Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Regina Lima

“A coluna da Ouvidoria desta semana destaca três mensagens enviadas em fevereiro por leitores que solicitaram a retirada, por motivos diversos, dos seus nomes de matérias publicadas pela Agência Brasil. Por se tratar dos danos que eles alegam ter sofrido em consequência da persistência das referências na internet, os leitores não autorizaram o uso de seu nome e comentário por parte da EBC. Em dois casos as referências os acusam de envolvimento na prática de atos ilícitos e continuam na internet mesmo depois deles terem feito retribuição à sociedade ou provado sua inocência. A estas demandas juntamos outra semelhante, de novembro de 2012, referente não a uma pessoa física, mas jurídica. Apesar do autor desta demanda ter dado autorização, o caso será tratado com o mesmo anonimato, não havendo necessidade de especificação.

Nas quatro demandas recebidas pela Ouvidoria, dois autores não identificaram os transtornos causados, mas os outros dois protestaram que as referências na internet os prejudicaram na busca de emprego. A triagem pela internet está se tornando cada vez mais comum. A Microsoft relata que 75% dos recrutadores e profissionais de recursos humanos nos Estados Unidos realizam buscas online sobre os candidatos, frequentemente utilizando informações obtidas por engenhos de busca, sites de redes sociais, sites de compartilhamento de fotos e vídeos, sites e blogs pessoais e Twitter. De acordo com a mesma fonte, 70% dos recrutadores admitiram ter rejeitado candidatos baseados nas informações obtidos pela internet [1]. No Brasil, as evidências são mais escassas, mas registram-se casos na Justiça que comprovam que há empresas que realizam consultas prévias em cadastros de crédito durante processos seletivos [2].

As discussões sobre o direito de privacidade giram em torno de cidadãos comuns que não atraem a atenção da mídia e de personagens públicas que se ofendem quando sua vida particular é exposta. Os parâmetros legais para garantir o direito contra a obtenção e a divulgação não consentidas de informações particulares ainda estão em processo de construção nas mídias sociais, não nas mídias convencionais, que constituem o principal alvo das preocupações.

O cidadão cujo nome aparece em uma reportagem sobre o ato ilegal no qual ele está supostamente envolvido encontra pouco amparo para ‘limpar’ o nome na mídia ou voltar ao anonimato. Ao contrário do que muitos pensam o problema não se resolve pedindo ao Google, por exemplo, de bloquear o acesso à página. De acordo com o Google, ‘Os sites nos resultados de pesquisa do Google são controlados pelos webmasters desses sites, não pelo Google. O índice do Google reflete o conteúdo da web. Remover uma página de nossos resultados de pesquisa não remove a página da web, ou seja, as pessoas continuarão podendo ver essa página acessando-a diretamente ou por outro mecanismo de pesquisa [3]’.

Do ponto de vista estritamente legal, a Agência Brasil não teria nenhuma obrigação de atender aos pedidos de retirada dos nomes das matérias. Em relação à demanda de novembro de 2012, a Diretoria Jurídica da EBC se pronunciou da seguinte forma: ‘o conteúdo da matéria publicada no sítio da Agência Brasil se limitou a informar a existência de investigação, não atribuindo [ao interessado] conduta ilícita alguma. Em outras palavras, a Agência Brasil não incorreu em abuso do exercício do direito à liberdade da imprensa. Assim, não havendo motivos jurídicos para a retirada da matéria do sítio, resta a análise da questão por outros aspectos, de conveniência e oportunidade, que não cabem a esta Diretoria Jurídica, mas à Diretoria de Jornalismo. Em contrapartida, igual publicidade no sítio da Agência Brasil deve merecer o deslinde das investigações informadas, seja pela inocência seja pela culpa dos investigados, inclusive por meio de nota posterior na matéria que informa a existência das investigações’.

A Norma de Jornalismo da EBC no que diz respeito à privacidade tampouco indica que a Agência Brasil tenha cometido algum abuso na publicação da matéria: ‘As hipóteses de limitação do direito à privacidade são as estabelecidas em lei. No campo de interesse do jornalismo da EBC, esses preceitos de exceção ocorrem mais explicitamente em casos de cometimento de crimes ou outras transgressões legais, quando forem relevantes para a informação dos cidadãos’.

No entanto, diante do parecer da Diretoria Jurídica e da decisão da Justiça de inocentar o réu, a Diretoria de Jornalismo adotou, para a mesma demanda de novembro de 2012, uma posição calcada na consideração das consequências e no ‘fair play’ (jogo limpo): ‘… tendo em vista o resultado da investigação a qual a matéria se referia e considerando o pedido do leitor, comunicamos que o texto foi retirado do site da Agência Brasil’.

Igual atitude marcou a decisão em outro caso, onde o demandante alega ter sido prejudicado por ser identificado numa matéria como um ex-detento: ‘A Agência Brasil pede desculpas ao leitor pelo transtorno que possa ter causado ao citar seu nome na reportagem. A citação foi retirada dos nossos arquivos’.

Quando o caso é notório e continua a merecer a atenção da mídia, o público é informado do desfecho das investigações, o que proporciona um equilíbrio à interação entre as esferas pública e particular, na cobertura do fato. O que foi tirado da esfera particular para se transformar em notícia na esfera pública tem início, meio e fim e só volta para a esfera particular (o anonimato) depois de concluir o ciclo. O que permanece na esfera pública é a história completa.

O inverso também é verdadeiro: quando a iniciativa de dar publicidade a um fato parte do cidadão, a forma equilibrada de desfazer o fato é através de uma retratação, não pela retirada dos arquivos. A Diretoria de Jornalismo seguiu este princípio na decisão que tomou em relação à outra demanda de um cidadão que reclamou da citação do seu nome numa matéria sobre uma campanha feita pela internet de colher pedidos para entregar à Presidenta Dilma. A Diretoria de Jornalismo respondeu: ‘A Agência Brasil lamenta não poder atender ao pedido do demandante já que a matéria não está errada e ele próprio admite que sugeriu o fechamento do Congresso Nacional na carta encaminhada à presidenta Dilma Rousseff (…)’.

O jornalismo é um constante trânsito entre as duas esferas, pública e particular. Na forma em que atenderam aos pedidos de retiradas dos nomes, a Diretoria de Jornalismo e a Agência Brasil demostraram sua capacidade de reconhecer eventuais transtornos infligidos, mesmo sem terem cometido nenhum abuso, e de agirem com consciência para manter o equilíbrio entre as duas esferas.

1- http://en.wikipedia.org/wiki/Privacy

2- http://espaco-vital.jusbrasil.com.br/noticias/3029804/empresa-pode-consultar-spc-e- Serasa-de-candidatos-a-emprego

3- http://support.google.com/webmasters/bin/answer.py?hl=pt-BR&answer=1663688”