No meio da transmissão ao vivo da “despedida” de Bento 16, o vaticanista John Allen se voltou para a âncora Christiane Amanpour, da CNN, e lembrou para não confundir com eleição americana. “As transições no papado são mais sobre estilo do que sobre substância”, disse. “Não teremos um novo papa que vá rejeitar os ensinamentos da igreja sobre aborto e casamento gay. Talvez um papa com um estilo mais popular, que use mais a esfera do mundo pós-moderno, que dê uma face e uma voz mais positivas para a mensagem da igreja.” Ponto.
Daí o desinteresse da cobertura, em parte. Os mesmos Allen e Amanpour estavam lá, oito anos atrás, quando o papa tomou posse. Mas a cobertura, dentro e fora da CNN, é menor agora, burocrática. As palavras de despedida até foram manchete em sites de jornais italianos (e brasileiros), mas tiveram mínima atenção de franceses, ingleses, americanos. Não é só a falta de notícia substancial que afasta a cobertura. No dizer de Allen, ao “abdicar” Bento 16 deixa para trás um mal-estar em torno da igreja, “um bocado de negócios não resolvidos”, a começar pela necessidade de que padres criminosos e também os bispos que os acobertaram prestem contas, afinal, pela pedofilia desenfreada.
Os escândalos sexuais e financeiros, reaquecidos na última semana com reportagem do romano La Repubblica, sufocaram a possibilidade de empatia da cobertura com a igreja e seu líder.
Falta de liderança estratégica
Mas outro vaticanista americano, o jesuíta Thomas Reese, também surgiu na TV nos últimos dias, proclamando que a mídia da Itália não presta, “é mais ópera do que jornalismo”. Ou então “é como a blogosfera: não tem os padrões jornalísticos observados nos EUA, no Reino Unido”.
A proeminência de Allen e Reese hoje contrasta com aquela de dois vaticanistas italianos, oito anos atrás. Marco Politi e Luigi Accattoli são agora blogueiros, de fato, não mais ligados aos grandes jornais, Repubblica e Corriere della Sera. Mas são principalmente escritores, tendo publicado as duas biografias de maior impacto de João Paulo 2º.
Há um ano, ambos protagonizaram um debate, como nos tempos de Repubblica e Corriere, que já apontava os problemas que levariam o papa atual a abdicar. Politi lançou Crise de um Papado, em que descreve Bento 16 como “líder frágil, desconfortável com a arte de governar, hesitante no enfrentamento dos problemas internos”, a ponto de acabar com as reuniões de departamento e jogar o Vaticano na desordem burocrática. Accattoli criticou Politi por ver outras qualidades no papa, mas concordou com a falta de liderança estratégica. Bento 16 era inferior a João Paulo 2º também na substância.
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[Nelson de Sá é colunista da Folha de S.Paulo]