Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Álcool e mídia, tudo a ver

O balanço de acidentes em estradas no período carnavalesco revela duas faces: bom resultado da lei seca e certa hipocrisia da imprensa quanto ao abuso do álcool. Todos os principais jornais do país destacam, nas edições de quinta-feira (14/2), o fato de que a imposição de normas rigorosas para coibir a combinação entre bebida e condução de veículos está produzindo finalmente uma mudança de hábitos e se reflete numa redução considerável no número de acidentes. O fato merece manchetes, mas a questão do alcoolismo exige mais.

Os dados referentes às rodovias paulistas foram anunciados pessoalmente pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e os números parciais do resto do país foram divulgados pela Polícia Rodoviária Federal. Segundo os jornais, esse indicadores refletem a tomada de consciência por grande parte dos motoristas com relação ao rigor das novas regras.

Os indicadores de mortes no trânsito são geralmente mais impactantes, e é nesses números que a imprensa coloca mais destaque. No entanto, embora neste carnaval o número de mortes no estado de São Paulo tenha caído 12,9% em relação ao mesmo período de 2012, esse total ainda é maior do que as mortes ocorridas no carnaval de 2011. Nos dias de carnaval deste ano, houve 27 vítimas fatais nas estradas; em 2012 foram 31, mas em 2011 houve apenas 24 mortes.

Os dados mais interessantes, para analisar a efetividade da lei seca, são os que se referem ao total de feridos nas estradas, numa relação mais direta com o comportamento dos motoristas. De fato, no ano passado foram registrados 1.077 feridos em acidentes, e neste ano esse total caiu para 445, como resultado da redução de 41,5% no número de acidentes, de 1.477 em 2.012 para 864 em 2.013.

Esses números revelam que as penas mais duras para quem dirige sob a influência do álcool estão surtindo efeito tanto nos motoristas quanto nos agentes encarregados da fiscalização: com o risco de terem que arcar com a corresponsabilidade em caso de omissão, os guardas passam a aplicar rigorosamente a lei, o que reduz a prática do “jeitinho”, quase uma tradição nas rodovias brasileiras.

Propaganda e hipocrisia

Na região da capital paulista, o número de carteiras de habilitação apreendidas subiu de 244, no carnaval de 2012, para 561 neste ano, como resultado de um maior empenho da polícia: no carnaval do ano passado, 8.445 pessoas foram submetidas ao teste do bafômetro; neste ano, o maior número de bloqueios permitiu inspecionar 11.396 motoristas.

Os resultados também são relevantes em outras regiões; segundo dados preliminares da Polícia Rodoviária Federal, o número de mortes em rodovias federais, nos três primeiros dias de carnaval, caiu 25,4% em relação ao mesmo período do ano passado. No entanto, os indicadores não são simétricos em todo o país: enquanto, por exemplo, a legislação mais rigorosa e o maior esforço da fiscalização produziam bons resultados no Rio de Janeiro, com o aumento no total de abordagens resultando em prisões e em apreensão de carteiras de motoristas, nas estradas que cruzam o Rio Grande do Sul o carnaval de 2013 foi o mais violento dos últimos dez anos.

Embora os jornais não façam referência a esse fato, deve-se levar em conta que, no Sul, as estradas costumam ser tomadas por grande número de turistas argentinos, que não estariam necessariamente informados sobre as novas regras.

Embora o rigor da lei seja contestado por especialistas, que criticam a adoção de um padrão muito limitado para o que deve ser considerado como uso abusivo de álcool, os resultados são incontestáveis. Além disso, deve pesar nas considerações o benefício maior das vidas poupadas, principalmente levando-se em conta que a maioria das vítimas em acidentes de trânsito envolvendo bebidas é composta por jovens, com pouca experiência na direção.

Mas há outros aspectos a serem considerados, como a relação entre publicidade e alcoolismo, e aqui a imprensa entra no foco. A sociedade brasileira é culturalmente permissiva com relação ao álcool e a restrição à divulgação de propaganda de bebidas é muito recente: em dezembro do ano passado, a Justiça Federal de Santa Catarina definiu o enquadramento da publicidade de cerveja e vinho na proibição de veiculação entre 6h e 21h, para proteger as crianças. Mas, curiosamente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária conseguiu derrubar a restrição em apenas uma semana, alegando que seria impossível fiscalizar o cumprimento da lei no prazo previsto.

Quem quiser acompanhar esse debate só vai encontrar informações em sites especializados em questões jurídicas e de entidades de defesa da infância. A chamada grande imprensa não tem o menor interesse no assunto.