Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Avança negociação para liberar espaço para 4G

Depois da confusão criada no mercado com as especulações sobre a destinação da faixa de 700 megahertz (MHz) para uso de serviços móveis de quarta geração, o governo finalmente começou a abrir o jogo e colocar as cartas na mesa, com a publicação, ontem, da portaria ministerial que determina à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) que adote os procedimentos para licitar a frequência para as empresas de celular.

Nos últimos meses, o governo lançou balões de ensaio e testou a resistência de operadoras de telecomunicações e radiodifusores, que são partes de um tripé, para ver até que ponto cada um poderia ceder sem que um pé ficasse menor que o outro. Disseminou ideias de financiamento da digitalização dos canais pelas teles, como contrapartida para que tivessem a banda liberada para 4G, e pressionou as empresas para que tenham essa rede pronta para a internet móvel da alta velocidade nos próximos grandes eventos esportivos, a começar pela Copa das Confederações, em junho.

Os radiodifusores, que ocupam a faixa de 700 MHz com canais analógicos da TV aberta, parecem ter ficado no papel do inquilino procurado pelo proprietário, no caso o governo, que quer rescindir o contrato e ter o imóvel desocupado. O ‘senhorio’ tem planos para uso mais eficiente do espaço, mas precisa oferecer vantagens para que o ‘inquilino’ concorde em sair sem criar muita confusão. A negociação já vem se arrastando há anos e o prazo para desocupação era 2016, quando toda a digitalização estaria concluída.

Com pouca oferta e muita demanda por espaço, o governo decidiu encurtar em cerca de um ano o prazo para desocupação da faixa e antecipar o apagão da TV analógica. Paralelamente, garantiu a realocação dos canais. Isso apaziguou os radiodifusores, embora eles tenham enviado ao governo estudos que demonstram que a liberação da faixa é problemática em muitos municípios e inviável em outros.

Prazo estipulado

Ao desligar o sistema analógico, só funcionará a TV digital. Na última ponta do tripé está o consumidor, que ganha mais opções de internet veloz e TV de alta definição. Mas o acesso às inovações dependerá de celulares 4G e televisores digitais, ou um conversor de sinal para ser adaptado à televisão analógica.

O governo estimativa a existência de 40 milhões de aparelhos com a tecnologia digital em funcionamento nas residências. A base total de televisores em uso, incluídos os analógicos, é de aproximadamente 106 milhões de unidades. O número é 59% menor que os 261 milhões de celulares ativados no país. Com população em torno de 194 milhões de habitantes, a diferença na densidade fica por conta dos hábitos relativos a esses produtos.

A ‘limpeza’ da faixa de 700 MHz, como é chamada a desocupação da banda, faz parte do esforço do Ministério das Comunicações para acelerar a melhoria da qualidade dos serviços de radiodifusão e de voz e internet no celular. Com mais banda disponível, a ideia é que as teles destinem a banda larga móvel à rede 4G e liberem a atual, de 3G, para voz. Sem sobrecarga de tráfego, as duas infraestruturas poderão, em tese, oferecer mais qualidade ao cliente.

Como todas as novas tecnologias, a 4G inicialmente será mais cara. Quem quiser navegar até 30 vezes mais rápido em seu dispositivo móvel terá de desembolsar mais por isso. Com o tempo, o valor do investimento é amortizado e o preço cai para o consumidor.

A busca por mais espaço já vinha incomodando antes outros ‘inquilinos’. É o caso das operadoras de TV paga que usam o Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanais, ou MMDS, também conhecida como sistema sem fio. No MMDS, os sinais são distribuídos por meio de micro-ondas terrestres, de forma semelhante aos canais da TV aberta.

Existem 80 autorizações de MMDS no Brasil não relacionadas a operadoras móveis, que ocupam um bloco de 120 MHz, avaliado em R$ 500 milhões. Claro, Telefônica/Vivo e Oi também têm licenças de MMDS, mas espera-se que o conflito de espectro e tecnologia seja resolvido internamente por cada uma dessas empresas.

Os serviços de MMDS estão na faixa de 2,5 gigahertz (GHz), a mesma que a Anatel destinou posteriormente para 4G. A agência foi bater na porta dessas empresas para pedir que se mudem, pois a banda pede passagem. Depois de muita polêmica, a agência decidiu promover a negociação direta entre o grupo de MMDS e as operadoras móveis, com participação da Neotec, associação que representa as empresas que usam a tecnologia de micro-ondas.

O prazo para a desocupação desse grupo é junho. As reuniões entre os dois setores continuam, mas nada ainda foi resolvido. Um ponto importante a ser definido é quanto as teles vão pagar para levar o ‘imóvel’ sem o inquilino.

Soluções alternativas

A negociação foi iniciada em dezembro entre algumas operadoras de MMDS e as teles que compraram licença de parte dos 120 MHz. Pequenas empresas, em sua maioria, com carteiras de 500 a 60 mil assinantes, detêm a posse dessa banda. O número de assinantes vem caindo ano a ano, passando de 355 mil em 2009 para 142 mil em dezembro de 2012, ou menos de 0,89% da base de 16 milhões de clientes de TV por assinatura de todas as tecnologias no país. Um dos receios do setor, segundo Carlos André Albuquerque, presidente da Neotec, é que os sistemas sejam desligados e as empresas virem alvo de processos dos clientes que ficarem sem o serviço.

Com a realocação da faixa, as operadoras de MMDS terão seu bloco total reduzido de 190 MHz para 50 MHz. Como precisam deixar uma reserva de banda para que não haja interferência com o serviço celular, o bloco cai para 40 MHz. Albuquerque calcula que isso seja suficiente para colocar apenas 60 canais de vídeo, sem pacotes que combinem banda larga e telefonia, o que inviabilizaria a tecnologia MMDS, disse ele. Mas o governo não quer deixar ninguém desalojado e existem soluções alternativas.

Como o governo decidiu liberar antes do previsto a faixa de 700 MHz, Albuquerque disse não entender por que, então, desapropriou o MMDS, pois, em sua opinião, já não existe escassez de espectro.

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[Ivone Santana, do Valor Econômico]