Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Era digital muda conceito de sucesso literário

O livro de suspense pós-apocalíptico Wool, de Hugh Howey, já vendeu mais de meio milhão de exemplares e gerou mais de 5.260 comentários no site da Amazon. Howey já recebeu mais de US$ 1 milhão em royalties e vendeu os direitos para o cinema para Ridley Scott, o diretor do filme Alien. E a Simon & Schuster ainda nem lançou o livro.

Em um negócio raríssimo no setor editorial, a Simon & Schuster comprou os direitos para a publicação impressa de Wool (, em tradução livre), permitindo que Howey conserve os direitos para o livro eletrônico. Em 2011, Howey lançou Wool por conta própria, como romance em capítulos, e adotou uma atitude inusitada ao recusar-se a vender os direitos para a publicação digital. No ano passado, ele rejeitou ofertas de mais de US$ 1 milhão por parte de diversas editoras, até chegar a um acordo com a Simon & Schuster, de mais de US$ 500.000, apenas para o livro impresso.

“Eu já estava ganhando, sozinho, mais de US$ 1 milhão, por isso foi fácil recusar”, diz Howey, de 37 anos, que abandonou a faculdade e trabalhou como capitão de iate, operário da construção e empregado de livraria antes de começar a publicar seus próprios livros. ““Eu pensei: ‘Como vocês vão conseguir vender seis vezes mais do que eu estou vendendo agora?’” É um sinal da grande mudança no equilíbrio do poder em favor dos autores, no novo panorama da publicação digital. No ano passado, os títulos publicados pelos próprios autores compuseram 25% dos livros mais vendidos pela maior varejista on-line do mundo, a Amazon. Quatro autores independentes já venderam mais de um milhão de exemplares para o leitor de livros eletrônicos Kindle, e 23 já venderam mais de 250.000, segundo a Amazon.

Circunstância incomum

Editoras que antes ignoravam os autores independentes agora tentam furiosamente seduzi-los. No ano passado, mais de 60 autores independentes fecharam contratos com editoras tradicionais. Vários ganharam adiantamentos de mais de US$ 1 milhão. Alguns negociaram acordos que lhes permitem continuar a vender livros eletrônicos por conta própria, incluindo autores de livros românticos como Bella Andre e Colleen Hoover, que já venderam mais de um milhão de exemplares cada.

Os acordos que só cobrem o livro impresso continuam raríssimos. Poucos editores querem abdicar do segmento que mais cresce na indústria. Nos EUA, as vendas de livros eletrônicos para adultos, de ficção e não-ficção, cresceram 36% nos primeiros três trimestres de 2012, em comparação com o ano anterior. Em contraste, as vendas de livros em brochura para o mercado de massa encolheram 17% nesse período, e os livros de capa dura caíram 2,4%, segundo relatório recente da Associação Americana de Editores.

Os interessados no setor de publicação vão observar atentamente a experiência de Wool, agora que as vendas começaram nos Estados Unidos. A Simon & Schuster lançou ao mesmo tempo uma edição em brochura e outra em capa dura, competindo diretamente contra a edição digital de Howey. “Teríamos preferido possuir todos os direitos, mas vimos que isso não ia acontecer”, diz o diretor-geral e editor da Simon & Schuster Jonathan Karp. “Foi uma circunstância muito incomum.”

Mais resenhas favoráveis em 2012

Wool se tornou um sucesso viral no fim do ano passado, poucos meses depois que Howey começou a publicar a série em cinco partes na Amazon. O romance se passa em um futuro pós-apocalíptico, onde alguns milhares de seres humanos restantes vivem em um silo subterrâneo gigantesco, de 144 andares. Os casais que querem ter um filho precisam entrar num sorteio; os bilhetes só são distribuídos quando alguém morre. Os cidadãos que infringem a lei são mandados para fora do silo, onde morrem sufocados no ar tóxico. Os que são enviados para morrer são obrigados a limpar a sujeira dos sensores digitais que transmitem imagens granuladas da paisagem em ruínas para uma tela dentro do silo. As imagens se destinam a lembrar aos moradores que o mundo fora do silo é mortal; mas alguns começam a suspeitar que seus líderes estão mentindo sobre o que há lá fora e de que modo o mundo acabou em ruínas.

Wool chegou ao mercado bem quando o setor de entretenimento estava procurando algum outro sucesso com um conceito distópico bem elaborado, tal como Jogos Vorazes, trilogia de Suzanne Collins para jovens adultos, ou o romance pós-apocalíptico de vampiros A passagem, de Justin Cronin.

O formato em série ajudou a criar interesse e expectativa entre leitores compulsivos, que ficavam desesperados para ler a continuação. Ao mesmo tempo, o preço de US$ 0,99 facilitava a compra por impulso de cada capítulo. Wool foi o livro que ganhou mais resenhas favoráveis na Amazon em 2012, com uma classificação média de 4,8 estrelas em um total de cinco. O romance parece interessar tanto homens como mulheres e vem atraindo tanto fãs de ficção científica como o público geral, tal como aconteceu com Jogos Vorazes.

A origem

Howey já demonstrou ser implacável para negociar e muito habilidoso no marketing. Ele enviou cópias gratuitas de Wool para blogueiros e autores de resenhas de livros do Goodreads, site de mídia social para leitores ávidos. Já de início, as resenhas entusiasmadas incentivaram mais gente a dar uma chance ao livro, e os comentários viraram uma bola de neve. Hoje, Wool já tem mais de 12.500 avaliações e cerca de 2.200 resenhas no Goodreads. Howey também incentivou os fãs a produzirem representações artísticas e ficcionais situadas no universo de Wool; seus leitores já criaram capas de livros e escreveram pequenos romances com suas próprias versões da história. Ele recrutou 30 fãs ardorosos para serem leitores “beta”, que revisam, de graça, as primeiras versões de seus livros.

Howey foi criado na zona rural da Carolina do Norte, filho de um agricultor e de uma professora. Na adolescência, devorava livros populares de ficção científica e sempre teve uma imaginação fértil. Ele estudou física e inglês na universidade Charleston College, mas abandonou os estudos no primeiro ano para viajar de barco pelas Bahamas. Trabalhou como capitão de iate, carpinteiro e técnico de uma empresa de áudio e vídeo.

Quatro anos atrás, ele decidiu tentar a vida como escritor. Estava desempregado e tinha uma ideia para um romance sobre um jovem piloto de espaçonave que viaja pela galáxia em busca do pai desaparecido. Ele vendeu o livro, Molly Fyde and the Parsona Rescue, a uma pequena editora do estado americano de Indiana por menos de US$ 1.000. As vendas foram escassas, mas ele continuou tentando. Depois de arranjar um emprego em uma livraria universitária, continuou escrevendo em todas as suas horas livres, de dia ou de noite. Wool começou como um conto, que Howey escreveu rapidamente, em três semanas. Em julho de 2011, ele o colocou à venda na Amazon por US$ 0,99. Em três meses a história já tinha vendido 1.000 cópias. Howey ficou abismado.

Os leitores imploraram por uma continuação, e em novembro Howey lançou a segunda parte. Nesse mês ele vendeu mais de 3.000 cópias. No mês seguinte lançou mais duas partes e vendeu cerca de 10.000 cópias no total. Em janeiro, lançou o capítulo final, por US$ 2,99, e publicou as cinco partes em um só volume, por US$ 5,99. Nesse mês ele vendeu, em conjunto, 23.000 cópias de todas as edições. Wool disparou na lista de best-sellers de ficção científica na Amazon. Howey largou o emprego.

Os agentes literários começaram a cortejá-lo. A maioria queria vender os direitos para as versões impressa e digital pelo lance mais alto. Howey não se interessou. Uma agente, Kristin Nelson, disse que ele não deveria ceder os direitos digitais, mas que ela poderia ajudá-lo a vender os direitos para outros países e para cinema e TV. Ele assinou com ela em janeiro do ano passado, e eles já venderam a série para 24 países. Os direitos para publicação em português foram adquiridos pela editora Intrínseca e o livro deve ser lançado no Brasil em junho.

Nelson também enviou Wool para editoras americanas, e recebeu algumas ofertas de menos de US$ 500.000. Howey recusou. Através da plataforma de autopublicação da Amazon, ele já estava recebendo 70% dos direitos autorais, que lhe davam uns US$ 40.000 por mês. A maioria das editoras oferecem ao autor 10% a 15% do preço de venda de um livro digital.

Nessa época, Howey começou a vender versões de seus livros para os leitores eletrônicos Nook e Kobo, da Barnes & Noble, e também pela loja iTunes, da Apple. Um agente da United Talent Agency começou a oferecer os direitos de filmagem. Três estúdios deram lances pelo livro. Os direitos acabaram ficando com a 20th Century Fox e a produtora de Ridley Scott, diretor dos grandes sucessos de ficção científica Alien e Blade Runner, o Caçador de Androides, que pagaram US$ 500 milhões. O roteirista e diretor independente J. Blakeson está escrevendo o roteiro.

Com esses acordos no bolso, Howey, que nessa época estava ganhando US$ 120 mil por mês, encontrou-se com cinco editores em Nova York. Mas apenas uma reunião correu bem, feita com Karp, o diretor da Simon & Schuster. Howey insistiu em um acordo de coedição, onde ele ficaria com os direitos para versões digitais e a Simon & Schuster com os direitos para livros impressos, em brochura e capa dura. Karp foi evasivo e disse que entraria em contato.

No meio do ano, as vendas digitais de Wool dispararam. Howey continuou a escrever e publicar novos livros por conta própria. Nessa época, a agente dele recebeu um e-mail de Karp, perguntando se ele ainda aceitaria um acordo apenas para os livros impressos.

A Simon & Schuster agora precisa transformar esse sucesso digital (Howey continua vendendo 50.000 versões eletrônicas por mês) em um grande sucesso de vendas como livro impresso tradicional. “Muitas coisas que normalmente nós costumamos ensinar aos autores, Hugh foi esperto o suficiente para fazer sozinho”, diz Richard Rhorer, responsável pelo marketing da Simon & Schuster no exterior. Howey acaba de voltar de uma turnê pela Europa, onde Wool recentemente chegou às listas de best-sellers. Ele começa a se sentir mais como um autor estabelecido. “A indústria editorial está mudando tão rápido que todos nós somos especialistas do mesmo nível”, disse. “Estamos todos tentando desvendá-la.”

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Alexandra Alter, do Wall Street Journal