Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O pesado ônus de uma imprudência

Acompanho há muitos anos o trabalho e a luta árdua deste ilustre jornalista brasileiro Lúcio Flávio Pinto e gostaria de manifestar-me a respeito do desfecho de um de seus processos, noticiado esta semana no site Yahoo, no qual decide interromper o ciclo de recursos a que formalmente teria direito. Quando o Tribunal de Justiça do Estado do Pará decidiu condená-lo a pagar indenização por suposto “dano moral” ao rico empreiteiro que praticou a grilagem de 5 milhões de hectares de terras públicas naquele estado, decerto não imaginava o desfecho surpreendente e inusitado do caso. Após vitoriosa campanha nacional de solidariedade ao jornalista-denunciante conduzida pelo movimento Somos Todos Lúcio Flávio Pinto, que incluiu a arrecadação de fundos no valor da sentença, ele foi até o órgão judiciário, por iniciativa própria, na terça-feira (12/3) e consumou o fato, fazendo o depósito do valor cobrado, em números atualizados: 25 mil reais e uns trocados. O que esperava o tribunal paraense?

Exatamente o contrário. Que ele se mantivesse distante, tomasse outra rota, recorrendo às instâncias superiores na capital federal, como é de praxe, e, ao fazê-lo, livrasse o Tribunal estadual do ônus de sua incômoda e impopular decisão. O gesto grave do jornalista-denunciante, de assumir o pagamento da sentença injusta que lhe foi imposta, nos coloca as seguintes questões: por que o Tribunal tomou uma decisão final favorável ao grileiro, mesmo amparado numa vasta documentação (vindo à tona no Dossiê Jornal Pessoal nº 1: “Grilagem – a pirataria nas terras da Amazônia”, em março de 2012, vendido em bancas de jornais da sua cidade), que comprova de forma irrefutável o ilícito praticado por Cecílio do Rego Almeida e os descaminhos do processo judicial? Por que o Tribunal manteve a decisão, mesmo quando réus no mesmo processo foram absolvidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, onde a ação teve origem? Por que o Tribunal não voltou atrás de sua decisão quando o próprio juiz Amílcar Guimarães, responsável pela sentença, protagonizou um escândalo internacional nas redes sociais, vindo a público desmoralizar a própria instituição, declarando-a não confiável nos seus julgamentos? Por que o Tribunal, quando instado pelo jornalista a executar a sentença, permaneceu inerte?

Consequências nefastas

Minha resposta: o Tribunal de Justiça do Estado do Pará acovardou-se duplamente: tanto perante o crime e o criminoso, quanto perante o próprio réu, que lhe cobrou assumir a sentença condenatória e colocar um ponto final jurídico a um processo kafkiano que já durava mais de 10 anos. Não teve a coragem que se exige de uma instituição de Justiça para contrariar interesses e enfrentar grandes latifundiários, que constituem uma espécie de segundo poder dentro do Estado, com bancada constituída no Congresso Nacional.

Mas se o Tribunal local é desprovido dessa coragem para julgar casos envolvendo poderosos agentes e grupos econômicos, por que assumiu o julgamento do caso? A condenação de um jornalista-denunciante do crime da grilagem – do roubo, melhor dizendo – de terras públicas em extensões colossais, cujo reverso é a absolvição do latifúndio, tem consequências sociais nefastas, gravíssimas, numa região de fronteira – foco de atenção internacional envolvendo a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte em terras ocupadas por indígenas – e num estado campeão nacional de assassinatos de lideranças sindicais e camponeses pobres empurrados para conflitos de terra pela grilagem criminosa. O que têm a dizer os organismos externos de controle do poder judiciário, o Conselho Nacional de Justiça? O que tem a dizer o próprio Ministério da Justiça sobre a injustiça que vitimou o jornalista que nada mais fez que cumprir o seu dever de ofício e de cidadão?

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Théo Carpentier é escritor