Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O local exato da tragédia

Jornais, TV, revistas, rádio e Internet focaram o noticiário do apagão aéreo nos aeroportos: gente sofrendo, gente com bebês de colo sem saber onde alojá-los, gente que agrediu e foi agredida, gente que morreu enquanto esperava.

Mas o tema que traz maior potencial de sofrimento a todos nós, passageiros ou não de aviões, foi tocado bem de leve: a desmoralização da Aeronáutica, a quebra de hierarquia nas Forças Armadas, a entrega explícita da normalidade do país a um grupo de militares – os sargentos do controle de tráfego aéreo. Não se trata de discutir se o controle aéreo deve ser civil, militar, misto ou sabe-se lá o quê: o que se discute é que o controle hoje é militar, da FAB, e os sargentos não apenas rejeitaram ordens, com apoio de ministros, como agora dão ordens.

É um filme velho, e quem conhece a história do Brasil sabe o final: nós morremos. Já há saudosistas da ditadura rondando as Forças Armadas (que, até há pouco, tiveram comportamento exemplar – mas a FAB reagiu à quebra de hierarquia com outro ato de indisciplina, desobedecendo às ordens do presidente Lula e abandonando o controle do tráfego aéreo antes que as providências para desmilitarizá-lo fossem tomadas). O filme é tão repetido que até um dos astros de 1964 se mantém à tona: Waldir Pires, que era ministro de Jango e é ministro de Lula. E, naquela época, também houve apoio oficial a um motim de sargentos.

Mas como exigir disciplina das Forças Armadas se sua disciplina interna foi quebrada por ordem superior? A disciplina militar é a maior salvaguarda civil contra o poder absoluto de quem detém as armas. Quando o presidente Ernesto Geisel decidiu enfrentar os torturadores e assassinos que, a pretexto de combater o comunismo e a subversão, aterrorizavam a sociedade, o restabelecimento da disciplina militar foi sua grande arma. Arma que agora estamos jogando fora.

Acompanhe pela internet a reorganização das viúvas da ditadura. Acompanhe pela imprensa a irritação militar. E não tenha dúvidas: se houver quebra de legalidade, vamos lembrar o caos dos aeroportos como ‘os velhos bons tempos’.



Recordando

Passou em branco no noticiário, na nomeação do ministro Carlos Lupi, uma história que não poderia ser esquecida: a negociação que fez com Roberto Saturnino Braga para elegê-lo senador, com o compromisso de renunciar na metade do mandato para que Lupi também pudesse ir ao Senado. Saturnino fez que esqueceu o acordo, e Lupi cobrou-o publicamente (aliás, sem êxito). O que chamou a atenção, na época, foi o duplo escárnio: o do acordo envergonhado, secreto, e o da desavergonhada cobrança pública do butim que lhe havia sido prometido.



O rabino

O noticiário da imprensa a respeito do furto das gravatas de que é acusado o rabino Henry Sobel foi, em geral, correto: noticiou-se o fato, levantaram-se as hipóteses, lembrou-se a biografia do rabino, em especial seu trabalho de aproximação com outras religiões e sua resistência à ditadura militar. Mas, em alguns lugares, houve escorregadas altamente reveladoras do que se passa na mente de redatores e desenhistas: insinuações de que, para um judeu, o problema não é ser preso, mas pagar a fiança; e lembranças, corretas mas fora de hora, de que Sobel é cidadão americano e não brasileiro.

Sobel descende de poloneses, é filho de belgas, nasceu em Portugal, foi criado nos Estados Unidos e vive no Brasil há quase 40 anos. E, em boa parte deste período, desempenhou no Brasil o papel que gostaríamos que mais brasileiros exercessem. Sobel não nasceu no Brasil; o padre Anchieta, madre Paulina e a irmã Dorothy Slang também não. No entanto, quem será mais brasileiro do que eles?



A origem do homem

O físico Albert Einstein, nascido na Alemanha, trabalhando na Suíça, costumava dizer que, se suas teses dessem certo, os alemães diria que ele era alemão, os suíços que ele pesquisava na Suíça, os franceses que era cidadão do mundo. Se as teses estivessem erradas, suíços e franceses diriam que era alemão, e os alemães diriam que era judeu.



Os ricos também sofrem

A imprensa sempre se queixa quando é acusada de dar ênfase aos problemas das classes média e alta e esquecer o sofrimento dos pobres. Vejamos: o governo, que paga juros bastante altos aos bancos, chegou à conclusão de que os pobres bancos estavam pagando muito pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e pela caderneta de poupança. Pensou e agiu: por medida provisória, baixou os juros devidos aos pobres. E a imprensa deixou passar batido, numa boa.



Chapa-branca

O advogado Roberto Bertholdo, do Paraná, está contratando jornalistas para lançar um novo veículo de comunicação. Este novo veículo tem ligações fortes com o governo paranaense (a Tribuna chegou a fotografar um carro oficial chegando à casa de Bertholdo). O advogado está condenado pelo crime de escuta telefônica ilegal (gravou o telefone do juiz Sérgio Moro, da 2ª Vara Federal de Curitiba) e cumpre pena de prisão domiciliar.



Céu de brigadeiro

Tudo muito bom, tudo muito bem, a Gol é um sucesso; e a operação de compra da Varig pode colocá-la em primeiro lugar no mercado brasileiro de aviação. Falta à imprensa, entretanto, esclarecer alguns fatos:

1. Por que a Gol não quis a Varig há seis meses, por 20 e poucos milhões de dólares, para comprá-la em seguida por 320 milhões de dólares?

2. De acordo com o presidente do grupo, Nenê Constantino, ele atendeu a um pedido do presidente Lula para que comprasse a Varig. Esse pedido existiu? E por que foi feito? Terá a TAM, concorrente da Gol, recebido pedido idêntico?

3. Fica bem publicar matérias e mais matérias sobre o comportamento austero do principal executivo da Gol, que anda de táxi no Rio (exatamente, aliás, como este colunista, e a maior parte dos engravatados que viajam para lá), sobre as maravilhas de colocar mais quatro fileiras de poltronas onde anteriormente só cabiam 25, sobre as virtudes da barrinha de cereal que servem aos passageiros, na mesma edição em que saem quatro páginas de anúncios da Varig e da Gol?



De graça é caro

O conselho é correto: pesquise preços antes de comprar bacalhau para a Sexta-Feira Santa. O duro é dizer que, se houver boa pesquisa, pode-se economizar até 250%. Infelizmente, não dá: se o comprador economizar 100%, já estará levando o bacalhau de graça. Para economizar 250%, só se o cliente ganhar outro bacalhau igualzinho, mais o azeite, os ovos, as batatas e excelentes azeitonas.



E eu com isso?

O apagão aéreo comendo os aeroportos, inquietação militar, novas iniciativas de negociação no Oriente Médio, o presidente Lula convocando, enfim, no quarto mês de exercício, sua primeira reunião ministerial do segundo mandato, o Corinthians jogando mal, e que é que descobrimos nos veículos de comunicação?

**Paris Hilton desconhece história de longa que está filmando’

Essa moça é a prova de que uma boa assessoria de imprensa funciona: é feia, até hoje não disse nada que valesse a pena, e no entanto cada espirro que dá é notícia. Tudo bem que ela é Hilton, tudo bem que ela ficou famosa com um vídeo muito revelador, mas, cá entre nós, quem é que divulgou aquele vídeo?

** ‘Scarlett Johansson revela que é adepta das cirurgias plásticas’

** ‘Glória Maria dá selinho em estilista durante inauguração’

O estilista, a propósito, é Carlos Tufvesson. E o selinho, que até a garotada já adotou, qual a grande novidade?



Os grandes títulos

Nesta semana, uma coleção de grandes títulos. O primeiro só pode ser distração:

** ‘Mega-Sena – Viúva matou milionário, diz polícia; prisão preventiva é pedida’

É esquisito, porque na mesma matéria, no texto, a história muda um pouco: ‘Polícia termina inquérito e conclui que viúva mandou matar milionário’

E, por falar em mudanças…

** ‘Repórter inglês diz que brasileira está mudando história’

Serão as experiências genéticas de Mayana Zatz? Terá Niede Guidon encontrado novos fósseis em São Raimundo Nonato, comprovando definitivamente que o ser humano chegou à América muito antes do que se imaginava? Não: é apenas aquela mocinha que vendeu a foto em que é apalpada por Sua Alteza Real. Segundo o repórter, ela está mudando a história a cada vez que a conta.

O grande título da semana, entretanto, está na área científica:

** ‘Plumas fazem do cormorão um notável grande aquático’

Deve ser coisa importante. E certamente a frase deve ter sentido.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados