A queda de um inobservado meteorito na Sibéria poderia ter valido como advertência aos que supõem ser cogitável um fim do mundo com data marcada. Não valeu. Não há força humana ou sobre-humana capaz de impor o que chamamos racionalidade às indóceis mentes da espécie. Somos guiados por um sistema complexo de valores e símbolos. Para complicar as coisas, tudo modernamente se tornou líquido.
Continuará havendo profetas. E continuará havendo seguidores de profetas, embora há muito se saiba que a vida, se só pode ser vivida para frente, só pode ser pensada para trás.
Os profetas têm lugar de honra no imaginário e o merecem. Num encontro de cientistas e pesquisadores realizado em São Paulo em agosto de 2012, preparatório do Fórum Mundial de Ciência programado para novembro próximo no Rio de Janeiro, o professor Nathan Berkovits, da Unesp, disse que a Física conhece apenas algo em torno de 10% do universo. É portanto a partir das limitações da ciência que a humanidade procura preencher como pode o vastíssimo inexplicável em que se dá a passagem das pessoas pelo mundo.
Rede sem bússola política
No domingo (17/2), saiu nos jornais uma declaração da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva sobre a posição relacional da Rede Sustentabilidade (nome ruim, inclusive para fazer título de jornal), cujo processo de criação acaba de inaugurar. Não será de esquerda nem de direita, anunciou Marina. Estará “à frente” dos partidos tradicionais. Ou seja, do ponto de vista do espectro político concretamente existente, não será nada. Como o PSD de Gilberto Kassab.
A expressão “à frente” só pode ser entendida como expectativa quanto à vindoura contagem de votos. É isso que imagina sua corifeia? A qualquer um é concedido bater no peito e se pretender portador do novo, mas só se poderá sabê-lo quando a Rede tiver se tornado pelo menos madura, quiçá velha.
A mídia jornalística reproduz as declarações sem um mínimo de questionamento. Mas não deixa de registrar que a Rede de Marina começa com olhar fixo nas urnas de 2014, embora disponha de um cabedal de propostas programáticas, como o PT e o PV, partidos dos quais brotou.
Cobranças antagônicas
À luz da lógica marinista, o mundo político americano teria envelhecido muito: continua dividido entre esquerda e direita. E como. No mesmo domingo, duas avaliações do discurso sobre o estado da União proferido por Barak Obama no Congresso dos Estados apareceram no Estado de S. Paulo.
No “Caderno2”, Lee Siegel retratou um Obama subjugado pela “fanática oposição republicana”, que, apesar de derrotada na eleição presidencial de 2012, seria ainda capaz de colocar na defensiva o presidente reeleito. Siegel escreveu que Obama
“pediu permissão (…) para, por favor, investir mais em educação. Para crianças de baixa e média renda terem acesso à pré-escola. Para elevar o salário mínimo de US$ 7,25 para US$ 9,00 [valor da hora de trabalho]. Para reformar a imigração. Para aprovar novas leis de controle de armas. Caramba! Que agenda mais ousada”, ironizou.
No “Aliás”, Paulo Sotero afirma exatamente o contrário. Diz que a vitória de Obama “deixou seus adversários republicanos divididos e na defensiva”. Sotero ouviu de Ted Widmer, antigo redator de discursos de Bill Clinton, que conservadores como Newt Greengrich
“acertaram ao classificar o discurso de Obama na semana passada como o mais liberal (ou à esquerda, no sentido político) feito por um presidente desde Lyndon Johnson, que há meio século declarou guerra à pobreza e introduziu importantes programas sociais, como os seguros de saúde Medicare e Medicaid, para pobres e idosos”.
Asteroide e meteorito
Sotero endossa a visão de que Obama ingressou numa trilha radical. E coincide com Siegel num ponto: a resposta dos republicanos será mais radical ainda. Pela primeira vez na história, escreveu Sotero, “a nomeação do ministro da Defesa [Chuck Hagel, ex-senador republicano, veterano condecorado do Vietnã] foi objeto de uma manobra de obstrução parlamentar”.
Caos à vista? Na mesma página, Sérgio Augusto repete uma advertência que Winston Churchill faz em seu livro sobre a Segunda Guerra Mundial, ao lembrar a história de um homem velho que disse no leito de morte: "Tive muitos problemas na vida, a maior parte dos quais nunca aconteceu".
Sérgio Augusto cita George Dyson, historiador da ciência: “As pessoas tendem a se preocupar com coisas que não valem a pena, desprezando outras com as quais deveriam se preocupar.” Bingo! Enquanto se noticiava a passagem de um asteroide parrudo a incômodos 27 mil quilômetros da Terra, o meteorito siberiano preparava-se, em meio à majestosa indiferença do cosmo, para encerrar sua pétrea existência com uma entrada flamejante na atmosfera.