“Quando morre alguém realmente importante, cabe ao jornal, mídia com espaço maior para reflexão, resumir seu legado histórico. Nessas ocasiões, a Folha arrisca, às vezes, manchetes que servem como lápides -’Morre o maior arquiteto do Brasil’, dizia a edição de 6 de dezembro passado, sobre Oscar Niemeyer.
O controverso Hugo Chávez deve ter dado uma canseira no editor da ‘Primeira Página’. A capa de quarta-feira o definiu como ‘líder populista’ e, no caderno especial, ele era o presidente ‘influente e polêmico’.
Não foram escolhas muito felizes. ‘Líder populista’, cada um entende de um jeito, já que nem entre os cientistas políticos há consenso sobre o significado da palavra. ‘Polêmico’ e ‘influente’ são dois adjetivos óbvios e vazios.
A dificuldade em rotular Chávez reflete o desafio que foi cobrir o seu governo. O jornal acertou ao criar o posto de correspondente em Caracas em 2007 e errou ao fechá-lo no final de 2011, quando havia eleição marcada para o ano seguinte e já se sabia que Chávez tinha câncer.
No conjunto, a Folha foi o jornal brasileiro que melhor cobriu o tal ‘socialismo do século 21’: as estatizações, a aproximação com Cuba e com Gaddafi, as bravatas anti-EUA, o desabastecimento, a entrada no Mercosul. Mereceram atenção especial as iniciativas autoritárias do presidente venezuelano, principalmente as investidas contra a imprensa independente.
O enfoque crítico ofuscou, porém, o relato dos progressos obtidos nos 14 anos de chavismo. A melhoria na vida dos miseráveis ficou em segundo plano, como se toda a popularidade do ‘comandante’ viesse da presença constante na televisão e do culto à sua personalidade.
Ao longo da semana, deu para notar o esforço da Folha em fazer um balanço mais equilibrado. Sem deixar de destacar as manobras chavistas para permanecer indefinidamente no poder, as análises e reportagens ressaltaram os progressos obtidos no combate à desigualdade e a sensação de empoderamento dos mais pobres.
Com uma visão menos maniqueísta do legado de Chávez, fica mais fácil entender a comoção que tomou Caracas.
Manchete-lápide
Em geral, a Folha faz títulos insossos sobre a morte de famosos (‘Morre, aos tantos anos, Fulano da Silva’). Abaixo, algumas exceções:
‘Câncer mata Hugo Chávez, 58, líder populista da Venezuela’
6.mar.2013
‘Morre o maior arquiteto do Brasil’
Oscar Niemeyer, 6.dez.2012
‘Morre Eric Hobsbawm, o historiador das revoluções’
2.out.2012
‘A gente só morre uma vez. Mas é pra sempre’
Millôr Fernandes, 29.mar.2012
‘O criador de personagens’
Chico Anysio, 24.mar.2012
‘Música perde a alegria de Tim Maia’
16.mar.1998
‘O Brasil sem Elis Regina’
20.jan.1982
‘Leila, tão cedo e tão longe’
Leila Diniz, 16.Jun.1972”