“Época difícil, essa nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo.” (Albert Einstein)
Vamos lá. O que poderá haver em comum entre Taro Aso, ministro de Finanças do Japão e também vice-primeiro-ministro do gabinete governamental do país, o coronel Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, da Polícia Militar de São Paulo, e o delegado Pedro Paulo Pontes Pinho, da Polícia Civil do Rio de Janeiro? O noticiário dos últimos dias dá conta de que todos eles, tão distanciados no que fazem um do outro, foram pilhados em flagrante delito na prática de execráveis preconceitos, desafortunadamente para o gênero humano, enraizados que nem grama tiririca na convivência social.
O japonês, figurinha manjada pelos seus patrícios em decorrência do destempero verbal num sem número de embaraçosas situações, aprontou contra sua própria e respeitável categoria: a gente idosa. Do alto de seus setenta e lá vai pedrada de vida, esmerando-se na função de defensor intrépido da “lógica de mercado” nas intervenções sociais, considerou razoável a hipótese de se apressar a passagem de pessoas mais velhas, atacadas de enfermidades sem cura, de modo a desonerar os cofres públicos e o sistema de saúde de gastos com cuidados médicos especiais. Noutras palavras, é preciso “chegar-se a uma solução final”, como se dizia nos tempos do nazismo, nessa história de idosos enfermos, que se apegam “enervantemente” ao sopro de vida que lhes resta. Afinal de contas, manter ativo esse esquema assistencial custa um dinheirão e, por conseguinte, traz consideráveis prejuízos ou deixa de trazer justos lucros monetários a quem, tão benevolentemente, banca no interesse público os chamados planos de saúde. Ufa!
Diante da onda de indignação erguida pela boçal manifestação, feita num lugar do mundo em que o envelhecimento é assunto sensível (um quarto da população de 128 milhões é composta de pessoas com idade acima de 60 anos), o ministro andou ensaiando o que se poderia chamar de recuo. Recolocou a cara de pau diante das câmeras, esboçando pedido esfarrapado de desculpa. Mas o recado desalmado já havia sido certeiramente transmitido ao vivo e a cores, deixando rastro inapagável de desassossego na alma das ruas.
Difícil de erradicar
Enquanto isso, aqui deste outro lado do Equador, brotavam outras aprontações preconceituosas, a primeira delas com iniludível conotação racista. O citado Ubiratan de Carvalho Góes Beneducci, coronel de polícia, noutro gesto de singular estupidez, expediu uma ordem de serviço aos comandados para ações de policiamento ostensivo numa região de classe média alta de Campinas. Da “ordem de serviço” baixada consta recomendação para que a abordagem em prol da tranquilidade pública, a ser feita com máximo rigor, contemple pessoas “em atitude suspeita, especialmente indivíduos de cor parda e negra”.
Ordem dada, ordem exemplarmente cumprida. As diligências militares passaram a ser direcionadas a grupos de jovens entre 18 e 25 anos na periferia, em que fosse anotada a presença “ameaçadora” de cidadãos de epiderme escura… A PM de São Paulo apressou-se em negar o teor racista do documento. Informou, sem convencer, ter havido desatenção na redação do texto, concluindo a “explicação” com dado que adiciona ao episódio toque surreal, tragicômico mesmo: “O próprio coronel Beneducci é pardo e quis apenas expor as características físicas dos suspeitos”. Órgãos de direitos humanos reagiram com veemência, solicitando entre outros esclarecimentos do governo dados estatísticos contendo o perfil étnico das pessoas abordadas em diligências, sobretudo naquelas que registram casos de “resistência seguida de morte”, tão frequentes na crônica policial naquele estado.
Já a participação do delegado da Polícia Civil carioca, Pedro Paulo Pontes Pinho, nessa sequência desastrada de manifestações desrespeitosas à dignidade humana, consistiu na postagem feita, em redes sociais, de críticas acerbas, de cunho machista, à participação de mulheres nas atividades policiais. Por causa das declarações, ele foi exonerado do cargo. Chamado à responsabilidade, valeu-se novamente da rede social para desculpar-se e dizer-se mal compreendido e injustiçado.
Esses posicionamentos, despojados de bom senso e de respeito humano, são amostras da permanência no relacionamento comunitário de uma espécie de erva daninha. Algo danado de difícil de ser erradicado. São posturas preconceituosas, nos casos citados envolvendo raça, sexo e idade, que costumam medrar insidiosamente no relacionamento social. São que nem grama tiririca. Aquela graminha incômoda que, no versejar roceiro, de um autor talentoso, cujo nome neste momento me escapa, “a gente pode arrancá, virá de raiz pro ar, mas quá!, um fiapo escondido no torrão faiz a peste vicejá…”
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[Cesar Vanucci é jornalista, Belo Horizonte, MG]