos o meio ambiente. Em análise mais crítica, estão ultrapassados os agentes ou as instituições que não tiram a venda ideológica para o assunto. A igreja e a TV mais importante do país não poderiam ficar no rabo da fila. Tendo a Amazônia como mote e, independente de qualquer objetivo paralelo, as iniciativas são uma clara evidência de como as questões sócio-ambientais bateram à porta de ambas. E esta foi aberta. Um grande acerto.
Óbvio que, em termos práticos, não teremos mudanças na realidade da Amazônia nem redução da taxa de queda de árvores. O mais importante é que parte do Brasil, (ainda majoritariamente católico) passará a conhecer um pouco do que é a região – vista, até então, com desdém e preconceito pelo Sul.
Claro, também, que a Campanha da Fraternidade não tem a missão solitária de resolver as encrencas aqui (Amazônia) geradas (nem tem força e obrigação para tal): a missão da igreja – segundo ela própria – é fraternidade, busca pela paz e justiça social. Mas se tomada como política interna permanente, a campanha tem importante papel na busca pela melhoria de vida de seus povos sem destruir a floresta, além de contribuir para o debate. Isto vai bem além da Pastoral da Terra e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), iniciativas da Igreja já em processo na região.
Já a iniciativa da Globo talvez não dure mais que o fim da minissérie; a não ser, é claro, que a intenção vá além dos interesses de praxe da mídia, resumidos à expansão de dividendos – obtidos pelas marcas boas de publicidade – e a um superficial serviço à sociedade.
No grosso, o ponto positivo da iniciativa reside no fato de que tanto católicos quanto globais pelo menos já sabem que quase 20% da floresta está morta: mesmo num mundo de interesses, grandes ações podem surgir após alguma barbárie.
******
Engenheiro agrônomo com mestrado em Florestas Tropicais, Manaus, AM