Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De onde vem o dinheiro que mantém o jornal?

Uma das preocupações da matéria da edição passada sobre o funcionamento da empresa Delta Publicidade, que edita o jornal O Liberal, foi o de mostrar como acontece o seu fluxo de caixa, seguindo três roteiros explicativos (ver “Números da farsa“).

A primeira demonstração foi dividida em duas partes: a primeira, mostra como se portou o fluxo de caixa; se ele foi positivo ou negativo, e qual a razão disso. A segunda parte mostra como foi coberto o saldo do fluxo de caixa negativo (se o fluxo fosse positivo, a segunda parte mostraria o que foi feito desse saldo).

Acontece que, por uma questão de edição do jornal, saiu apenas a segunda parte do fluxo, ou seja, apenas a parte que mostra como foi coberto o saldo negativo, sem antes ter mostrado como esse saldo negativo foi gerado.
Apesar dessa lacuna, foi mantido o comentário de que esse é o modo mais completo de se demonstrar a geração de caixa, porque ele “conta toda a história, não deixa nada de fora. Mostra se, no exercício examinado, a geração de caixa foi positiva ou negativa. Se negativa, e tendo sido coberta, mostra como se deu essa cobertura. Enfim, não deixa pergunta sem resposta”.
Em virtude da supressão do quadro, deixou-se de contar toda a história. Contou-se, apenas, a metade dela. No caso, a segunda metade. Por isso, publico desta vez as três formas de demonstrar o fluxo de caixa de Delta Publicidade, lamentando que a empresa não tenha publicado ainda os balanços de 2010 e 2011 (o de 2012 também já podia estar sendo divulgado).

Quem quiser fazer uma pesquisa nos exemplares do Diário Oficial atrás dos balanços de Delta Publicidade vai enfrentar muitas dificuldades para localizá-los. A empresa não tem um padrão de publicação, como costumam ter as sociedades anônimas, divulgando suas demonstrações financeiras ao longo do primeiro semestre do ano seguinte ao do exercício vencido. O balanço de 2009 da firma dos Maiorana só foi publicado em julho de 2011, com mais de dois anos e meio de atraso. O de 2006 só foi publicado em 2008. O menor atraso de publicação foi ficou com o balanço de 2007, que saiu em setembro de 2008.

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Delta Publicidade

DEMONSTRAÇÃO DO FLUXO DE CAIXA EM 2009 (Em R$ 1.000,00)

I – Demonstração Analítica

GERAÇÃO DE CAIXA EM 2009
1 – Geração Bruta de Caixa em 2009  52.194
 1.1 – Receita Operacional Bruta  47.814  
 1.2 – Resultado Financeiro Líquido (Receita – Despesa)  4.410  
 1.3 – Outros Resultados Operacionais – 30  
2 – Custos, Despesas e Tributos    53.712
 2.1 – Impostos e Contribuições Sobre Vendas  1.745  
 2.2 – Custo Bruto dos Serviços  35.195  
 2.3 – Despesas Operacionais  16.709  
 2.4 – Imposto de Renda e CSLL  63  
3 – Geração de Caixa menos Custos, Despesas e Tributos ( 1 – 2 = 3 )   (1.518)
4 – Desembolsos na Formação do Ativo (variação de 2008 para 2009)   3.822
 4.1 – Clientes  1.514  
 4.2 – Estoques  321  
 4.3 – Outras Contas  1.242  
 4.4 – Realizável a Longo Prazo  4.458  
 4.5 – Investimentos  –  
 4.6 – Imobilizado – 3.850  
 4.7 – Intangível  137  
5 – Geração Líquida de Caixa em 2009 ( 3 – 4 = 5 ) (NEGATIVA) – 5.340

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Financiamento da Geração Negativa de Caixa em 2009
1 – Aumento no Passivo Circulante    1.802
 1.1 – Saldo em 2009  30.046  
 1.2 – ( – ) Saldo em 2008  28.244  
2 – Aumento do Exigível a Longo Prazo    1.981
 2.1 – Saldo em 2009  101.047  
 2.2 – ( – ) Saldo em 2008  99.066  
3 – Mobilização do Dinheiro em Caixa    1.253
 3.1 – Saldo em 2008  17.507  
 3.2 – ( – ) Saldo em 2009  16.254  
4 – Ajustes de Exercícios Anteriores    304
SOMA    5.340
 

 

II – DEMONSTRAÇÃO SIMPLIFICADA

 

SALDO DE CAIXA EM 2008  17.507
Receita em 2009  52.194
TOTAL DOS RECURSOS DISPONÍVEIS EM 2009  69.701
( – ) Custo, despesa e tributos em 2009 – 53.712
SALDO 1  15.989
( – ) Gastos com a Formação de Ativos em 2009 – 3.822
SALDO 2  12.167
( + ) Aumento do Endividamento de Curto Prazo  1.802
( + ) Endividamento de Longo Prazo  1.981
SOMA  15.950
Ajustes de Exercícios Anteriores  304
SALDO DE CAIXA (ATIVO DISPONÍVEL) EM 2009  16.254
Como a designação indica, é a demonstração mais sucinta. Sua principal desvantagem é a de não expor claramente qual foi o desempenho no exercício examinado. A geração de caixa foi positiva ou negativa? Se negativa, foi coberta ou ficou a descoberto? Tendo sido coberta, como isso foi feito?

 

III – DEMONSTRAÇÃO BALANCEADA

 

INGRESSO DE RECURSOS SAÍDA DE RECURSOS
Receita Bruta em 2009 52.194 Custo, Despesa e Tributo em 2009 53.712
Aumento do Exigível de Curto Prazo 1.802 Gasto com Aumento do Ativo 3.822
Aumento do Exigível de Longo Prazo 1.981    
Ajustes de Exercícios Anteriores 304    
Subsoma 56.281 Subsoma 57.534
Saldo Financeiro de 2008 17.507 Saldo Financeiro de 2009 16.254
SOMA 73.788 SOMA 73.788

 

Este tipo de demonstração é mais usado na Administração Pública, sob a designação de “Balanço Financeiro”. Quase sempre os leigos em contabilidade dizem não entender essa demonstração, o que é compreensível. Essa demonstração é fechada com uma “soma de balanceamento”, contendo um valor (no caso, 73.788) que não existe em lugar nenhum. Considero Todos os volumes expostos em toda e qualquer demonstração contábil deveriam constar diretamente nos registros ou em outras demonstrações. Caso isso não seja possível, deve a demonstração dispor de indicação do modo como esses valores podem ser encontrados, por meio de cálculos diretos em outras demonstrações. Não é esse o caso acima…

O que aconteceu?

Em 2009, foi negativa a geração de caixa da Delta Publicidade.

Já na cobertura dos custos, das despesas e dos tributos, o fluxo de caixa de 2009 se revelou negativo em R$ 1,5 milhão.

Acontece que, em 2009, a empresa ainda aplicou R$ 3,8 milhões na formação de estoque, na concessão de créditos a clientes e em outros valores realizáveis (adiantamentos a proprietários, p.ex.). Disso resultou uma geração líquida negativa de caixa no valor de R$ 5,3 milhões.

A empresa cobriu esse vazio recorrendo, basicamente, a três fontes de recursos:

a –o próprio caixa da empresa, que havia encerrado o ano anterior com uma disponibilidade total de R$ 17,5 milhões, e que, tendo cedido R$ 1,3 milhão para cobertura da geração negativa de caixa em 2009, encerrou esse ano com o saldo de R$ 16,2 milhões;

b –o aumento do endividamento de curto prazo em R$ 1,8 milhão;

c –o aumento do endividamento de longo prazo em R$ 1,9 milhão;

d –um “ajuste de exercícios anteriores” de R$ 304 mil, cuja origem a empresa não explicou.

A demonstração do fluxo de caixa não tem nada a ver com o EBITDA (Earning Before Interests, Taxes, Depreciation and Amortization), ou, em português, LAJIDA (Lucro Antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização).

Como o próprio nome indica, o EBITDA procura determinar qual o lucro que a empresa teria, expurgados os juros, os impostos, a depreciação e a amortização.

Ou seja, o EBITDA avalia o potencial da empresa que investiu pesado, e por alavancagem (endividamento), em capacidade instalada. Olhando o EBITDA, dá para projetar o que essa empresa será, e qual o seu potencial de lucro, assim que ela se livrar do pagamento dos empréstimos que contraiu, para investir em sua capacidade instalada.

Como a Delta Publicidade nunca apresenta lucro, não tem sentido calcular o EBITDA dela. O que tem sentido, sobretudo para quem possui o dever legal de apurar o fato, é como uma empresa desse porte se mantém por tanto tempo dando sempre prejuízo. Mais uma vez cabe fazer a pergunta: de onde vem esse dinheiro? Analisando-se os balanços da empresa dos Maiorana e supondo que ele é a tradução contábil das atividades da firma, não se tem uma resposta válida. Cabe a quem de direito ir atrás da resposta verdadeira.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)