Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O desafio do jornalismo no século 21

Quando se fala em novas tecnologias somos levados automaticamente a pensar em crise no jornalismo. Essa crise não representa um fim de tudo, um buraco negro no qual o jornalismo tenda a mergulhar. Deve-se acreditar nessa crise como representação de uma nova oportunidade ao jornalismo. Vale destacar que o ideograma japonês representativo de crise também representa oportunidade.

Claro que o jornalismo sofrerá mudanças – aliás, já está sofrendo – com o advento das novas tecnologias. Mas uma análise mais profunda nos permite identificar que essas transformações são contínuas, e não recentes como se imagina.

Para evitar que seja feita uma viagem sem volta ao passado, vou me limitar aos últimos 25 anos. Na década de 1980, as redações de jornais – impresso ou audiovisual – ainda estavam repletas de máquinas de escrever. Esses dinossauros do jornalismo se tornaram mito nas redações atuais, ninguém mais usa máquinas de escrever. Até os mais antigos e experientes jornalistas se renderam às novas tecnologias. Junto com o computador vieram os programas de edição de texto com interface gráfica, programas de editoração eletrônica… além de melhoria nas telecomunicações. Tudo isso facilitou o trabalho jornalístico.

Enquanto as novas tecnologias da década de 1980 invadiam às redações até meados dos anos 1990, assistíamos à morte de algumas atividades: paste-up, revisão e copydesk se tornaram termos utilizados apenas nas antigas histórias de jornalismo.

O fazer jornalístico mudou. Até os meios audiovisuais sentiram as transformações. Transmissões ao vivo que custavam muito caro e eram inviáveis se tornaram rotina e obrigação. Apuro visual e velocidade se incorporaram à prática do telejornalismo.

Em meados da década de 1990 uma grande inovação tecnológica surgiria: a internet. O surgimento, ou melhor, a popularização da rede (já que a internet existia desde o fim da década de 1960) mudaria radicalmente o fazer jornalístico, colocando em xeque a posição do jornalista.

De fato, se realizarmos uma análise sobre as transformações provocadas pela internet perceberemos que, de certa forma, ela ajudou muito o exercício jornalístico. Facilitou o acesso às informações, o contato com fontes e a pesquisa no lado da apuração; ao mesmo tempo também ampliou o alcance e a possibilidade de distribuição da informação jornalística.

Qual uma fênix?

Em poucas palavras, pode-se dizer que os jornalistas não dependem mais de um veículo para divulgar as notícias… na verdade, ninguém mais precisa de um veículo. Aqui está a grande questão. Todos podem se tornar produtores e distribuidores de informação na internet. A abundância de agências de notícias, sites ‘informativos’ e facilidades de acesso às fontes vêm afetando a alma do jornalismo. Todos agora são ‘jornalistas’.

O que fará a diferença entre o cidadão comum que mantém seu website pessoal e a informação produzida por um jornalista profissional? Qualidade e credibilidade. Assim como as novas tecnologias ampliaram a capacidade de pesquisa e produção informativa, elas também banalizaram a atividade de reportagem e pesquisa. Com a internet, a prática de entrar na rede e retirar informações para fazer uma ‘matéria’, sem sair da redação para apurar os fatos, é cada vez mais comum.

Como quase todos os veículos acessam as mesmas notícias distribuídas pela rede, temos como conseqüência o fenômeno da circularidade – toda a mídia trata dos mesmos assuntos, provocando uma espécie de ‘pasteurização’ da informação. A notícia passa a ser tratada a partir dos mesmos enfoques. Até mesmo os erros de cobertura são repetidos por jornais, redes de televisão e rádios.

Se todos têm acesso às informações que são iguais em todos os veículos, e mais, todos podem se tornar distribuidores de informação, qual o futuro dos jornalistas? Morte ou renascimento espetacular tal qual uma fênix?

Qualidade e técnica

A imensidão de inovações tecnológicas levou a prática do jornalismo a um beco cuja única saída é a criatividade. Mas, como jornalismo não é arte, a criatividade deverá estar voltada para outros aspectos. Alguns pontos do jornalismo clássico estão convalescendo devido às novas tecnologias e permitindo que a criatividade seja utilizada para a criação de um novo fazer jornalístico. Entre esses pontos, destaco:

1) O modelo de jornalismo de manual não deve sobreviver, e conseqüentemente, as técnicas jornalísticas atuais, como pirâmide invertida e 5W1H devem se exaurir [N.da R.: 5W1H é uma sigla utilizada em Programas de Gestão pela Qualidade Total, formada pelas iniciais das palavras da língua inglesa why (por quê?), what (o quê?), who (quem?), when (quando?), where (onde?) e how (como?), também usadas na técnica do lead];

2) O texto informativo cederá espaço à interpretação, e possivelmente o futuro levará o jornalismo para o comentário e a opinião, criando o que denomino jornalismo de grife;

3) O enfoque diferenciado para as informações com certeza será o caminho para o jornalismo no futuro;

4) A credibilidade será o motor propulsor das informações jornalísticas. Com excesso de fontes, sobreviverão apenas aqueles com alto grau de credibilidade entre o público;

5) Velocidade será fundamental, mas ela somente terá validade com credibilidade e correção, não adiantará dar a informação antes, se ela estiver errada;

6) Finalmente, o caráter humano, o lado emotivo das informações deverá ser valorizado. As novas tecnologias estão provocando um distanciamento do público, e o excesso está banalizando as informações. O resgate da humanidade nas notícias jornalísticas com certeza será o contraponto à invasão das novas tecnologias.

Demonstramos que as novas tecnologias estão mudando o fazer jornalístico de forma profunda, independentemente do meio, seja rádio, televisão ou veículos impressos, além de dar início a um novo jornalismo praticado na mídia digital.

Nesse cenário torna-se evidente que o domínio dessas tecnologias é fundamental para o exercício do jornalismo. Acreditou-se durante muito tempo que a prática jornalística estava calcada basicamente na capacidade de escrever com qualidade. A prática jornalística sempre esteve aliada ao domínio de tecnologias. Como afirma Clóvis Rossi, o bom jornalismo é baseado na qualidade de apuração das informações. Para se alcançar essa qualidade de apuração, o jornalista precisa dominar tecnologias de persuasão de suas fontes, técnicas de pesquisa, além de desenvolver o chamado instinto jornalístico.

Pensamento crítico

Mais do que isso, também deve dominar as ferramentas de sua área. O bom repórter televisivo sabe orientar quais imagens serão importantes, como editar uma matéria; o bom repórter de revista tem conhecimento de fotografia e diagramação para discutir aspectos visuais da sua matéria.

Em suma, o advento das tecnologias mais recentes só ampliou as necessidades de domínio técnico dos jornalistas. E o domínio dessas tecnologias é fundamental para os profissionais da área. O problema é que dominar a tecnologia é o aspecto mais fácil do desafio de ser jornalista no século 21.

O profissional de jornalismo terá que fazer o diferencial para sobreviver. Deverá ter uma grande bagagem cultural, deverá ter um estilo apurado e, principalmente, espírito crítico para não apenas transmitir informação, mas também interpretá-la e comentá-la.

O futuro do jornalismo na era das novas tecnologias se baseará no domínio das ferramentas tecnológicas em conjunto com a capacidade de elaboração de um pensamento crítico de consistência, que fará a diferença entre o jornalista e as pessoas comuns que estarão distribuindo informação.

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Professor de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná