Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Em busca do paraíso perdido

Quem supõe que a construção da cidadania não depende da mídia está cometendo um enorme equívoco. O que vem a ser cidadania? E para que serve? Quando teremos a plena cidadania no Brasil? Não há cidadania, em nenhum grau, sem a livre circulação de informação. Por isso, as décadas de 60-70-80 do século passado foram marcadas na América do Sul, com as ditaduras militares, como o maior obstáculo à construção da cidadania.

O impacto perverso sobre o desenvolvimento da sociedade gerado por aquele período, em grande parte, começou a ser dissolvido na Argentina, Chile, Peru, Uruguai com a conclusão dos episódios trágicos marcados pela prisão, tortura e assassinatos de presos políticos com o julgamento público e a condenação de agentes da repressão, inclusive da alta cúpula militar, como o general Videla, da Argentina, que vive ao últimos anos de sua vida na cadeia.

Único país do continente onde esse canal pró-cidadania não foi desobstruído por conta de um conchavo político-ideológico das elites conservadoras, o Brasil trilha hoje um caminho político do fingimento, do tapinha nas costas, onde é mais importante parecer do que ser; defender as leis é mais importante do que cumpri-las; cobrar impostos é mais importante do que distribui-los igualitariamente; viver intensamente tem mais valor do que viver dignamente; ter é muito mais importante do que ser. No afã de construir o capitalismo a qualquer custo, deixou-se de lado a cidadania e o amor à pátria pelo endeusamento do consumo.

Instrumentos políticos

Os shoppings se converteram em catedrais de consumo que só têm paralelo na frequência às igrejas evangélicas. O combate ao que os ideólogos da direita radical chamaram de teorias exóticas acabou produzindo uma escola sem qualidade, a produção de ideias vazias, o consumo de drogas para preencher os vazios deixados pela angústia, a falta de fantasia, sonhos, a solidão e a ansiedade.

No comando da orientação ideológica da sociedade, a mídia tradicionalista coloca a aquisição de novos espaços imobiliários e a aquisição de veículos com preços acima de R$ 3 milhões como os patamares galgados pelos novos cidadãos.

Se vivo, Max Weber (1864-1920) adicionaria a mídia entre os principais aparelhos ideológicos do Estado, onde pontificam a escola, a igreja e os partidos políticos. A escola, que tem na Constituição de 1988 a prioridade como instrumento de educação e sua consagração como fonte do saber, passou a ser alvo de grandes investimentos privados para a captura de grandes lucros e desprestígio qualitativo do setor público.

A igreja ficou à vontade: as bancadas evangélicas são instrumentos políticos orientadores de arrecadações fantásticas – só ano passado, a Receita Federal contabiliza a arrecadação de R$ 21 bilhões para todas as denominações –, o que transforma o bispo Edir Macedo, dono da Assembleia de Deus, num dos homens mais ricos do planeta.

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[Reinaldo Cabral é jornalista e escritor]