A formação do homem grego define-se como sendo um universo no sentido histórico e espiritual, no que concerne a cultura, tendo como finalidade a justiça, a felicidade, a virtude e a liberdade. Tudo isto, feito de uma forma coletiva. A palavra paidéia é de grande amplitude e não tem uma tradução exata para o português, mas pode ser definida como cultura ou formação do homem em sua integridade. Para se fazer uma designação completa do termo grego, poderíamos denominá-lo de uma só vez como: civilização, cultura, tradição, literatura ou educação.
Para os antigos, assim como agora, a expressão educação não pode se desvencilhar da realidade material e histórica de uma nação. Os precursores da educação foram os gregos, que tiveram uma importância singular na educação do homem ocidental. A teleologia (o termo teleologia vem do grego telos, que significa objetivo, finalidade, projeto de vida coletiva, quando uma ação humana deriva unicamente de suas conseqüências, onde se quer chegar) grega era a educação dos seus cidadãos.
A busca da felicidade
Todo povo que atinge um grau elevado de desenvolvimento, sente-se naturalmente inclinado à educação. Uma educação consciente pode até mudar a natureza física do homem e suas qualidades, elevando sua capacidade a um nível superior. O educar conduz o espírito humano progressivamente à descoberta de si próprio – como diz Milton Nascimento: ‘Eu, caçador de mim’ – e cria pelo conhecimento do mundo exterior e interior, formas melhores de existência humana. A natureza humana, na sua dupla dimensão corpórea e espiritual, cria condições especiais para a manutenção e transmissão de suas formas peculiares de vida física e espiritual, ao que nós damos o nome de educação.
Na educação, como o homem a pratica, atua a mesma forma vital, criadora e plástica que, espontaneamente, impele todas as espécies vivas à conservação e propagação do seu tipo. A história da formação humana é colocada dentro de um nicho do pensar racional e espiritual. Segundo Foucault, o homem é uma invenção nova, mas que já está por se esvair. Para o filósofo francês, o homem só é enquanto um ser do cogito, do pensar. Partindo deste pressuposto, o homem da era do Big Brother é um ser não pensante e, conseqüentemente, um homem fadado, a meu ver, ao niilismo total. Tendo como fio condutor a educação, o homem, segundo o objetivo grego, sobretudo no projeto aristotélico, tende à busca da felicidade. Mas no decorrer da história, se vislumbrou a felicidade por vieses diferenciados.
Compensação da infelicidade
Aristóteles sustentou que o mais alto nível de felicidade humana está no exercício da razão, faculdade inerente somente a esta espécie. Mas, na visão do estagirita, ainda que a razão esteja vinculada a um elemento teórico, é imprescindível que tenhamos alguns elementos práticos, como a segurança econômica e, ainda segundo aquele, precisamos de liberdade pessoal. Nesta concepção, poucas pessoas da época de Aristóteles teriam o direito à felicidade e à liberdade. Dentre as que estariam fora da possibilidade de ser feliz estariam as mulheres e os escravos. Hoje, no mundo atual, afetado por uma lógica do capitalismo selvagem, temos mais de 2 bilhões de pessoas no mundo que estariam totalmente excluídas da possibilidade de gozar da felicidade. Estes são os humanos que vivem em situação de completa insegurança alimentar, sem o que a Declaração Universal dos Direitos Humanos garante: o direito à segurança social.
Partindo da impossibilidade de alcançar a verdadeira felicidade aqui na terra, a ética cristã transfere sua obtenção para um mundo ultra-terreno. A felicidade só pode ser obtida no céu, como compensação da infelicidade terrena. Deste modo, uma felicidade ideal e ilusória vem substituir a felicidade terrena e real.
Culto ao individualismo
O pensamento ético moderno, particularmente o dos filósofos iluministas e materialistas franceses do século XVIII, sustenta o direito dos homens serem felizes neste mundo, mas concebe a felicidade num plano abstrato, ideal, fora das condições concretas da vida social. Tais pensadores esqueciam o fundamento aristotélico de que o homem necessita de condições concretas para sua felicidade. Apesar, é claro, dos limites do conceito de felicidade imposto por Aristóteles [Vazquez, Adolfo Sanches. Ética. Tradução: João Dell’Anna, 25ª edição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira: 2004]. Até Maquiavel, que se debruçou sobre uma análise do Estado em seu sentido concreto e real.
A ética do período contemporâneo, que se convencionou chamar de pós-moderna, é uma prática do culto ao individualismo (ou tudo para mim, ou o ‘inferno’ para todos). Uma felicidade nestes moldes é uma felicidade imoral. Certos indivíduos de um grupo social que somente podem encontrar a felicidade à custa da infelicidade dos outros. Todas as potencialidades humanas só teriam valor se estivessem voltadas para a felicidade de um povo ou de toda a humanidade.
Universidade ou o Big Brother?
O homem é, segundo a concepção filosófico-antropológica grega, um ser da polis, alguém da cidade, voltado a discutir as questões que lhe são inerentes, ou seja, um ser não alheio à sua condição fundante. Em suma: o ser homem se encontra essencialmente vinculado às característica do ser político. Esta era a característica do homem grego, um ser voltado para a arete politiken (virtude política). Partindo de uma ética de cunho citatinizante como a grega, a lógica é: ou tudo para a cidade, ou o apocalipse para o individuo.
A virtude (arete) ganhou uma definição dentro de cada nicho histórico-social. E, concomitantemente à virtude (arete), se desenvolvia outro conceito grego, a Dikaiosyne (justiça). Para Aristóteles, a justiça, seria a virtude maior. Na educação espartana, uma educação profícua e muito disciplinadora voltada para a arte da guerra, a virtude estaria mais propensa ao homem guerreiro, disciplinado e diferente, como se percebe, do homem grego ateniense, para o qual a virtude é político-pedagógica. Como se percebe, o universo da cidade grega, e/ou da universidade estava voltado para a educação da cidade, da polis, ou seja, tinha uma eficácia sobre a cidade. A pergunta que devemos lançar hoje é: na nossa cidade, quem tem mais impacto e/ou eficácia, a universidade ou o Big Brother, a meu ver, uma escola de conspiração e vulgaridade?
‘Beco sem saída’
O homem moderno, kafkianamente falando, tem se mostrado marcado pelo desespero e a alienação, metamorfoseado em monstros, vivendo o seu estado de natureza, os seus instintos; talvez para ganhar um milhão de reais, ou sei lá o quê. Não que o homem grego, ou o homem educado, não tivesse o seu estado de natureza, seus instintos, pois também os tinham. O preocupante é que talvez a universidade esteja minimizando as chances da barbárie instauradas pelo ‘jogo’ do Big Brother. Não seria nada anacrônico comparar tal jogo ao ‘Mito da caverna’, de Platão. Ali, o filósofo compara, no livro VII da sua obra A Republica, o homem com a educação (paidéia) e o mesmo em relação à falta desta (apaideusia). Homens vivendo numa caverna subterrânea. Isto se refere às pessoas sem o conhecimento da dialética, instrumento supremo do saber, do conhecimento do Bem e do Belo. A tais homens, vivendo ali desde a meninice, só lhes é permitido olhar para a frente. Estão de costas para a saída. São pessoas vivendo numa condição de apatia diante do mundo real, iludidas com o que está à sua frente e virando as costas para aquilo que, segundo a teoria do conhecimento platônica, é o mais salutar de todas as coisas: o mundo das idéias, ou seja, a essência das coisas. O homem que ignora ou despreza o saber vive de aparências, jogando fora a essência da vida, a sabedoria.
E a alegoria segue, mas o que se quer demonstrar aqui é a falta da correlação dos nossos citadinos com a universidade e o atrelamento destes à caverna da estupidez, lado mais mesquinho do homem, uma quase ausência de escrúpulo para se levar vantagem. Antropologicamente, um ‘beco sem saída.’ Se fizermos uma pesquisa na nossa cidade, perguntando: a), você conhece o programa Big Brother? e b), você conhece o programa político pedagógico da Universidade Federal de sua cidade?, dependendo do número do ‘sim’ para cada questão, seria um termômetro para sabermos se estamos na caverna ou na paidéa.
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Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Goiás; com pós-graduação em Filosofia Política pela mesma IES; atualmente é professor na Secretaria de Educação do Estado de Goiás e professor substituto de Fundamentos Filosófico Sócio e Histórico da Educação na Universidade Federal de Goiás UFG/Jataí