Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O repórter é você

Escócia, reunião do G8 em julho de 2005. Protestos ocorrem perto do local do encontro e um policial é ferido. Um jovem que passava por perto filma o motim. O blogueiro e freelancer da Califórnia, Josh Wolf, publica parte do vídeo que é apontado pela investigação como forte prova contra os rebeldes. Mas quem vai para cadeia é o blogueiro e não os rebeldes, como era de se esperar.

O problema enfrentado por Wolf é que ele não é formado em jornalismo, portanto é um cidadão comum, um jornalista cidadão que não queria entregar sua filmagem para a polícia. E isso foi o suficiente para que a corte do Estado da Califórnia o prendesse. O fato repercutiu em vários jornais nos Estados Unidos e no mundo.

Na reportagem da NBC cujo título é ‘Jornalista mártir ou apenas uma pessoa com uma câmera?’, o advogado de Wolf afirmou que a primeira emenda define qualquer cidadão como um jornalista. Seu cliente ainda está preso e aguarda julgamento. Mas a discussão na imprensa mundial sobre o caso continua. A questão levantada é sobre quem é um jornalista.

Há uma polarização entre os comunicadores acerca dessa questão. Ao analisar o caso, o ombudsman da Folha de S. Paulo, Marcelo Beraba, concorda com o advogado de Wolf. Ele afirma que a produção de uma informação ou notícia é a característica de um jornalista, e isso todos podem fazer, formados ou não. Os editores do jornal mais famoso do mundo, o New York Times, já se posicionaram sobre a questão. Para eles, a notícia deve ser produzida apenas por profissionais formados. Mas será o jornalismo cidadão a melhor forma da sociedade participar no jornalismo?

Como tudo começou

A participação do público na produção da notícia foi proposta primeiramente pelo professor de jornalismo da Universidade de Nova Iorque, Jay Rose, no início da década de 90. Com o tempo, esse novo formato de jornalismo começou a ganhar espaço. Em 1999, ativistas de Seattle formaram o Centro de Mídia Independente para protestar contra o fórum da Organização Mundial de Comércio.

Em 2000, surge o OhmyNews.com, site sul-coreano fundado por Oh Yeon-ho. Esse é hoje o mais famoso e confiável site de jornalismo cidadão no mundo. Ele conta com mais de 40 profissionais que produzem 20% do seu conteúdo. As outras notícias e opiniões são enviadas por cidadãos do mundo inteiro. Em março de 2007, por exemplo, a cidade que mais enviou notícias foi Bagdá, no Iraque. Na segunda posição ficou Nova Iorque e, em seguida, Washington DC. A maioria das reportagens enviadas pelos cidadãos tem caráter opinativo e são extensas, se comparadas a textos de jornais tradicionais online.

Para ser um repórter do OhmyNews é preciso apenas que a pessoa apresente um comprovante de residência. Menores de 14 anos participam somente com autorização por escrito dos pais enviada por fax. Notícias de caráter injurioso ou sexualmente apelativo cancelam o registro ‘jornalístico’. A jornalista brasileira Ana Maria Brambilla, que já publicou 56 reportagens no site, diz que ele possui uma equipe de edição jornalística profissional e por isso é reconhecido. Em 22 de fevereiro de 2006, o OhmyNews e o banco japonês Softbank assinaram um contrato de US$ 11 milhões e abriram uma filial no Japão, o que indica o crescimento desse formato jornalístico.

Outro exemplo de jornalismo cidadão é o da enciclopédia virtual da Microsoft, o Wikinews. Em 2006, a maioria dos cinco mil artigos publicados não foi escrita por jornalistas. No Brasil, entretanto, essa tendência ainda é incipiente. O site de participação cidadã mais estruturado é o brasilwiki.com.br , onde os cidadãos postam suas opiniões, e os textos são revisados por jornalistas. Há ainda o ‘Minha Notícia’, no portal iG, o ‘Foto Repórter’, do Estadão, e iniciativas do portal Terra, todos na internet.

Apesar de ser recente, o jornalismo cidadão já causou muita controvérsia e ganhou até prêmio. O site estadunidense themeparkinside.com, em 2001, ganhou um prêmio de jornalismo da Universidade de Columbia. A reportagem, feita por um visitante de parques temáticos, era sobre acidentes de carro em estacionamento e dicas de como evitá-los.

O jornalismo cidadão parece viver bons momentos. Recebe a atenção de jornalistas, críticos e já ganhou até prêmio. Mas se algumas das informações escritas pelos cidadãos estiverem equivocadas, de quem é a culpa? Do cidadão que escreveu ou do veículo que as publicou?

Quem é o (ir)responsável?

Encontrar um culpado no caso de irresponsabilidade no jornalismo cidadão parece ser um impasse. Ao mesmo tempo que o ‘cidadão jornalista’ é o autor do erro, o meio de comunicação possui responsabilidades quanto ao material publicado.

Para o presidente da Federação Nacional de Jornalismo, Sérgio Murilo de Andrade, a responsabilidade jornalística é primeiramente de quem escreve a notícia e depois do veículo que a publica. Para ele, apenas jornalistas possuem o conhecimento adequado para escrever e publicar notícias e reportagens. ‘O cidadão pode ser utilizado como fonte de um jornalista, mas não pode de maneira nenhuma ser considerado um repórter, um jornalista’ afirma Andrade.

A credibilidade é um fator decisivo para o jornalismo cidadão ganhar mais espaço, segundo o consultor e professor de estratégias de comunicação e marketing Mario Persona. Mas ele alerta contra dois perigos nesse tipo de jornalismo. O primeiro é o da checagem dos dados, e o segundo é a responsabilidade jornalística da notícia publicada. ‘Posso entrar, ver aquilo tudo com cara de jornal sério e ler uma matéria que alguém escreveu lá do interior da selva amazônica dizendo que descobriu uma civilização de homens verdes morando debaixo da terra. Como não posso ir até lá conferir, posso ser enganado, e como as pessoas que mantêm o site também não podem fazê-lo, isso continuará lá’, critica.

Opinião cidadã

A população brasileira ainda decide que posição tomar em relação ao novo meio de informação. Algumas pessoas acreditam que o jornalismo feito por cidadãos tem grande importância no que se refere a uma mídia democrática. Mas ao mesmo tempo, há outros que preferem confiar apenas na informação escrita por profissionais.

O empresário Artur Gomes, que mora em São Luís, Maranhão, lê jornais na internet todos os dias e confessa que não confiaria muito nesse tipo de jornalismo. ‘O importante é saber filtrar as informações na web.’

O estudante de jornalismo Mateus Siqueira acompanha semanalmente notícias na internet tanto em sites tradicionais como em meios alternativos. Ele compara as notícias divulgadas em ambos. Para ele os meios alternativos de jornalismo como o aliveinbaghdad.com, apesar de não possuírem a mesma estrutura de uma rede como a CNN, complementam o jornalismo tradicional. E, por não estarem ligados a corporações que visam o lucro, são mais confiáveis.

Para Andrade, a maioria das grandes empresas que estão abrindo as portas para o chamado jornalismo cidadão está mais interessada no retorno lucrativo do que na democratização da mídia. O jornalista Eduardo Matos, um dos fundadores do site brasilwiki.com.br, discorda em partes da opinião de Andrade. Para ele, o principal objetivo é democratizar a mídia, além de dar uma oportunidade para as pessoas que gostam de escrever postarem suas opiniões e reportagens em um veículo. ‘Todos os meios de comunicação vendem suas informações e lucram para pagar gastos’, acrescenta.

Quem pode fazer jornalismo?

A diferença entre o jornalismo cidadão e o espaço do leitor em revistas e jornais é que a própria notícia é produzida pela sociedade. A vantagem desse jornalismo é que esse ‘repórter’ está mais próximo do fato que o profissional do jornalismo. Esse tipo de jornalismo parece indicar ser mais eficaz que os jornais de grande porte. A pergunta que fica é: quem pode fazer jornalismo?

Nessa nova tendência Ana Maria, que também é doutora em comunicação pela PUC-RS, acredita que o espaço para o cidadão é restrito apenas a reportar, enquanto outras várias funções de um jornalista, como a edição, permanecerão com profissionais. ‘Se não for assim o jornalismo pode virar uma bagunça’, reitera. Beraba concorda e acha que esse formato de jornalismo é apenas uma das facetas da nova onda de participação social na mídia, que cresceu consideravelmente com a internet.

Sérgio de Andrade alerta para os limites do jornalismo com participação do leitor. ‘O cidadão não pode escrever matéria jornalística num jornal, ele pode escrever apenas artigo e enviar suas opiniões’. Essa é sua definição de jornalista cidadão.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, José Augusto Camargo, concorda com Andrade. Para ele, sites como Orkut, Youtube e blogs são espaços de participação mais abertos para exercitar a liberdade de expressão. ‘Mas isso não é jornalismo’, ressalta. Para ele, reportagens são feitas apenas por jornalistas.

Beraba acrescenta que somente o diploma não garante um bom jornalismo. A princípio, as técnicas de escrever podem ser adquiridas por qualquer pessoa. ‘O direito à informação, e o de passar a informação é da sociedade’, afirma.

Livres mas nem tanto

Enquanto no Brasil esse jornalismo continua pequeno e dividindo opiniões dos profissionais e cidadãos, na França o governo já impôs sua decisão. Uma lei promulgada na primeira semana de março de 2007 proíbe pessoas não formadas em jornalismo de publicarem notícias sobre violência em qualquer tipo de mídia, eletrônica ou impressa. A multa é de US$ 99 mil, e a pena é de até cinco anos para o infrator.

As implicações levantadas por essa nova tendência de jornalismo ainda não estão definidas completamente. Algumas delas já estão sendo discutidas por profissionais, doutores e professores. A verdade é que são poucas as respostas concretas encontradas para esse fenômeno. Dúvidas não param de surgir na cabeça de milhares de cidadãos e jornalistas. Uma delas é se impresso e o jornalismo da TV irão adotar esse método de reportar fatos já incorporado na internet.

Esta questão já pode ser respondida segundo alguns comunicadores do Brasil. Os jornalistas Ana Maria, Marcelo Beraba e Sérgio Murilo de Andrade acham que o jornalismo cidadão se limitará apenas ao online por possuir um caráter mais livre. Mas o futuro é incerto e esta pergunta somente o tempo poderá responder com certeza.

******

Alunos do terceiro ano de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)