Certa vez, ao conceder uma entrevista a uma revista nacional, a apresentadora brasileira Adriana Galisteu falou: “Eu adoro fazer o bem, mas também tenho minhas prioridades: minha casa, minha família. Primeiro vou ajudar quem está mais próximo. Mas faço minhas campanhas beneficentes, eu adoro dinheiro.” O entrevistador fez questão de destacar a expressão “eu adoro dinheiro” e a colocou em destaque na revista, para desespero de Adriane, que reclamou que sua frase fora colocada fora de contexto. Evidentemente, a expressão causa certa repulsa por subtender-se que a entrevistada em questão é uma pessoa gananciosa e mesquinha e trouxe prejuízos à estrela.
Esse fato ilustra bem o dilema que existe entre entrevistador e entrevistado. O grande debate é: de qual maneira deve se comportar o jornalista e sua respectiva fonte? É possível manter uma relação onde haja uma troca de informações em que os dois saiam ganhando? O livro O jornalista e o assassino responde que não. Essa obra de Janet Malcolm evidencia de forma concreta os reais desafios da ética jornalística.
A autora americana traz, logo no início de sua obra, uma instigante reflexão acerca do exercício da prática profissional. “Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo, sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas. Tal como a viúva confiante, que acorda um belo dia e descobre que aquele rapaz encantador e todas as suas economias sumiram, o indivíduo que consente em ser tema de um escrito não ficcional aprende – quando o artigo ou livro aparece – a sua própria dura lição. Os jornalistas justificam a própria traição de várias maneiras, de acordo com o temperamento de cada um. “Os mais pomposos falam de liberdade de expressão e do ‘direito do público saber’; os menos talentosos falam sobre a arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida” (p.23).
Interpretações equivocadas
Essa provocante discussão acontece durante todo o percurso literário da escritora. De um lado, tem-se um jornalista em busca de notoriedade e prestígio; do outro, um homem em busca de provar a sua inocência e ganhar o apoio da sociedade, por mais difícil que aparente ser. E no meio dessa emblemática situação estão um crime brutal e o compromisso essencial do jornalismo com a verdade dos fatos.
O médico Jeffrey MacDonald foi preso em 1970, acusado de matar a esposa grávida e suas duas filhas. Enquanto aguarda o seu julgamento, tece contatos com o jornalista Joe McGinniss, de onde surge um projeto conjunto de escrever um livro acerca da percepção do médico diante dos acontecimentos que o levaram a estar atrás das grades. Durante quatro anos, McGinniss relata em suas cartas a confiança na inocência do “amigo” McDonald, embasamento que vai de encontro ao conteúdo de seu livro Visão fatal (1983), no qual, em 700 páginas, traz McDonald como um assassino frio, violento e fraco. Bem diferente da ideia original compartilhada por ambos, gerando ao jornalista um processo no valor de 325 mil dólares.
A convivência entre entrevistador e entrevistado é delicada até porque, frise-se, os dois tem interesses adversos. Nesse conflito de egos, ganha o dono da maior esperteza. Hoje o jornalismo tem ao seu poder inúmeras possibilidades de registros audiovisuais, o que se torna uma prova, mas frases ou ideias fora do contexto podem ocasionar interpretações errôneas e equivocadas, como o caso nacional ilustrado ao início dessa resenha.
Quem julga é o público
É interessante observar outro aspecto na relação McGinnis-McDonald: o jornalista alegou compromisso primeiro com a verdade dos fatos em detrimento de qualquer ação imprópria ou não, pois o objetivo seria levar a notícia integral à população. De fato, essa análise é interessante na teoria, porém na prática não se vê.
Em uma sociedade cada vez mais competitiva e ávida por informações, onde a instantaneidade das notícias é o grande objetivo dos meios de comunicação,observa-se uma verdadeira corrida pela exclusividade, mesmo que isso rompa com as normas que regem a profissão. Uma vez que o público é mais exigente, cresce a obrigação de aprimorar a redação jornalística, como destaca Janet Malcolm, que vê nesse investimento uma prerrogativa principal para o sucesso de quaisquer veículos.
Não é fácil escapar dos vícios que comete o jornalismo, até porque o desejo do crescimento profissional é inerente a qualquer área, mas também importante lembrar que por ser a mais pública das carreiras, qualquer deslize pode, sem dúvida alguma, arruinar um legado de trabalho. Credibilidade, isenção e correção se constroem em anos, porém, perdê-los leva minutos.
O que mais chama atenção nessa obra não é a preocupação que a autora tem de fomentar um debate em torno do que se tem como ideal na comunicação jornalística ou condenar os aspectos da subjetividade que é inerente ao cotidiano profissional. Mas a essência de O jornalista e o assassino é que mesmo a imprensa realizando um julgamento, com toda a pirotecnia e manipulação possível, a sentença é do público.
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[Emilson Ferreira é professor, Campina Grande, PB]