Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Investigação detalhada

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) realizou no sábado (9/3), o seu primeiro congresso regional sobre o tema. A mais simples definição de jornalismo investigativo encontrada em uma rápida pesquisa online diz que é “a prática de reportagem especializada em desvendar mistérios e fatos ocultos do conhecimento público, especialmente crimese casos de corrupção, que podem eventualmente virar notícia”. O congresso reuniu jornalistas de esporte, economia e cotidiano, além de professores e participações internacionais para investigar o que seria de fato a prática.

A série de reportagens “O jogo suspeito e a queda de Ricardo Teixeira”, ganhadora do Prêmio Esso de Jornalismo 2012, iniciou a programação do congresso, tendo a mediação feita pelo colunista de esporte, Juca Kfouri. Os jornalistas Filipe Coutinho, Julio Wiziack, Leandro Colon, Rodrigo Mattos e Sérgio Rangel falaram sobre como foi o processo para comprovar que o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol estava envolvido em um esquema de desvio de dinheiro público. Para quebrar a seca de 44 anos sem uma matéria esportiva ganhadora do prêmio, os jornalistas fizeram uma apuração com documentos públicos, fontes, documentos sigilosos, entrevistas e depoimentos na justiça. A investigação foi feita nas cidades de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro e ganhou destaque por ser uma busca também da polícia e do Ministério Público. Nas reportagens publicadas entre fevereiro de junho de 2012 é possível observar algumas características do jornalismo investigativo já citadas, como por exemplo, ser um fato oculto do conhecimento público e um caso de corrupção.

“O filho da rua”

Para teorizar um pouco mais o jornalismo investigativo, os professores Cleofe Monteiro, da Anhembi Morumbi, e Eugênio Bucci, ECA-USP, foram recebidos pelo vice-presidente da Abraji, José Roberto de Toledo, para aprender e ensinar a prática em questão. Primeiramente a professora Cleofe analisou que na década de 70 foi quando começaram as transformações com a assessoria de imprensa, fazendo com que o repórter se acomodasse, ocupando-se apenas de coberturas agendadas.  Para ela, o jornalismo investigativo apresenta o padrão do sistema de trabalho de velocidade e tempo, edição com maior quantidade de imagem e tem um custo mais elevado. Na sua análise como professora, Monteiro constatou que há pouca procura dos atuais estudantes por esse tipo de jornalismo. Já Eugênio Bucci concentrou-se em falar sobre a obrigatoriedade do diploma, que para ele é “um obstáculo para o ensino de jornalismo no país e impede alternativas de formação profissional e estudo”. Quanto à análise investigativa, para ele o processo é simples: descobrir o tema por conta própria, ver se ele é viável, pesquisar e traçar um método de trabalho, realizar a  investigação e a edição. Bucci frisou também que muitas técnicas investigativas não são de obrigação do jornalista investigativo, podendo utilizar de outros meios, assim como fizeram os jornalistas nas reportagens sobre Ricardo Teixeira.

A programação do evento se seguiu com Carlos Lauría, coordenador sênior do programa das Américas do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) e do papel do comitê em proteger a liberdade de imprensa internacional.  Lauría estava no Brasil em uma reunião com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, para discutir o aumento da violência aos jornalistas. Em 2012, houve quatro assassinatos a comunicadores no Brasil. O coordenador do CPJ lembrou dos casos de jornalistas brasileiros que foram ameaçados por reportagens investigativas que fizeram, como o caso do Mauri König e André Camarante. Para os que não se recordam, König é repórter da Gazeta do Povo e realizou uma série de matérias intituladas “Polícia fora da Lei” revelando que policiais utilizavam viaturas para uso pessoal. Depois disso ele e sua família passaram a sofrer ameaças. Caramante, repórter da Folha de São Paulo, também passou por ameaças depois de denunciar o vereador Paulo Telhada, ex-chefe da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) por conta de suas declarações violentas no Facebook. O caso fez com que Caramante ficasse exilado por três meses. Para evitar maiores casos como esses e assassinatos, o CPJ preparou um manual para situações de conflito, o qual foi disponibilizado durante o evento e também se encontra no site, onde há orientações para proteção de dados, segurança online, dentre outros.

Outra mesa que animou os participantes do evento foi falar sobre “O filho da rua”, reportagem feita por Letícia Duarte, jornalista do Zero Hora, vencedora do Prêmio Esso 2012 na categoria reportagem. Durante três anos a jornalista tentou entender como nasce um menino de rua e para isso, acompanhou a vida de Felipe, um menino que passou por centros sociais, escolas, abrigos, casas e ainda continuava nas ruas. A investigação foi autorizada pelo Juizado da Infância e da Juventude, respeitando as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nos anos de pesquisa, a jornalista reuniu mais de 300 documentos da vida do jovem, procurou por ele em becos, favelas, pontes e em outras cidades e realizou uma reportagem de 16 páginas publicada em uma edição de domingo do jornal da capital gaúcha. A íntegra da matéria pode ser lida aqui.

Melhor do que o esperado

Finalizando a tarde, o escritor Mark Hunter e a diretora da Abraji Ana Estela de Souza Pinto teceram algumas considerações e deram dicas aos jornalistas sobre o instinto da investigação. Hunter é autor do Manual Global de Jornalismo Investigativo “Casebook”, livro publicado pela Unesco e acredita que o jornalismo investigativo está muito relacionado com a autenticidade, ou seja, fazer o que ninguém tinha feito anteriormente. O jornalista também falou sobre as coberturas de guerra, os perigos associados a ela e sobre a importância de fazer um banco de dados. Hunter citou os bancos File Maker e Evernote, espaço para organizar e guardar documentos confidenciais, oficiais, e outros.

As mesas foram centradas em tópicos diferentes, mas com foco no mesmo assunto da investigação jornalística. Toledo, vice-presidente da Abraji, encerrou o congresso afirmando que o resultado foi melhor do que o esperado, e convidando a todos a participarem da 8ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo, a qual acontecerá em outubro, na cidade do Rio de Janeiro.

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Yvi Leíse Rosa Calvani é estudante, Londrina, PR