Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornais perdem novo lance contra inflação

Pressionado pela inflação, o governo decidiu montar um novo esquema para intervir no mercado de alimentos e forçar a baixa de preços. A novidade é a criação de um conselho interministerial para administrar estoques. Até aí a função era atribuída à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), como havia sido, por muito tempo, à sua antecessora, a Comissão de Financiamento da Produção (CFP). A ideia foi anunciada pouco depois de conhecido o IPCA de janeiro. O indicador subiu 0,86% no mês e acumulou alta de 6,15% em 12 meses. A situação foi descrita como “desconfortável” pelo presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini.

O quadro inflacionário e as possibilidades de aumento de juros foram um dos grandes assuntos no mercado financeiro, nas últimas semanas. Apesar desse pano de fundo, a maior parte da imprensa deixou passar a notícia, divulgada pelo Ministério da Agricultura, da instituição do conselho. O Valor saiu na frente, com uma extensa matéria sobre o assunto na edição de terça-feira (19/2) e outra na sexta (22).

A Conab vendeu estoques, até com frequência, durante a fase de elevação de preços no mercado, e continuou vendendo nas últimas semanas. Mas a Presidência da República talvez esperasse uma intervenção mais forte. O noticiário, reforçado no fim de semana por uma reportagem do Estado de S.Paulo, deixa entrever esse descontentamento. Mas faltou, em todo o material publicado, contar mais claramente por que a cúpula do governo decidiu passar a política de formação e de uso de estoques ao nível ministerial – político, portanto – e reduzir o poder da instância técnica. A Conab deve participar do conselho com função de assessoria, além de continuar como executora das ações.

Fala ambígua

A maior parte dos jornais demorou a perceber a importância da novidade e até o fim da semana muitos nem haviam entrado no assunto. Isso talvez se explique pelo abandono quase completo, há muitos anos, da cobertura de assuntos ligados à agropecuária. O agronegócio é citado raramente na maior parte dos jornais, embora seja o setor mais competitivo da economia brasileira e a fonte principal e mais regular do superávit comercial. Repórteres e redatores familiarizados com esse tipo de assunto são hoje raros e com isso se perdem boas e importantes histórias.

Em contrapartida, todos os jornais têm dedicado bom espaço a todas as falas de Tombini e de seus colegas do BC a respeito da inflação e dos juros. Têm-se empenhado também, juntamente com as agências de notícias, na interpretação dessas falas e na transmissão de recados em off, isto é, sem citação da fonte.

Política de juros é um assunto delicado em Brasília, porque a presidente Dilma Rousseff demonstrou mais de uma vez interesse pessoal na redução da Selic, a taxa básica do sistema. Muitos analistas têm posto em dúvida, abertamente, a autonomia operacional do BC para conduzir a política monetária. O discurso oficial do governo contesta essa opinião. Os juros serão de novo aumentados se isso for necessário, têm dito o presidente Tombini e o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Mas nenhum deles indica o ponto de virada, nem esclarece o limite de tolerância à inflação. Haverá um gatilho para a mudança de política? Ninguém, fora do governo, tem a resposta. Apesar disso, os jornais traduzem as palavras oficiais como se indicassem uma alta moderada de juros, ou, no mínimo, uma efetiva disposição de apertar a política.

É muito difícil dizer, neste momento, se essa interpretação é correta. Não há como verificar e nenhuma frase de Tombini ou de outro figurão permite uma conclusão segura. Mas pelo menos um ponto é certo: nenhuma autoridade se queixará dos jornais. Nenhuma delas terá de assumir compromissos bem definidos, enquanto a imprensa, por sua conta, converter em mensagem clara a fala ambígua de ministros e dirigentes do BC. Em qualquer caso, nenhum deles terá de responder por qualquer promessa descumprida.

Números dessazonalizados

Mas o detalhe mais curioso das páginas de economia, nessa mesma semana, apareceu em matérias sobre o IBC-BR. Este é um indicador de atividade produzido mensalmente pelo Banco Central e considerado uma prévia do PIB. Os números divulgados no site do banco são distribuídos em duas colunas. Em uma aparecem os dados “observados”, isto é, registrados sem desconto dos fatores sazonais. A outra contém as informações dessazonalizadas.

Quase todos os grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro publicaram um estranho cruzamento. Escolheram o número dessazonalizado (0,26%) para descrever a variação de dezembro sobre novembro. Mas destacaram um número da outra coluna, sem depuração, para indicar o crescimento acumulado no ano (1,64%). Repórteres e editores de TV também fizeram essa estranha mistura.

Só o Globo realçou em primeiro lugar, e com a necessária coerência, na parte noticiosa, dois números dessazonalizados. Por esse critério, o crescimento em 2012 ficou em 1,35%. “BC confirma Pibinho” foi a manchete do caderno de “Economia”. Outra exceção foi a coluna de Celso Ming, no Estadão. Como de costume, o texto favoreceu a coerência e a clareza, combinando corretamente os números. Lucro para os leitores.

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[Rolf Kuntz é jornalista]