O jornalista Lino Bocchini teve seu blog de sátira “Falha de S. Paulo” retirado do ar pela Justiça a pedido do jornal Folha de S.Paulo. Hoje ele mantém o blog “Desculpe a Nossa Falha” em substituição à página censurada.
Você travou uma disputa judicial com a Folha de S.Pauloe perdeu em segunda instância. Como você avalia a luta contra um grande grupo de comunicação?
Lino Bocchini – É uma disputa que começou desde que o site foi ao ar, pois ele foi criado exatamente para criticar a hipocrisia do jornal que afirma que não tem lado, que é imparcial, que é apartidário e não é bem assim. Você tem um dos maiores escritórios de advocacia do Brasil do lado deles e nós só contamos com apoio informal. Não é uma briga fácil, mas todos estão entendendo que é uma questão que, pelo ineditismo, acaba tendo impacto no coletivo.
Você acha que a Justiça exerce algum tipo de censura contra veículos, blogs ou jornalistas?
L.B. – Eu não vou responsabilizar diretamente a Justiça, mas há uma posição mais conservadora dos juízes. No nosso caso, a disputa desde o começo até agora era de interpretações ligadas ao Direito de Marca ou à questões comerciais e, do nosso lado, o que embasou a nossa defesa, era o atentado à liberdade de expressão. Entre dar uma interpretação comercial ou relativa a propriedade ou dar um ganho de causa mais ligado a liberdade de expressão, os juízes optaram pela questão proprietária, comercial.
O seu advogado de defesa alegou que existiu cerceamento à liberdade de expressão. Você acha que isso aconteceu ?
L.B. – Eu acho que sim. Porque, é claro, não estou impedido de falar. Estou aqui falando com vocês, tenho outro site, mas o ponto é o seguinte: eu não posso mais usar o domínio. Tem uma liminar que diz para não usarmos a marca Falha de S.Paulo sob pena de multa de R$ 1.000,00 por dia. Então, eu acho que a censura que acontece não é no sentido de que estou impedido de falar. Afinal, a grande sacada do Falha de S. Paulo era o nome, o domínio e tudo mais. Inclusive, nosso advogado fala isso, que a caracterização da paródia não era só pelo conteúdo e também pelo domínio, pelo logotipo, pelo nome. Então, na hora em que tudo isso está impedido, é claro o cerceamento à liberdade de expressão.
Como você analisa a questão do Marco Regulatório e da Liberdade de Imprensa e do Direito de Resposta. Porque a Folhanão publicou nada sobre a ação contra você?
L.B. – Na verdade, eles publicaram. Porém, com um erro grave no título que não é um erro conceitual ou de interpretação. Era erro de informação. O título era assim: “TJ São Paulo mantém veto a site de paródia que usava o domínio da Folha”. A gente não usava o domínio da Folha, até porque isso seria impossível, a não ser que fôssemos os maiores hackers do mundo. Nós usávamos o domínio da Falha, ou seja, o título estava errado. Eu até mandei uma carta simpática, sem adjetivar nada, para a Carta ao Leitor com cópia para o ombudsman e fui ignorado. Eles não fizeram a retificação, sendo que havia um erro de informação claro. Sobre a questão da legislação, eu acho o seguinte: para a mídia impressa, eu não acho que a Folha tenha que ser impedida de fazer o que ela está fazendo. Eu acho ótimo que ela possa fazer, que eles possam noticiar tudo o que quiserem, escrever na forma que eles quiserem. Mas eu quero esse mesmo direito para mim. No caso de Rádio e Televisão, o papo é completamente outro. A gente está falando de concessões públicas. Não é a casa da mãe Joana. As concessões, como o próprio nome diz, são públicas. Então, precisaria ter um processo melhor de distribuição, uma discussão muito mais ampla, enfim, muita coisa precisaria ser mudada. Quanto ao que não é concessão pública, revistas, jornais etc, eu acho que tem que parar com essa história de que os jornalistas estão acima do bem e do mal, que as empresas de comunicação estão acima do bem e do mal. Eles não podem ter um tratamento diferenciado ou algo do tipo e não é possível que o debate seja interditado porque a qualquer momento ou qualquer coisa que você quer debater vem William Bonner ler o editorial falando que está havendo um atentado à liberdade de expressão. E vem a SIP fazer congresso num hotel cinco estrelas da Paulista, com empresários da América Latina inteira dizendo que a liberdade de expressão empresarial está ameaçada. Isso é ridículo. Não está ameaçada, tirando casos extremamente pontuais como determinadas afirmações sobre o filho do Sarney que o Estadão não pode por um tempo divulgar. Enfim, a liberdade de expressão deles não está ameaçada. Se a de alguém está ameaçada é a dos peixes pequenos.
Você acha que o Falha de S. Paulo sofreu muito preconceito, inclusive dos jornalistas, e foi tratada como uma espécie de “molecagem” pelos juízes?
L.B. – Só para limpar a barra dos meus colegas de profissão, eu recebi, mesmo que em privado, a solidariedade de muitos jornalistas, inclusive da Folha e de diversos outros veículos. Até porque eu tenho vários amigos na Folha, no Estadão, como todos os jornalistas têm. Mas o ponto é que, pela natureza do blog ser uma coisa satírica e bem humorada, sempre tem um pano de fundo que era tratado como “molecagem” e isso, esse pano de fundo, é posto até no tom que os desembargadores lêem a sentença. Parece que existe um prazer em reprimir a “molecagem” que estava sendo feita contra uma empresa de reputação ilibada. Hoje nós tomamos cuidados e também para deixar claro que não existe molecagem nenhuma. É uma questão de argumentos, de bom senso e de justiça. Acho que isso é uma tentativa de desqualificar o discurso, porque não é molecagem. É uma crítica muito séria, mas feita de uma forma bem humorada. Senão, a vida fica muito chata (risos).
Você mesmo foi funcionário da Folha de S. Paulo?
L.B. – Trabalhei na Folha da Tarde e no Agora São Paulo, além das editoras Abril e Trip. Como eu brinco, sei como a salsicha é feita, enfim. (risos).