O corte de investimentos em reportagem nos Estados Unidos está afastando o público do noticiário, seja ele na TV, nas revistas, nos jornais ou nos sites, conclui um estudo anual publicado na segunda-feira (18/3) pelo Projeto de Excelência em Jornalismo do Centro de Pesquisa Pew.
Segundo o relatório “O Estado da Mídia em 2013” (ver aqui, em inglês), as Redações de jornais no país cortaram seus quadros de funcionários em 30% entre 2000 e 2012. É a primeira vez, desde 1978, que os jornais dos EUA têm menos que 40 mil profissionais, estima o Pew.
As redes de TV também diluíram o investimento em reportagens aprofundadas. Há quatro anos, esse tipo de material ocupava metade do tempo na rede CNN, um dos principais canais noticiosos do país. Hoje, de cada quatro minutos de notícias, só um tem esse perfil.
A queda de investimentos refletiu na qualidade do conteúdo e não passou despercebida ao público, alerta o Pew.
“Tudo isso resulta em uma indústria [de mídia] que tem menos pessoal e menos preparação para descobrir notícias novas, cavar mais a fundo aquelas que já emergiram ou questionar a informação que entrega”, diz o relatório.
“Nossa pesquisa de opinião para esse relatório mostra que o público nota: quase um terço dos participantes, ou 31%, desistiu de acompanhar um veículo porque ele não fornecia mais as informações às quais as pessoas se acostumaram a receber.”
São os mais velhos que mais abandonam o noticiário, mostra a enquete para a qual foram ouvidas 2.009 pessoas e que tem margem de erro de 2,5 pontos percentuais: entre aqueles acima de 65 anos, o índice chega a 36%, ante 27% dos de até 29.
Paywall
O estudo mostra, porém, que parte dos conglomerados elevou o lucro em 2012.
A melhora veio sobretudo da implementação do “paywall poroso” (a cobrança para ler mais do que um certo número de textos por mês, como faz a Folha), adotada por 450 jornais no país.
Mas os mais bem-sucedidos, ressalta o Pew, são os que mantiveram o investimento na equipe, como o New York Times.
A má qualidade não é o único problema visto pelo Pew. O estudo questiona a credibilidade de Redações com menos investimentos, enquanto profissionais demitidos de jornais e TVs se tornam cada vez mais cobiçados por empresas, políticos e outros grupos interessados em promover seu nome e ideias.
“O esforço de instituições políticas e corporativas para pôr sua mensagem no noticiário não é novo”, pondera o relatório. “O que mudou é que as organizações jornalísticas são menos capazes de questionar o que vem delas.”
O exemplo mais agudo citado pelo Pew é o da revista Forbes, que usa o serviço da agência Narrative Science para produzir textos por meio de algoritmos (fórmulas matemáticas ou lógicas).
Nesse modelo, um programa de computador é alimentado por dados preestabelecidos por um editor e os organiza, sozinho, em forma de narrativa. Sem repórteres.
Circulação de jornais se recupera
Apesar das conclusões sombrias, o relatório do Pew aponta melhorias no cenário.
Após uma década em queda, a circulação dos jornais na semana ficou estável em 2012 (oscilou 0,2% para baixo), em 44,3 milhões de exemplares/dia, e subiu 0,6% no domingo, para 48,8 milhões, estima o Instituto Poynter.
Já o tráfego on-line para os 25 principais sites de notícias dos Estados Unidos ganhou impulso de celulares e tablets e subiu 7,2%, segundo a ComScore, consultoria que mede audiência. (LC)
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Protagonistas da informação passam a controlar mensagem
Nelson de Sá
A principal conclusão do Pew é que os cortes de cobertura – e de jornalistas – na imprensa e na TV, nos Estados Unidos, explicam a fuga de quase um terço dos leitores e telespectadores. Como caiu a [qualidade da] informação, foram buscá-la em outras partes.
Por outras partes, entendam-se os governos, as corporações e outros, hoje adeptos da comunicação direta. Sem escrutínio, os protagonistas controlam cada vez mais a mensagem.
Nos Estados Unidos, assim como no Brasil, já existem Redações de relações públicas com mais profissionais do que Redações de jornais e televisões.
Segundo o relatório comandado por Amy Mitchell, os protagonistas não só estão produzindo mais, diretamente, como “estão tendo mais sucesso na transmissão de sua mensagem à narrativa tradicional da mídia”.
Na eleição presidencial de 2012, dois terços dos relatos sobre a personalidade e a biografia dos candidatos, na mídia, nasceram nas campanhas. Três eleições atrás, a maioria tinha por origem os jornalistas.
No fim do ano, a Vanity Fair, após oito meses ouvindo Obama e outros para um perfil, admitiu ter aceito a exigência de ter as declarações aprovadas pela Casa Branca, antes da publicação.
Outro dado esclarece a transferência de poder: em 2012, para cada dólar de publicidade conquistado on-line, perderam-se US$ 16 em papel.
Daí os cortes de cobertura e a corrida por outras fontes de receita, como o chamado paywall (muro de pagamento). Segundo o Pew, um terço dos diários americanos já cobrava pelo acesso on-line no fim de 2012.
E ontem [segunda, 18/3] mesmo o último dos grandes jornais americanos a resistir ao paywall, o Washington Post, anunciou que vai erguer o seu até a metade deste ano.
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Luciana Coelho, da Folha de S.Paulo, em Washington; Nelson de Sá é colunista da Folha