Por trás da indústria jornalística há muito mais entraves éticos do que apenas conflitos de gerações de jornalistas, queda na circulação dos impressos ou a diminuição drástica dos investimentos publicitários nos veículos de mídia. O grande problema no modelo de negócio do jornalismo é o próprio jornalismo. Há uma colisão de interesses que envolvem patrões e empregados, ou seja, empresários e jornalistas. Na visão de qualquer empresário em sintonia com o mercado – e isso se aplica ao jornalismo, pois é uma empresa como qualquer outra – o mais adequado a ser feito em uma companhia é diminuir os custos com infraestrutura e pessoal e, de quebra, aumentar a produtividade e o ritmo das vendas. A lógica na visão do negócio é fazer mais com menos. Simples assim.
Porém, na outra vertente, nós temos profissionais engajados com a missão jornalística, ou seja, que assumiram de maneira quase pessoal a busca pela transparência dos fatos, a apuração dos acontecimentos e a obrigatoriedade de entregar ao leitor o lado mais verídico possível da notícia. Entretanto, isso custa dinheiro, requer equipamentos de ponta nos dias de hoje e, se possível, um aumento significativo no quadro de jornalistas disponíveis.
Já foi possível entender a situação? Por um lado nós temos a imposição do mercado para que sejam criados jornalistas hipermultidisciplinares (e isso não é, necessariamente, algo negativo), além da redução das redações dos veículos e, em alguns casos, limitações de atuação em prol de uma “verdade maior” (os anunciantes). Atrás das cortinas estão jornalistas sobrecarregados que são obrigados a desempenhar o mesmo número de atividades ou até um número maior de funções com um cenário enxuto de profissionais e recursos.
O jornalismo pertence à sociedade
O grande problema do jornalismo em relação ao seu modelo de negócio é o próprio jornalismo. Se o jornalismo pudesse abdicar de suas funções e princípios, com toda a certeza não estaríamos ano após anos discutindo o futuro da mídia, já que ele seria um esboço fiel do que temos visto por aí: a linha tênue entre jornalismo e publicidade vem, aos poucos, sendo sufocada, dando lugar a um jornalismo-publicitário perigoso e potencialmente nocivo aos leitores mais desavisados – ou aos que depositam confiança no papel da imprensa.
Se de um lado da moeda nós temos graves problemas econômicos envolvendo os grandes jornais do planeta, como os altos custos para manter um impresso ou a suposta negação dos leitores em pagar por um conteúdo já que na web tudo é “grátis”, por outro nós devemos agradecer que tal crise exista. Se existe, é porque alguns jornalistas espalhados pelo mundo ainda não aceitaram se submeter a qualquer tipo de formato duvidoso apenas para manter de pé um veículo. É preferível ver um meio jornalístico morto a um meio jornalístico totalmente vendido por interesses e posições políticas.
Claro, não existe absolutamente nenhum veículo na face da Terra imparcial em suas coberturas, assim como não existe absolutamente nenhum jornalista totalmente imparcial em suas atividades jornalísticas, porém criar uma ponte de safena para manter vivo um jornalismo artificial é tão nocivo quanto deixá-lo sangrar até a morte. O que deve ser feito em relação ao modelo de negócio do jornalismo é substituir alguns órgãos vitais para o seu desenvolvimento efetivo sem que isso prejudique todo o funcionamento do ecossistema, ou seja, é necessária a adoção de mudanças, mas isso jamais deve significar o rompimento do pilar básico do jornalismo: seja público, privado ou financiado por doações, o jornalismo não pertence aos jornalistas, às empresas, ao governo e muito menos aos anunciantes. O jornalismo pertence à sociedade. E é ela quem vai decidir o nosso verdadeiro rumo.
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Cleyton Carlos Torres é jornalista, blogueiro e editor do Mídia8!