Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais vale o prêmio do povo que o dos festivais

Chego ao oitavo andar do complexo empresarial Instituto Tomie Ohtake, avenida Faria Lima, zona oeste de São Paulo. Aquele edifício que é tão lindo, e tão pouco prático. O elevador ‘inteligente’, que burramente nos conduz acima e abaixo. E nos escoiceia, sem remissão, nem sempre no andar certo. Coisas da modernidade.

Quem me recebe é uma senhora sorridente, de cabelos curtos e castanho-avermelhados, de olhos claros, chama-se Leda Madazio, fico sabendo que é prima do Átila. É da família, cosa nostra, como se diz. Gosta de combinar expressões em português e italiano, como boa oriundi. Eu falo, para divertir, em mangiare, bracciola, pizza, nono, amore, gasto todo meu diminuto repertório italiano de cantina. Pergunto sobre a família e a Famiglia. Boa parte dos Francucci teve o tradicional bairro do Brás como segunda Itália. Conheço-o bem, meus avós maternos moraram anos lá, também. E a Famiglia já esteve melhor, obrigado. A conta da Nova Schin foi embora, em setembro do ano passado, e levou consigo meio andar e cerca de 20 dos 50 funcionários. ‘… aquela ingrata que eu amava e que me abandonou…’, cantarolo, mentalmente, O Ébrio, sucesso de Vicente Celestino. Como dizem por aí: o amor sempre acaba em tragédia.

Animo-me, entretanto, com esse ambiente familiar, de móveis de madeira antigos, esse ar de anos cinqüenta, aconchegante, o relógio de pêndulo que oscila amistosamente, o tempo parece de outro tempo, ameno, simples, honesto. E, hoje, lamento ter refreado o ímpeto filial e não mostrado a ela, Leda, o convite do meu casamento, fresquinho na mochila, recém-saído da gráfica. Essa coisa da família também machuca um pouco o meu coração. Já tanta gente se foi, tantas receitas e sabores que se perderam para sempre… Só há banquete do outro lado de lá. Mama, nono, nona, zio, zia. Um esquadrão imbatível na cucina. Uma pena. Mas essa é bem uma outra história.

Átila Francucci, que me receberá em breve em sua sala envidraçada, repleta de miniaturas, está com olheiras muito fundas. Sobreviver na propaganda de hoje, suponho, não deva ser tarefa fácil. A família Corleone, que habita aqui e ali a sede da Famiglia, em imagens, deve provocar riso nas famílias e grupos que mandam hoje no mundo, também na comunicação.

E, italianamente confesso, faltou pouco para chorar, quando Átila me falou de seu pai, Osvaldo Francucci, que não viveu o suficiente para saber exatamente o que o filho fazia, aquilo de ‘reclame’. Osvaldo não viu o ‘Experimenta’. Lamento muito, meus sentimentos.

Átila Francucci põe o coração na boca, vai falar.

***

Vou começar pela campanha que consagrou você, o ‘Experimenta’, para o lançamento da Nova Schin, em 2003. Gostaria que você contasse um pouco da história dessa campanha, como ela foi criada.

Átila Francucci – Ela foi bastante marcante pelo seguinte: até aquela campanha, eu já tinha conquistado vários prêmios, era um cara bastante reconhecido no meio; porém, acho que o publicitário… Vou dar um exemplo claro: meu pai [Osvaldo Francucci], na sua simplicidade, não sabia exatamente o que eu fazia. Naquele momento, inclusive, curiosa, coincidentemente, ele estava no hospital, já na UTI; então ele não viu o ‘Experimenta’. Naquele momento, ele entenderia: ‘Sabe meu filho? Ele faz propaganda. Sabe o `Experimenta´?’. Essa campanha foi muito importante, porque foi muito popular. E eu acho que a capacidade do publicitário deva ser medida menos pela capacidade de ganhar prêmios em festivais internacionais ou locais, porque isso é o reconhecimento do meio, só. Claro que ajuda profissionalmente, é importante. Porém, é muito mais difícil fazer uma campanha popular. Uma campanha que as pessoas saibam desde o bordão até o personagem, que comentem entre si. E aquilo foi uma febre, quer dizer, virou uma palavra que estava em todos os produtos; todos os lançamentos tinham uma coisa como aquela. Ela foi importante porque, efetivamente, foi a primeira, e digo até mais, foi até agora a única campanha da minha carreira que realmente falou com a população como um todo.

Você conseguiu descobrir a chave do sucesso dessa campanha, por que ela foi tão poderosa?

A.F. – Digo sempre que foi uma campanha muito honesta. Ela não tinha adjetivos, o produto era realmente novo, e que tinha uma rejeição muito grande – a antiga Schincariol tinha uma rejeição absoluta, não tinha advogados. Quando ela baixava um centavo, o pessoal comprava mais; quando ela subia, comprava menos. Não existia uma razão para as pessoas desejarem a marca. Como o produto era novo, era uma nova embalagem, um novo nome, e o produto, em teste cego [experimentação de diversas cervejas, sem saber qual a marca de cada uma], se mostrou muito capaz, o que a gente decidiu fazer foi aquele conselho que você dá normalmente para quem rejeita alguma coisa sem antes tê-la experimentado. É um pouco o conselho de mãe. Então a gente imaginou a campanha assim: um cara que experimentasse e gostasse tanto, que começasse a falar com outro para experimentar, e esse outro se juntava a esse e formava uma grande massa de pessoas que, num primeiro momento, jamais colocariam uma cerveja com aquela marca na boca e, tomados pelo sabor dela, formassem uma onda, e essa onda chegasse até a um lugar em que haveria uma rejeição-mor. No caso, era o Zeca Pagodinho, reconhecido por ser um bom bebedor de cerveja. Ela basicamente fala isso. O filme de lançamento, inclusive, começava colocando a cerveja no copo, e o cara que estava sentado à mesa dizia: ‘O que é isso?!’. Não é nem: ‘Ei, que cerveja é essa?’. E o garçom falava: ‘Nova Schin, com um novo sabor. Experimenta’. Era uma campanha muito honesta. Era uma atitude que normalmente as pessoas tomariam. Então ela foi, além de popular, muito efetiva também. Porque o crescimento de share [de mercado], naquele momento, foi gigantesco: a Schin tinha 9% e foi para quase 14% em três meses. Foi um crescimento absurdo no universo da cerveja. A indústria cervejeira, quando cresce 2% de share em um ano, faz festa. Foi uma campanha histórica, que conseguiu agradar a todo mundo. Talvez o único círculo que ela não tenha agradado tanto foi exatamente o dos publicitários criativos, que talvez a achassem babaca demais.

Houve coisas assim?

A.F. – Sim. Aqueles caras que medem sua capacidade criativa pela intensidade dos prêmios, pela sacada brilhante, esses caras normalmente rejeitam um filme como esse, popular. Sabe aqueles caras que estão só de olho no Festival de Cannes? Eles. Nem lembro se esse filme entrou ou não no Anuário do Clube de Criação, mas, se entrou, foi na bacia das almas [não, o filme não entrou no Anuário do Clube de Criação de São Paulo]. O Sérgio Valente, hoje presidente da DM9DDB, foi um dos defensores. De resto, ela foi a campanha do ano, ganhou tudo que era possível, nos meios populares, além do reconhecimento e da efetividade. E é esta a função do publicitário: fazer não que o produto venda mais, mas que a marca seja mais relevante. E, com base nessa relevância para a marca, a conseqüência em vendas. Quer dizer, não é só vender; senão, a gente só fazia promoção. E, no momento em que papai entenderia… Tenho uma imagem muito marcante: ia visitá-lo todos os dias na UTI, a campanha estava explodindo, e a UTI parava para ver o filme ali na tela, e papai já estava no piloto automático. Ele não viu. Ele não pôde vivenciar isso, perguntar: ‘Mas que reclame você bolou?’.

Essa coisa da família, a começar do nome da agência, tem uma importância grande para você? Você é o filho mais velho?

A.F. – Sou o filho mais velho e tenho duas irmãs. Mamãe [Elza Madazio Francucci] nasceu em Piracicaba [interior de São Paulo], papai nasceu em São Paulo, mas ambos são de origem italiana. Meus avós, todos, eram italianos, e, deles, só conheci minha avó materna. Minha infância foi muito em família. A gente tinha festas na casa da vovó históricas.

Aquela comilança.

A.F. – Nossa Senhora! Natal e Ano-novo, as pessoas dormiam espalhadas pela casa, na Vila Guilherme [zona norte de São Paulo]. Tinha a casa da vovó, e tinha também a casa de uma tia e de um primo, que eram na mesma rua. As pessoas se espalhavam pela casa e emendavam uma coisa na outra, um almoço, um jantar, um almoço, um jantar, um café-da-manhã com rabanadas… Era uma coisa gigantesca.

Essa coisa da família é importante, mas o mercado de cerveja é tudo, menos família. É uma voracidade grande. E você virou um especialista nele. Como você analisa a propaganda atual de cerveja? Da Skol, da Kaiser, da Brahma?…

A.F. – Na verdade, a única arena em que o jogo é transparente chama-se mídia. No ponto-de-venda, na distribuição nas grandes redes de supermercado, no bar, o poder de uma grande empresa, como a Ambev, faz com que o produto menor não entre. É uma luta de bastidor que, na verdade, não se define. A única arena em que o jogo é igual, ou seja, custa dez para um e dez para o outro, é a grande mídia. Portanto, a propaganda de cerveja, por exemplo, não tem como função primária fazer as pessoas beberem cerveja. As campanhas são para dizer: ‘Esta é melhor do que esta’; ‘Beba esta em vez de esta’. Não é: ‘Beba mais cerveja’. Na hora em que uma arena como essa começa a ser proibitiva, passa a ser proibida, acabou o jogo.

Explique melhor.

A.F. – Hoje discute-se a proibição da propaganda de cerveja. Essa proibição significa que o status quo será mantido, acabou-se qualquer disputa, vamos dizer, em benefício do consumidor; hoje temos, praticamente, um monopólio, com uma empresa detendo 70% do mercado. Quando você tem 70% do mercado concentrado, como é que vai poder dizer que seu produto é melhor que aquele, se não tiver a única arena em que o jogo é transparente? São 30 segundos para uma e 30 segundos para a outra, dez reais para uma e dez reais para a outra. O preço é igual, tudo é igual. É uma coisa a ser pensada, ou, senão, estabelece-se de cara o monopólio e pronto. Não há como competir.
Em relação às campanhas atuais, o que eu vejo é assim: sou um grande admirador da F/Nazca, das campanhas do Fábio Fernandes para a Skol. Porque ele consegue agradar a todos os públicos. Agrada aos criativos, que dão lá medalha de ouro para ele; agrada ao meu pai, que falava: ‘Que reclame bem bolado’; e agrada ao público que acaba de fazer 18 anos, entra nesse mercado e é seduzido por um conceito interessante. Acho que a Skol foi sempre, de longe, a mais sólida de todas as campanhas. Usar personalidades de uma forma contumaz, nunca fui a favor. À época da Nova Schin, a gente tinha contrato com a Ivete Sangalo, e a usava pontualmente. Ter um artista assim é uma coisa que eu não consigo entender como sendo útil, a longo prazo, para a marca. Mas acho que as campanhas de cerveja caíram bem. Com exceção da Skol, que, hoje, posso até estar enganado, mas tem bastante, ali, não só a mão da agência, mas de todo um corpo de marketing e pesquisa, também, direcionando coisas, pré-testando, conduzindo campanhas. Em relação à Sol e Kaiser. O lançamento da Sol foi um fiasco, ela não tem ainda 1% de share, apesar de ter gastado muito dinheiro. A Kaiser, também. Não é só comunicação, não é? É você poder criar o relacionamento das pessoas com a marca, uma visão simpática, e isso não existe. A Antarctica virou marca de combate, dentro desse cartel. Quando a Nova Schin foi lançada, por exemplo, a Antarctica foi selecionada para brigar com ela, seja em preço, seja em comunicação. Ela é, das três marcas da Ambev, a terceira. Se, amanhã, uma Itaipava da vida começar a crescer, muito provavelmente a marca de combate vai ser a Antarctica. Você olha o market share e é muito claro: Skol passeia pelos 30%, Brahma, pelos 20%, e Antarctica, pelos 10%. A Ambev conseguiu segmentar muito bem, tem uma inteligência de mercado fantástica. Quando a gente lançou a Nova Schin, a idéia era que ela fosse ficar entre Brahma e Skol. Passamos a Antarctica, então o alvo era a Brahma, naquele momento. A Nova Schin tinha uma grande característica, na visão do consumidor: ser uma marca simpática, guerreira. Uma marca em que as pessoas identificavam alguém querendo ocupar o seu espaço de maneira divertida, inteligente, bacana.

Com relação às mulheres: tem crescido, ultimamente, movimento por um tratamento diferente da mulher na propaganda, principalmente de cerveja, que é bastante sexista. Você acha isso tem a ver, mesmo?

A.F. – A gente raramente apelou. Se você vir o nosso histórico, seja na Fischer [a agência Fischer América, de que Átila foi diretor de criação à época do lançamento de Nova Schin], seja na Famiglia, depois que a Nova Schin veio para cá, é raríssimo o uso do corpo da mulher. Mas não porque a gente é santinho, não. É porque a gente cairia na mesmice, na vala comum. Agora, quando a gente fazia a pesquisa de filme nosso em que não tinha nada de mulher pelada, do filme que era o ‘Zé Ruela’. O Zé Ruela era o cara que perguntava para o mestre o que era um Zé Ruela, e ele descobria que o Zé Ruela era ele. Você levava aquilo para a pesquisa, as pessoas diziam: ‘Legal, é diferente, mas sabe o que eu acho? Está faltando um pouco de mulher pelada’. Eram aqueles mesmos caras que reclamam que tem muita apelação. E isso também em grupos de mulheres: ‘Falta mulher, falta praia, falta verão’. Aqueles elementos que eles identificam como sendo o dejá-vu da comunicação do segmento, quando não tem, estranham. É curioso. Porém, eu sempre defendi, com a Nova Schin, que a comunicação devesse ser o oposto do que era feito como mainstream.

O episódio Zeca Pagodinho, Nova Schin, Brahma. Como você avalia aquela polêmica? Eu, inclusive, assisti a uma palestra do Sergio Gordilho [diretor de criação da agência Africa, que detém a conta da Brahma] e ele afirmou o seguinte, para justificar aquele ataque, vou chamá-lo assim, da Brahma ao Zeca: ‘Isto aqui é negócio, não é poesia’. Quer dizer, para ele, valia a abordagem ao Zeca, porque a ética é diferente no negócio.

A.F. – Não é verdade. À época, todas as pessoas começavam dizendo assim: ‘Eticamente, foi um desastre, mas…’. Não tem mas. O que aconteceu foi o seguinte: ele [Zeca Pagodinho] estava sob contrato, era um contrato de exclusividade, e foi lá e rompeu-se um contrato. Para o mercado publicitário, qual é a segurança que um anunciante pode ter amanhã com qualquer artista que ele contrate? Então, não tem nada a ver com poesia, ninguém falou que é poesia, mas a ética nos negócios existe e deve ser praticada. Aquilo foi eticamente condenável. E, quando alguma coisa é eticamente condenável, é ponto final, não há o que mais discutir. Para o segmento inteiro foi um grande mal. Foi ruim para o artista e para ambos os anunciantes. Foi um episódio negro da propaganda.

Você montou a Famiglia em fevereiro de 2006. E conseguiu que a Nova Schin viesse com você. Como foi esse processo de trazer a Nova Schin?

A.F. – Havia algum tempo, tinha o desejo de ter uma estrutura em que tivesse basicamente duas centrais de raciocínio: uma inteligência de negócio e uma inteligência criativa. Um pensamento de negócio, como se houvesse ali uma consultoria; hoje existem consultorias como uma McKinsey da vida, mas o trabalho da McKinsey termina no que ela recomenda; depois, se aquilo, aplicado, der certo ou não, já não é problema dela. O Francisco Petros, que é um dos meus sócios, é economista de renome, um cara holístico, muito ligado à área corporativa, fusões e aquisições, consultoria. Ele era um cara de mercado, nunca foi publicitário. Do outro lado, uma inteligência criativa capaz de entender o momento do negócio e propor idéias criativas. Elas podem ser filmes, anúncios, mas que, de repente, podem ser formato de embalagem, novo produto, mudança de linha de produção. No final de 2005, nós decidimos que era a hora de fazer tal coisa. Então me desliguei da Thompson [Átila era co-presidente da JW Thompson, na área de criação]. A partir desse desligamento, fui procurar aqueles clientes com os quais tinha um relacionamento muito bacana ao longo do tempo, falando: ‘Olha, vou montar uma agência, não sei exatamente quando ela nasce, e ela será nesse formato. Eu adoraria ter um dia um produto do seu portfólio’. E foi assim que fui a Itu [sede da Schincariol], à Polenghi, à Reckitt Benckiser. Todos eles, quando eu mostrava o modelo, eram muito receptivos, e vieram. Quando fui a Itu, pensei que me dariam um novo produto, mas, um dia, o Adriano Schincariol me perguntou: ‘Quanto tempo demora para montar a Famiglia?’. Eu, o Francisco e o Fernando Nobre, o outro sócio criativo, tínhamos imaginado montá-la em três meses. E o Adriano disse: ‘Precisamos de vocês antes’. ‘Quanto tempo?’ ‘Daqui a um mês.’ Aí juntamos tudo que tínhamos e viemos para cá, com meio andar e móveis alugados. Fomos nos capitalizando e montando a agência.

E qual foi o argumento que encantou o Adriano?

A.F. – Nós sempre tivemos uma ligação grande, em termos afetivos. Porque eles sempre creditaram a mim e à equipe de criação que estava lá [na Fischer América] o sucesso da campanha ‘Experimenta’. Cheguei a fazer alguns estudos de outros mercados para ele, de outros produtos, como freelancer. E tinha o lado do modelo, também, um modelo enxuto, era eu quem o atenderia.

Era uma agência dedicada 100% a um cliente?

A.F. – Não, isso seria uma house [uma house agency, estrutura de propaganda dentro do próprio cliente, funcionando como uma verdadeira agência]. O que o atraiu foi o modelo da proximidade, de poder sentar à mesa e falar de problemas, não exatamente de campanhas. Hoje, olhando para trás, na cabeça deles existia o desejo de um ‘Experimenta 2’. Eu, toda vez em que se falava de ‘Experimenta’, ‘Experimenta’, ‘Experimenta’, falava: ‘Gente, esqueça o ´Experimenta´’. Aconteceu ali, era um novo produto, um novo momento, a concorrência não esperava uma coisa como aquela; hoje, o momento é outro, não tem ‘Experimenta 2’. Tem: ‘Vamos crescer de outra forma’. Era um crescimento mais sustentável, mais lento, com idéias diferenciadas não só relacionadas a campanhas. E boa parte disso não se efetivou. Não foi levado à frente. A gente avaliava o momento, via os valores de mídia… Porque o ‘Experimenta’, também, teve uma coisa: foi um dinheiro de mídia pesado. Então eram outros valores, menores, outro momento. Tinha também a entrada de um concorrente que era a Femsa, com muito dinheiro. Tinha uma Petrópolis crescendo, que passava a ser ameaça. Começamos a pensar campanhas, claro, mas também desde políticas regionais até a desenho comercial. Mas, a essa altura, a McKinsey já estava lá, também, fazendo todo esse desenho. A gente gostaria de ter sido muito mais ligado ao negócio, que era o que tinha encantado no primeiro momento. Era você formar um conselho, uma tropa de elite, para poder discutir futuro, idéias. Nesse meio tempo, a empresa também se profissionalizou, com a chegada do atual presidente, o Fernando Terni. E ele trouxe sua equipe, trocou o marketing todo, e eles decidiram, como é de praxe, quando você tem mudança no comando, fazer uma concorrência. Num primeiro momento, a gente nem participaria, não fazia sentido participar de uma concorrência, porque, dia a dia, eu já fazia o que acreditava. Não seria numa concorrência que eu faria algo novo. Mas, por questões contratuais até, a gente participou. O fato era que a gente esperava um relacionamento, uma entrega muito diferente. Se eu te mostrar o que foi feito de embalagem, formatos, rótulos, desde o tradicional até o rompimento total; se eu te mostrar alguns desenhos para políticas regionais de comunicação… Inclusive, mudança de nome.

Você acha que fez a lição de casa certinha?

A.F. – Tenho absoluta certeza disso. E é uma pena, porque eu adoraria ver isso implementado. É evidente que poderia ter dado errado, mas a experiência mostrou que, quando a empresa foi ousada, ganhou muito mais do que quando foi conservadora.

Como é isso do conservadorismo e da ousadia?

A.F. – O conservadorismo, hoje, é o seguinte: eles fazem uma campanhazinha, com um jingle, a Ivete Sangalo em todos os filmes. E é um conceito que não me diz nada [o conceito ‘Pega leve’]. Continuam patrocinando camarote no Rio de Janeiro, na Fórmula 1. É tudo igual, absolutamente tudo igual. Sendo igual, por que o cara que bebe Skol, e está muito bem com ela, vai mudar de cerveja? Só existe uma razão para que alguém mude: é se mostrar diferente em todos os sentidos. Então o maior risco que a gente correria era ser igual, ser conservador. Ser ousado significa ser diferente. A ousadia tem risco? Sim, mas, sendo conservador, tem um risco muito maior de que nada aconteça. E é exatamente o que está acontecendo.

De tudo aquilo que você apresentou ao longo de quase dois anos de relacionamento, qual a idéia que fazia seu olho brilhar, dizer: ‘Isso é demais!’?

A.F. – Não vou poder contar nenhuma. Porque boa parte delas é tão valiosa, que adoraria praticá-las, um dia, com zero sentimento de vingança. Só pelo prazer de ver uma idéia que você considera diferente, ousada, que vai ter repercussão grande, aplicada no dia-a-dia.

Você está atrás desse cliente agora?

A.F. – Como a Nova Schin correspondia a uma parcela importante da nossa receita, houve um ajuste de pessoas [o número de funcionários da Famiglia foi reduzido de 50 para 30; o escritório deixou de ocupar o andar inteiro no elegante Instituto Tomie Ohtake, agora ocupa a metade] e tal. E, desde então [o anúncio oficial da saída da conta da Nova Schin foi feito em 27 de setembro de 2007; a conta foi entregue à Young & Rubicam, de Roberto Justus], ganhamos algumas contas, fomos convidados para as maiores concorrências que aconteceram, como a da Peugeot-Citroën. No mercado de cerveja, nós fomos procurados, sim, e por várias marcas.

Está conversando agora com alguma delas?

A.F. – No momento, não. Mas chegamos a ter conversas com mais de uma marca. Mas, de novo: acredito numa forma de envolvimento da agência em que é muito difícil de ficar restrita ao marketing. Às vezes, você tem uma idéia e tem de levá-la à instância máxima, ao presidente. Não é desrespeitando o marketing, é exatamente o contrário. Acho que as decisões de comunicação, num segmento como esse, são muito importantes. É fundamental que você tenha um trânsito livre, que os faróis estejam verdes. O marketing te entende como um baita parceiro dele, e você tem acesso ao alto comando, porque, senão, as coisas não caminham.

Imagino que esse modo de trabalho deva gerar algumas picuinhas na estrutura de marketing de uma grande empresa, em que tem gerente, subgerente, gerente máster, diretor etc.

A.F. – É isso mesmo. Se você for apresentar uma idéia para o gerente de produto, ele tem poder de falar não, mas não tem poder de falar sim. Então o máximo que pode acontecer é ele falar não. E esse jogo corporativo faz muito mal para a empresa e para a agência. É muito importante, por isso, que o marketing te queira, te deseje como agência, porque, a partir daí, ele sabe que tudo que você propuser vai ser em benefício da marca. Num cliente multinacional, num determinado momento, falei: ‘Não dá mais’. Porque, num cliente assim, o número de idéias interessantes ou, no mínimo, idéias que deveriam ser pensadas de uma maneira mais ampla, mas que morrem num gerente de produto, sem menosprezá-lo, é muito grande. Não é um cara com a capacidade de dizer: ‘Olha, não sei dizer, mas acho que a gente tem que evoluir com isso’. Hoje, com todos os clientes da Famiglia, o relacionamento com o marketing é excelente, e meu relacionamento com os presidentes é direto. Não é que passe por cima de ninguém. A gente acabou de ganhar a conta da construtora Rossi, que passou por um período grande de reformulação, arquitetura de marca e tal. Nós apresentamos tudo para o marketing, e o Rafael Rossi, que é um dos filhos do João Rossi [o presidente], é capaz de me ligar e falar: ‘Tenho um negócio aqui que é a Missão da empresa, e estou achando muito comprida. Dá para colocar numa linguagem mais direta?’. Esse contato, que geraria um briefing e tal, você fala: ‘Manda por e-mail para mim’. O contato direto é importante e não impede que o marketing tenha o seu dia-a-dia juntamente com o dia-a-dia da agência. Você tem lá na agência alguém que seja seu confidente, porque a solidão empresarial hoje é grande. Às vezes o cara quer debater um negócio com você que não tem nada a ver com propaganda. É muito importante que a agência volte a ser o que era, no mercado norte-americano, na década de sessenta. O dono da agência era um cara muito próximo do dono da empresa, eles eram confidentes. O dono da agência era um conselheiro, e seu palpite às vezes contava mais que o do board. A Famiglia tem um pouco disso no seu DNA, também.

Seu posicionamento não é uma saudade, porque você vive isso no dia-a-dia. Mas esse modelo em que você acredita parece mais propício a acontecer numa empresa de médio porte.

A.F. – Eu adoro trabalhar com terceiros colocados. O líder vai ter sempre uma estratégia de defesa. O segundo colocado já está lá. O terceiro ou vai ser o líder dos últimos ou ele vai brigar, vai lá para a frente. É uma questão de opção. Se ele for brigar, precisa mais do que uma agência, precisa de um parceiro de comunicação e negócios. Precisa de alguém que ouse, que possa dizer efetivamente o que pensa, não um jogo de interesses, de meias-palavras, para não irritar o cliente. Não. O terceiro colocado, normalmente, é alguém que não está confortável nessa posição. No pódio, o primeiro e o segundo colocados comemoram sempre; o terceiro, legal, mas ele é o último do pódio. Por pouco ele não foi quarto, por pouco ele nem entrou lá. Esse é um cenário interessante, e acho que a Famiglia tenha mais a contribuir com empresas como essas, por sua forma de pensar e agir, do que com líderes, por exemplo, que podem ser mais conservadores, mais cheios de hierarquias verticais.

Você costuma dizer: ‘Minha trajetória é marcada por experimentações’. Disse agora que gosta dos terceiros colocados, porque pode ousar com eles. Na sua análise, o cliente, hoje, quer arriscar?

A.F. – Não. Eles não querem ousar, eles estão atrás de metas. Por isso acho que quem ousaria é quem tem ambições maiores. O mais ambicioso tende a ser mais alternativo, mais corajoso, de sair de formulinhas prontas. Mas, no geral, parcela grande da atual propaganda brasileira, se não a maior, é do nível das pessoas de marketing. Elas, hoje, saem das FGVs e escolas da vida e não conseguem sair do by the book [do já testado]. O Brasil é um país tão grande, com tanta gente entrando no mercado de consumo, com tanta coisa acontecendo nos vários canais de comunicação, que a comunicação deveria ser, hoje, uma ferramenta fundamental de crescimento. E crescimento não de vendas, porque, com o mercado atual, elas crescem naturalmente. Falo de crescimento de valor de marca. E eles temem, normalmente fazem aquilo que já foi feito.

O que você acha desse bombardeio de splashs [recursos visuais coloridos e destacados], da propaganda tipo Casas Bahia, totalmente informativa, vendedora no mau sentido?

A.F. – A propaganda da Casas Bahia é uma referência de varejo. Nunca comprei na Casas Bahia, você já comprou?

Eu já comprei.

A.F. – A maior parte das pessoas, em algum momento, já comprou na Casas Bahia. Ela fica ali batendo…

Principalmente quando você não tem dinheiro.

A.F. – Ela tem uma função. Quando você pega uma marca como a Nova Schin, ela era infinitamente menor que uma Ambev, e a gente conseguia fazer um barulho muito grande com isso. Então acho que você, sendo repetitivo, se torna chato. Lembro de que, na Thompson, tinha um posicionamento muito bacana: hoje, o que uma agência tem que fazer não é vender produto para o consumidor, tem que comprar o tempo dele. Comprar o tempo do consumidor significa que seu concorrente nem sempre é o cara que fabrica a mesma coisa que você. Sempre uso este exemplo: você fez um baita comercial caríssimo, mas é caríssimo e com gosto de dejá-vu, aquela musiquinha cantando… Aí entra seu comercial no ar: ‘Plá!’. E sua tia está fazendo bolinho de bacalhau, você sentiu o cheirinho do bolinho de bacalhau, ele chegou até a sala. E você: ‘Hum, hum…’. Já foram quinze segundos. ‘É bolinho, é?!’ Você perdeu para um bolinho de bacalhau. O bolinho de bacalhau comprou melhor o tempo daquele cara. E se fosse um comercial absolutamente diferenciado, novo? Com um jeitão que ele nunca viu? Era mais fácil que ele esperasse trinta segundos para dizer o que falou para a tia naquele momento, não desviasse o olho. Estou até fazendo um estudo. Vou mostrar que o conteúdo do discurso do Lula [do presidente Luiz Inácio Lula da Silva] foi o mesmo nas quatro eleições de que ele participou. Só mudou a forma, e foi uma forma vencedora, com todo o mérito ao Duda Mendonça [o publicitário Duda Mendonça, que comandou a campanha de Lula do ponto de vista do marketing]. A eleição do Lula se deu com o mesmo discurso das três vezes em que ele perdeu.

Qual foi a chave da mudança da forma?

A.F. – Foi o ‘Lulinha paz e amor’, saber escolher as palavras, o cenário, o tom de voz. Acho forma muito mais importante que conteúdo, hoje.

Não fica vazio sem um conteúdo bom?

A.F. – Não estou dizendo que o conteúdo não deva existir. O que estou dizendo é que o conteúdo, atualmente, é muito parecido. Se você pegar uma empresa de cerveja que tem um problema e pegar uma empresa de sabonete que tem um problema, normalmente o conteúdo do problema das duas é muito parecido. Ou vão ter problema de distribuição, ou valor de marca… O problema, então, pediria um conteúdo muito parecido para solucioná-lo. O que vai diferenciar? É a forma. Não é que despreze o conteúdo, ele é fundamental. Porém, o mais difícil é encontrar uma forma que mostre que aquele conteúdo é totalmente diferenciado, único. Quando tem um conteúdo único, não precisa de forma. O Google. ‘Ah, o Google nunca faz propaganda’, dizem. Ele, por si só, é uma ferramenta, um conteúdo tão fantástico, que não precisa de forma. Tanto que a forma dele é, inclusive, a mesma. Não muda há dez anos. Você pega uma empresa de consultoria. Eu tenho alguns clientes que acabaram de vir de processo de consultoria. O resultado final do que eles propõem é muito parecido. Vão falar que você precisa ter uma cultura dentro da empresa, que as pessoas têm que vivenciar essa cultura, que tudo que leva a marca tem que respirar tais valores. E quais são esses valores? Todos iguais: simpático, atraente, inovador, friendly. Vou dar outro exemplo. A Guerra Civil Espanhola foi retratada por milhares de formas. Muitas, inclusive, dramáticas, muito bonitas. E o que é que vai ficar para a humanidade? Guernica [a obra-prima de Pablo Picasso, um grande painel em preto-e-branco], que é forma. O conteúdo da guerra gerou várias coisas, mas um cara, um gênio da pintura, retratou-a de tal forma, que ela é o sinônimo da Guerra Civil. Toda a sua dor. Encontrar uma forma única é mais difícil. E o que é o ‘Experimenta’ como conteúdo? Não é diferente do Polishop.

E qual é a forma tão diferente do ‘Experimenta’, então?

A.F. – As pessoas se juntando umas às outras. A gente botou gente famosa que falava o mesmo texto de gente comum. Thiago Lacerda e outros, nenhum deles falava: ‘Eu experimentei e aprovei’. Ele falava o que o ser normal tinha falado. O filme de lançamento teve dois minutos e meio, isso é forma. Outro exemplo: os comerciais de Sony Bravia feitos lá fora, aquelas bolinhas caindo. Entra no final assim: ‘Colour like no other’. É uma assinatura absolutamente convencional: ‘Cor como nenhuma outra’. O cara do Polishop pode falar isso: ‘[Átila imita a narração rápida típica desses vendedores] Cores como nenhuma outra! São mais de oito milhões…’. Sony Bravia encontrou uma forma, uma música, um cenário, um tempo de filme que faz com que as pessoas adorem ver.

Estávamos falando da dificuldade das agências com os clientes, a coisa dos departamentos de marketing, a resistência à novidade etc. Mas você não acha que os criativos das agências têm uma parcela de culpa nessa desconfiança dos clientes, com criações fora do contexto, distantes do real problema?

A.F. – Nunca vi um cliente rejeitar uma idéia ousada, quando ele tem absoluta clareza de que o criativo entendeu o problema dele. Quando você ouve o cara, vê qual é o problema e volta com soluções criativas, esse cara vai dormir tranqüilo. O que acontece, hoje, numa agência multinacional departamentalizada? As instâncias da informação são tão grandes que, às vezes, quando chegam ao criativo, não têm nada a ver com o problema. Cansei de fazer apresentação de campanha e, quando acabava, o cara falava assim: ‘Átila, seguinte: adorei, muito criativa, mas não tem nada a ver com o meu problema’. Então acho que o criativo precisa estar presente no cliente, ouvindo o problema dele, fazendo perguntas.

O criativo, mesmo? Não o planejamento, o atendimento?

A.F. – O criativo também tem que estar lá. E o criativo tem de trabalhar ao lado do cara de planejamento, porque, de novo: chegar ao planejamento do que tem de ser feito não é tão difícil quanto dar forma àquilo a que você chegou como solução. Pensar formas diferenciadas também faz parte do trabalho de um cara de planejamento. O atendimento, que hoje é menosprezado na maior parte das agências, é fundamental no dia-a-dia. O criativo não pode estar todo dia lá, porque tem um desgaste natural. Mas estar lá, para entender o grande problema de uma grande campanha, de um lançamento de produto, é fundamental. Visitar fábrica é fundamental. A gente tem isso: às vezes pega um ônibus e vai conhecer fábrica, como a da Ceratti. Como é que faz uma mortadela? Quais são os processos? Como funciona? Quantas pessoas estão envolvidas? A gente vive o problema, e isso faz com que o cliente tenha confiança maior em receber respostas mais ousadas e diferenciadas. E que não existem por elas mesmas: são mais eficientes, as pessoas vão lembrar mais de você e a possibilidade de gastar menos dinheiro com mídia é maior.

A ousadia vai nascer de uma relação de confiança, então. Mas se você tem relacionamento apenas com o gerente, o gerente do gerente, como é que faz?

A.F. – Não dá. Nas multinacionais, é freqüente não ser assim. Tem as instâncias. Lembro de que, na Thompson, tinha algumas brigas, porque eles tinham o coordenador mundial da marca. Lembro bem da Reckitt Benckiser, porque eu aprovava diretamente com o Michele [Michele Polesel, diretor de marketing da empresa] e o Carlos Trostli [presidente da empresa]. A Thompson tinha um coordenador mundial de Reckitt, que falava: ‘Não, essa campanha, não’. E eu respondia: ‘Você não está entendendo. Meu cliente local Reckitt já aprovou a campanha. Não quero nem saber sua opinião sobre isso. Meu cliente, aqui, está felicíssimo. Faz o seguinte: liga você para o presidente da Reckitt daqui, falando que você, coordenador mundial, não gostou da campanha, ou acha que a campanha está fora do roteiro’. Claro que ele não ligava.

Essa mundialização das marcas, a globalização, dificultou muito para a propaganda brasileira, não dificultou?

A.F. – Muito. Quem soube lidar muito bem com isso foi a Argentina, que faz trabalhos fantásticos para a Unilever e para a Coca-Cola, e que não passa por esses comitês internacionais.

Coca-Cola, no Brasil, tem que passar.

A.F. – Passa pela mídia. Boa parte das coisas que passam aqui da Coca-Cola foram criadas por uma agência pequenininha chamada Santo, de Buenos Aires. A McCann Erickson é a agência da Coca-Cola, ela autoriza mídia e faz adaptação de campanhas. Também tem a argentina Vega Olmos Ponce, que cria para a Unilever e faz para o resto do mundo. Foram agências que conseguiram ter esse canal com quem realmente decide.

Na globalização, com esse alinhamento mundial de marca, como fica o conteúdo? Não é necessário que se faça também adaptação para o Brasil? Um comercial não precisa ter a cara do Brasil, uma história daqui?

A.F. – Claro que tem. O Brasil já é particular, porque são vários Brasis. Na globalização, o que acontece: um filme bom, de qualidade criativa, vai funcionar em qualquer lugar do mundo. Normalmente não é o que acontece, quando você globaliza. Você globaliza o mediano, o que funcionaria em qualquer lugar. Você pega um filme de Sony Bravia, vencedor de Cannes, vai funcionar aqui? Vai. As pessoas vão entender, vão achar demais. Um filme criativo funciona em qualquer lugar do mundo. O problema é que, quando se tem a globalização nessas empresas mais cartesianas em marketing, globalizam o médio. Não vai dar errado, porque a propaganda é tão útil, que até a ruim funciona. Só que a boa funciona elevada à enésima potência.

Você falou de a propaganda ser útil. Ela realmente tem uma utilidade?

A.F. – Hoje, a função da comunicação é não parecer comunicação. Quanto mais entretenimento parecer, mais diversão, mais bate-papo ela for, mais ela cumprirá sua função. O.k., o Brasil ainda é um país pobre e boa parte das pessoas acredita que a Gisele Bündchen usa Nivea, que ela compra roupas na C&A, e eu acho que ela não usa Nivea nem veste C&A. Acredito que vai chegar uma fase em que, mesmo num país como o nosso, isso não vai ter credibilidade. Quanto mais gostoso for seu bate-papo, quanto mais poesia, aí, sim, existir, mais fácil de falar ao coração, não ao cérebro. Porque o cérebro é leviano, te descarta com uma rapidez enorme. O coração, não; ele é lugar de poucas coisas. Normalmente é um amor; e, quando acaba esse amor, é substituído por outro, mas é um. Com as marcas acontece a mesma coisa. Falar ao coração significa emocionar, inclusive entretendo, fazendo as pessoas sorrirem.

E dá para fazer propaganda só com criatividade, sem fazer lobby?

A.F. – Cara, vou te falar… É aí que a gente apanha. O relacionamento sempre foi importante. Mas tem o relacionamento sem aspas, e o relacionamento com aspas. Relacionamento sem aspas a gente tenta fazer; relacionamento com aspas a gente não sabe fazer. Mas é um segmento que ainda valoriza muito o que é feito, o trabalho em si, porque eu contrato gente pelo que elas fazem. Existe uma valorização do trabalho final: ‘Quem fez tal coisa?’. De caras que nem te conhecem, às vezes. O trabalho ainda abre portas. Mas, hoje, existe muita gente que ganha muita conta mais na base do ‘relacionamento’ do que do trabalho.

E entrega propaganda medíocre.

A.F. – É o que normalmente acontece.

Depois que você trouxe a conta da Nova Schin para cá, o Eduardo Fischer [dono da Fischer América] ficou uma fera e andou falando muito mal de você.

A.F. – Eticamente, eu fui impecável, e ele, eticamente, não foi. Disse muita coisa sobre a agência [Famiglia], muita coisa; sei disso porque pessoas depois me contaram. Foi bastante deselegante, porque eram mentiras. É muito ruim ir a um lugar para falar o que você não é. Quando nasceu a Famiglia, tive de contar que não era uma house da Schincariol, tinha que levar meu contrato mostrando. Não cometi nenhum deslize ético, nenhum. Seja pela forma como eu ganhei a conta, seja pela forma como eu fui remunerado, que essa é outra prática bastante comum no mercado: você sai e se prostitui, e eu fui muito bem remunerado para trabalhar para a Nova Schin, inclusive, mais bem remunerado que era a outra agência. As contas entram e saem. Eu perdi Nova Schin, e só lamento do que não pude fazer. Em nenhum momento falei que foi isso ou aquilo, em nenhum momento espalhei boato. E tudo que ele [Eduardo Fischer] fez foi isso. Lamento bastante, porque foi a atitude de um mau perdedor. Deveria dizer, no mínimo: ‘Perdemos a conta, lamentamos, desejamos boa sorte ao anunciante’. Não precisava falar nada de mim. Nem bem nem mal. Mas ele andou espalhando um monte de inverdades. E como nunca foi diretamente, não poderia, por exemplo, chegar e falar assim: ‘O que você está falando é ofensivo e passível de calúnia’. É triste, é ruim. De novo: é um mau perdedor. E vou te falar: foi exclusivamente essa pessoa, porque pessoas lá de dentro [Fischer América]… O Fadiga [Antonio Fadiga, presidente da Fischer América], por exemplo, foi um gentleman. Um cara muito elegante, seja quando a conta saiu de lá, seja quando ela saiu daqui. O Cláudio Venâncio [vice-presidente de mídia], ‘elegantérrimo’, bacana, correto.

Como você enxerga o mercado publicitário, hoje?

A.F. – Ele vive uma transformação. As agências têm que se valorizar ainda mais. Justamente por esse discurso da forma. Hoje, a idéia de um novo formato de produto não pode ser remunerada como sendo a de uma embalagem. Vai mudar a forma como as agências trabalham e são remuneradas. Inclusive para mais, acho que elas vão ser mais valorizadas. As funções de algumas pessoas vão ser repensadas, também. Hoje, acho que o raciocínio de mídia, em termos de planejamento, vive uma fase importante. Fala-se em canais de comunicação. Qual é exatamente o profissional capaz de entender onde encontro esse consumidor, para falar com ele? E o criativo se tornará, cada vez mais, um solucionador de problemas, buscando formas inusitadas para conteúdos. Antigamente, você ficava horas para fazer um título de anúncio; não sei se o cara tem mais que fazer aquilo, ou se vai visitar linha de produção. Pensar outra coisa. Tem Internet, um período de transformação. Lá fora já existem alguns exemplos. As agências estão diminuindo de tamanho, mas voltando às origens. Passam a ter mais artesãos, mais pensadores, pensamento holístico de verdade, e menos intermediação e agenciamento.

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Jornalista