Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O historiador, o passado e o presente

Na palestra dada na Feira do Livro de Porto Alegre, em 2009 ou 2008, aproveitei para perguntar ao Ruy Castro algo que estava engasgado na minha garganta: “Você, que é um historiador, portanto alguém que vive do refletir e valorizar o passado, falou, certa vez, em um programa na TV Senado ou outra TV, não tenho certeza qual, ao ser instado a comparar os dias de hoje com o tempo da sua juventude, que quase invariavelmente todos quando respondem a este tipo de pergunta dizem que nunca houve tempos como aqueles da sua juventude e para melhor corroborar isto sempre dizem que hoje está tudo degradado e nem de perto se compara com os seus anos dourados da juventude. Este mantra segue ad infinitum, isto é, se você perguntar a alguém que viveu sua juventude nos anos 1960, nos anos 50, nos anos 1900, retroagindo assim até o início dos tempos, todos responderão em uníssono esta mesma resposta que tem pouco de realismo e muito de idealização. Gostaria que você, se fosse possível, aprofundasse esta resposta que achei uma preciosidade?”

“Eu agradeço a pergunta”, falou Ruy Castro, “e ela me dá oportunidade de falar algo que me é muito caro. Quando estava escrevendo a biografia de Carmem Miranda fiquei sabendo que estava com câncer. Daí em diante, passei por toda a via crucis que passam as pessoas nesta situação. Hoje, aos 65 anos, estou passando os melhores anos de minha vida e olhe que quem vos fala é alguém que viveu intensamente toda a efervescência dos loucos anos 60 no epicentro da revolução social e de costumes que era Copacabana e Ipanema. A propósito, estes jovens que hoje curtem a noite na Lapa não ficam nada a dever, em termos de qualidade de entretenimento, a todas as gerações anteriores que hoje debocham destes dizendo que a vida da juventude hoje não chega nem aos pés do que curtiram com a mesma idade.”

Virtudes e defeitos

Fiquei gratificado, de novo, com a sua sábia resposta e com as novas revelações feitas por ele. Não há nenhum problema em conferir valor ao passado e por igual ao presente. Esta é a lição que fica destas poucas, mas esclarecedoras reflexões que assim derrubam um mito de que quem gosta de passado são somente os nostálgicos entrados em anos que não veem nada de interessante no hoje. Ruy pega, no seu trabalho com o passado, aquilo que o tempo não apaga e que, de algum modo, ajuda a iluminar o presente.

Grandes personagens, como Nelson Rodrigues, Garrincha, Dom Pedro I e Carmen Miranda, são retratos fiéis não só do que fomos, e sim, do que somos como brasileiros no seu melhor e no seu pior. Basta ler as biografias destes escritas pelo Ruy Castro para nos percebermos ali retratados, ali espelhados, neste ou naquele pormenor, sem descurar da singularidade que cada um é portador, em especial, as pessoas especiais que foram biografadas. É como se um potencializador de nossos defeitos e nossas virtudes entre em funcionamento quando se foca estas figuras singulares e brilhantes que viveram em outros tempos no velho e nunca desinteressante Rio de Janeiro.

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Jorge Alberto Benitz é engenheiro e consultor, Porto Alegre, RS