Quem já estudou o mínimo da Teoria Literária, já teve contato, certamente, com a famosa oposição entre a forma e o conteúdo. Quem não o fez, no entanto, vai entender, talvez até melhor, este texto. Aliás, acho até que não seja uma questão de entendimento. Dizem que “contra fatos não há argumentos”. Seja na forma argumentativa com conteúdo de desabafo, ou como quiserem interpretar, basta que seja lido. É sobre a imprensa, é sobre o jornalismo, é sobre a engrenagem que está por trás disso tudo, funcionando em um porão repleto de teias de aranha, chamado… mercado de trabalho (brasileiro).
Vai parecer texto de curriculum vitae e é mesmo. Sou jornalista formada pela Cásper Líbero, com experiência em Telejornalismo, Comunicação Digital, Assessoria de Imprensa, reticências. Não é só. Mas só isso é levado em conta, ou nem isso.
Ingressei no curso de Jornalismo aos 17 anos (tenho 21). Desde que aprendi a escutar, ouvia de meus pais que o estudo é tudo (que ironia o som das palavras, tão próximo). Fui incentivada a estudar com afinco e há quem diga que deveria ter escolhido profissão mais digna, já que “estudei tanto”. A esses, só tenho a dizer que a dignidade, a meu ver, é lutar por aquilo em que se acredita. Admito aos próprios, entretanto, que a luta está cada vez mais difícil. Mas qual é a luta sem dificuldades?
Diploma e mercado de trabalho
Enfim, estudei, tirei boas notas no colégio, fiz cursinho, passei na faculdade, tirei boas notas na faculdade, fiz estágios desde o primeiro ano do curso, fiz iniciação científica, fiz, fiz, fiz. Acho até que nunca usei tanto o verbo “fazer”. Fiz coisas que tive vontade, outras que não tive, mas fiz porque “tinha que fazer”. Fiz o famigerado “tudo certinho”, também. E agora, o que estou fazendo? Estou procurando emprego.
Agora, vou tirar daqui um pouco de “eu” e falar não só por mim porque se fosse só por mim eu não seria jornalista, não estaria escrevendo para todo e qualquer um, não estaria pu-bli-can-do. Sei separar sílabas, é um diferencial? Publishing. E tenho inglês avançado, vejam só! O fato é que muitos colegas, que estudaram comigo ou que nem conheço, estão na mesma situação. Não acho que isso se deva àquela entidade fantasmagórica chamada “concorrência”. Fosse assim, muita gente boa estaria empregada por critérios de desempate em processos seletivos. E quando eu digo boa, leia-se: boa no que faz. Porque quem se importa com bons corações, boas atitudes, boas ideias, boa aparência? Há de ser apenas bom no que faz, não? Não. Pelo visto, não. Ser bom no que faz é o que menos importa.
Está havendo uma tendência em se valorizar sobremaneira os estágios profissionais. E desvalorizar o estagiário enquanto estagiário, vejam só, que ironia! O fato é que vivemos em um país onde se acredita que ter um diploma de curso superior nos torna aptos a ingressarmos no mercado de trabalho, tão somente. Não somos incentivados a estudar na faculdade: somos praticamente obrigados a aprender, durante esta fase, qualquer coisa que nos sirva para conseguir um estágio.
Sem conteúdo nem forma(ção)
E quando você finalmente consegue um, dois, três, quatro estágios e então conclui o curso, seu possível empregador observa quase que apenas os nomes das empresas por onde passou. Pede que você resuma sua “trajetória profissional” (risos), mas quando você começa a contar tudo o que sabe fazer, tem a fala silenciada por uma bufada ou qualquer próxima pergunta mais importante. Voltando a meu caso, tem funcionado praticamente assim: por ironia do destino, falta de oportunidade ou ambos, não cheguei a estagiar em veículo impresso. Neste caso, meu currículo é ceifado em processos seletivos para vagas neste segmento, porque o fato de meu curso ter sido quase que totalmente baseado em ensinar o futuro jornalista a fazer jornalismo impresso não importa naquele momento. Não importa o que você escreve ou como escreve, mas se você já pu-bli-cou. E onde.
Em suma, o jornalista recém-formado disponível para o mercado de trabalho é a imagem – esta, que vale mais do que mil palavras – do futuro do jornalismo. Do jornalismo cujas cabeças pensantes, formadoras e detentoras de opinião, não têm vez se forem “só” isso: pensantes. Do jornalismo no qual não adianta ter passado quatro anos dedicando-se a um curso superior se você “apenas” se dedicar, mesmo, a este curso. Do jornalismo no qual a única dedicação que tem valor é a dedicação aos estágios, aos freelas e estes têm de ser bem direcionados à área em que você quer trabalhar quando se formar, caso contrário, nada feito. Do jornalismo no qual você precisa escolher a área na qual quer trabalhar. Do jornalismo em que, por fim, ser jornalista é pouco ou quase nada. Nem o conteúdo, nem a forma(ção). Ai daquele que se apaixona pela teoria do jornalismo na faculdade, por exemplo, e utiliza os quatro anos de seu curso para estudá-la. O futuro do jornalismo é prática. Praticamente (só) isso.
******
Marcela Marcos é jornalista, São Paulo, SP