É possível que o lançamento do livro Pimenta Neves – Uma Reportagem (Scortecci Editora), ocorrido no último [penúltimo] fim de semana na Livraria Martins Fontes (Paulista), coincida com um momento de alívio do seu principal protagonista, o jornalista Antônio Pimenta Neves, 76 anos. Está se aproximando a data em que poderá pedir o regime semiaberto – relativo à sua pena de 15 anos – a que lhe dão direito os dois quintos já cumpridos. Deixará para trás, portanto, as grades da prisão de Tremembé-2, no Vale do Paraíba. Na tarde de 20 de agosto de 2000 ele matou a tiros sua namorada Sandra Gomide, em um haras no município de São Roque (SP), produzindo um rumoroso crime passional, que acabou se transformando em clássico caso de burocracia judiciária que favorece criminosos incontestes.
Luiz Octavio de Lima, carioca, 54 anos, consumiu três anos de pesquisa e somou mais de 100 entrevistas para concluir seu trabalho. Moveu-o a proximidade que mantinha com os personagens do episódio. Jornalista, conheceu Sandra e trabalhou por três anos com Pimenta, inclusive no Estadão, quando se deu o desfecho. Antes, Luiz Octavio havia trabalhado em O Globo, Folha de S.Paulo e Veja. Depois esteve nas revistas Época e Exame. Atualmente encontra-se no Diário do Comércio.
Qual foi a motivação para você escrever o livro?
Luiz Octavio de Lima – Eu havia trabalhado com Pimenta no Estadão. Aliás, foi ele quem me promoveu a editor-executivo de Internet. Por outro lado, Sandra também era do nosso meio. Foi uma das primeiras pessoas que conheci, em 1991, quando me mudei do Rio para São Paulo. Ela fazia parte de um grupo que saia junto. Sandra, que trabalhava na Gazeta Mercantil, namorava o Luiz Henrique Amaral, que era repórter de Política da Folha de S.Paulo. Daí meu interesse inicial.
Como você testemunhou o relacionamento dos dois?
L.O.L. – Pimenta voltou dos EUA em 1995 e assumiu a Gazeta Mercantil no fim desse ano. Lá nos EUA ele havia trabalhado como correspondente em Washington, pela ordem, na Folha, Gazeta e Estadão, além de ser diretor do Banco Mundial. Quando ele chegou à Gazeta, Sandra era pouco mais do que uma estagiária. A diferença de idade entre ambos era de 30 anos. Talvez ele acreditasse no potencial dela. Mas o fato é que a favoreceu com sucessivas promoções.
Por essa ocasião, ele dava sinais de ser um homem violento?
L.O.L. – Eu apurei que ele era uma pessoa em geral cordata e que voltou mudado dos EUA, para onde se transferira nos anos 70.
E Sandra? Como era?
L.O.L. – Ela também mudou em decorrência do namoro. Tornou-se um tanto prepotente. Interferia nas escalas de folga, no funcionamento da redação. Começou a utilizar sua posição de mulher do chefe. Em 1997, Pimenta tornou-se diretor de Redação do Estadão. Prometeu que não levaria ninguém de suas relações para o novo emprego. Porém, levou. Inclusive Sandra. Naquele “crescendo” ao qual me referi, os conflitos foram se acentuando e Pimenta passou a dar sinais de desordem psíquica.
Quais foram os sinais?
L.O.L. – O mais evidente, com traços de megalomania, era o de proclamar que no Estadão mandava ele, mais do que a família Mesquita. A propósito, ele gostava de desafiar os Mesquitas. Fernão Mesquita, que era diretor de Redação do Jornal da Tarde, filho do dr. Ruy Mesquita e diretor de Opinião do Estadão, conta que o orientou a publicar determinada nota, pedido que foi imediatamente rechaçado. Fernão aceitou a recusa por supor que se tratava de um principio, no sentido de blindar o espaço contra interferências individuais. Outro sinal foi a demissão sumária de um conceituado editor alegando que aquele profissional sofria de doença mental. Pimenta passou a carregar armas, que exibia sem constrangimentos. Outro comportamento inadequado foi o de se apresentar na redação com botas e trajes de montaria. As pessoas – amigos e subordinados – passaram a comentar abertamente as recorrentes desavenças entre Pimenta e Sandra, inclusive a invasão que ele promoveu da casa dela numa dessas ocasiões.
Tudo indicava que sua violência latente passava a ganhar forma?
L.O.L. – Há registros anteriores. Uma artista plástica relatou que foi emboscada e violentada por Pimenta. Engravidou e, por isso, fez aborto. Aliás, eu somente decidi fazer efetivamente o livro depois que essa pessoa aceitou confirmar e descrever o episódio.
Como aconteceu?
L.O.L. – Foi nos anos 70. Ele assediou intensamente essa mulher e foi rejeitado na mesma proporção. Um dia, a pretexto de agradecimento por uma indicação de trabalho, convidou-a para jantar. Depois de se despedirem, ele a emboscou e consumou o ataque. Violências também ocorreram contra Sandra. A ex-esposa norte-americana não confirmou, mas também não desmentiu agressões.
Você procurou Pimenta para participar do livro?
L.O.L. – Ele se interessou pelo livro. Combinamos que eu lhe enviaria 20 perguntas, cujas respostas seriam publicadas na íntegra, sem as tradicionais adaptações ditadas por necessidades editoriais. As questões abrangiam desde fatos da sua infância ao crime em si. Ele aceitou, chegou a me enviar algumas respostas. Mas depois desistiu de participar. Porém, utilizei o material que ele me enviou.
Por falar em infância, como era a família de Pimenta?
L.O.L. – Era bem estruturada, segundo apurei. O pai era professor de português e inglês. Queria-o advogado, não jornalista. A família teve um episódio dramático: a morte da filha de 17 anos, irmã de Pimenta, que caiu de um prédio.
Você se referiu às mudanças de caráter, de temperamento de Pimenta. Há indícios disso?
L.O.L. – A medicação, consumida de forma inadequada, teria agravado o problema. Ele misturava álcool com antidepressivos e medicamentos contra disfunção erétil. Mas o que chama a atenção eram as demonstrações de megalomania, segundo descreve um diretor de marketing do jornal, portanto com contato frequente com o diretor de Redação. Pimenta afirmava recorrentemente que os Mesquita não mandavam em nada no Estadão e que ele demitiu certas pessoas pelo simples motivo de que eram bem-vistas pelos Mesquita.
O que o livro traz de novo sobre o crime?
L.O.L. – Vários fatos. Destaco as primeiras 24 horas, que trazem revelações inéditas, como as negociações com a família Mesquita a respeito da sua entrega. E testemunhos que atestam a premeditação do crime. Semanas antes ele falava em matar Sandra. No dia anterior ao crime, um sábado, foi almoçar com a família de Sandra no sítio deles em São Roque. Alegou que tinha alguns objetos dela para entregar e que estava saudoso da comida da mãe dela, Dona Nilda. Nesse almoço Sandra esteve presente por instância no pai, no sentido de encerrar definitivamente o relacionamento entre os dois. Colocar uma pedra em cima. Suspeita-se que Pimenta esteve lá para assuntar onde Sandra ia. Tanto que, no dia seguinte, foi ao seu encontro no haras, onde a matou.
E por que precisaria assuntar?
L.O.L. – Ela estava abrigada em lugar secreto para fugir das ameaças de Pimenta. Convém lembrar, conforme disse o jornalista Souliê do Amaral, que, 15 dias antes, Pimenta andou procurando algum ex-interno da Febem que permanecesse na marginalidade, para dar um corretivo em “alguém”.
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José Maria dos Santos é jornalista