O jornalista Ken Schwencke acordou, uma manhã, para descobrir seu próprio crédito em uma matéria que ele não escrevera. Não foi o caso de seu empregador, o Los Angeles Times, ter acidentalmente colocado seu nome em um artigo de outro jornalista. Schwencke, editor digital, escreveu um algoritmo – que em seguida escreveu a matéria para ele. Ao invés de compor pessoalmente os textos, Schwencke desenvolveu, passo a passo, um conjunto de instruções que pode tomar um fluxo de dados – este algoritmo específico trabalha com estatísticas de terremotos, uma vez que ele mora na Califórnia –, armazená-los numa estrutura pré-determinada e depois formatá-los para publicação.
Pode-se dizer que se trata de um “repórter-robô”, em que um programa armazena dados e formata a informação. Desta forma, como afirma um artigo publicado no Vancouver Sun, os dedos de Schwencke “nunca têm que tocar num teclado; ele não tem que olhar para a tela do computador. Ele pode estar dormindo profundamente enquanto a matéria se escreve a si própria”.
“Duvido que as pessoas que leem nossos posts – a menos que leiam, religiosamente, os posts sobre terremotos e constatem que eles seguem, de maneira quase universal, o mesmo padrão – tenham percebido”, diz o jornalista. “Não acho que a maioria das pessoas pense que são robôs que escrevem as notícias.”
Algoritmos decidem e opinam
A prática, no entanto, levanta questões sobre o futuro dos jornalistas de carne e osso e sobre a ética do jornalismo. Os algoritmos estão cada vez mais presentes em nossas vidas: desde o jogo de xadrez computadorizado às ferramentas de autocorreção nas mensagens de texto. Jamie Dwyer, formado em Ciência da Computação pelo Instituto de Tecnologia da Universidade de Ontário, afirma que os algoritmos podem ser códigos de computador extremamente complexos ou fórmulas matemáticas relativamente simples. Às vezes, podem até funcionar como uma espécie de receita, ou um conjunto de passos repetidos, projetados para desempenhar uma função específica.
No caso do Los Angeles Times, o algoritmo funciona para deduzir e compor matérias jornalísticas coerentes a partir de um fluxo de dados. Schwencke diz que o uso de algoritmos em tarefas jornalísticas de rotina libera os repórteres profissionais para fazerem telefonemas, para as próprias entrevistas ou para destrincharem relatórios sofisticados e informações complexas, ao invés de armazenarem a informação básica, como datas, nomes e locais. “Alivia o peso para todos os que estão envolvidos”, diz.
Porém, existem questões éticas – tais como colocar o crédito de um jornalista encabeçando um artigo que, na realidade, não escreveu ou pesquisou. Alfred Hermida, professor na Universidade da Columbia Britânica e ex-jornalista, dá um curso de mídias sociais no qual passa um bom tempo examinando como os algoritmos afetam a compreensão da informação. Ele diz que os algoritmos, como os seres humanos, precisam decidir o que vale a pena incluir e opinam sobre o valor da notícia. “Se o jornalista construiu, fundamentalmente, o algoritmo com aqueles valores, então é seu trabalho”, disse Hermida. “Todas as decisões editoriais foram tomadas pelo repórter, mas foram tomadas pelo repórter num algoritmo.”
Personalização de um relatório de dados
A questão maior, diz ele, é desmistificar a tecnologia para o leitor. Hermida diz que muitos dos algoritmos que encontramos no dia-a-dia existem numa espécie de caixa preta, na qual vemos os resultados mas não compreendemos o processo. “Compreender como funcionam os algoritmos é muito importante para sabermos como compreender a informação”, afirma o professor.
Algoritmos como o de Schwencke são relativamente simples, por enquanto. São os mais apropriados para fluxos de dados de baixa escala regularmente atualizados com informações consistentes. Mas mesmo se um algoritmo conseguir analisar e manipular dados razoavelmente bem, o jornalismo continua baseado não apenas em filtrar, mas em encontrar outra informação disponível, diz Paul Knox, professor da Faculdade de Jornalismo da Universidade Ryerson, em Toronto. Segundo ele, uma construção matemática não tem capacidade para desenterrar novos fatos ou adicionar contexto.
Por outro lado, Ben Welsh, colega de Schwencke no Los Angeles Times, diz: “As pessoas já leem os relatórios com dados automatizados que lhes chegam e não dizem nada sobre isso”. Um exemplo é qualquer aplicativo para smartphone que mostra informações do tempo personalizadas, baseadas na localização do usuário. “Isso é um caso em que acho que ninguém sequer pisca os olhos”, afirma Welsh. “É uma espécie de computadorização e personalização de um relatório de dados que foi feito por jornais de uma maneira mais ou menos padronizada provavelmente há um século.”
Apenas mais uma ferramenta
Welsh diz que a responsabilidade pela precisão falha onde sempre falhou: com as publicações e com jornalistas individuais. “A coisa fundamental é ser honesto e transparente com seus leitores, como sempre”, diz. “Acho que sendo você quem escreve o código que escreve as notícias ou você quem escreve a própria notícia, as regras continuam sendo as mesmas. Você precisa respeitar o seu leitor. Precisa ser transparente com ele, precisa ser tão sincero quanto possível. Todos os fundamentos do jornalismo continuam sendo os mesmos.”
Embora por enquanto os algoritmos nas notícias venham acompanhados por conjuntos de dados simples, à medida que ficarem mais complicados surgirão mais perguntas em relação à ética. A advogada e jornalista Lisa Taylor ensina Ética na Faculdade de Jornalismo da Universidade Ryerson. “Em última instância, não se trata da ferramenta”, afirma. “Lá longe, na origem [dos algoritmos], temos a opinião humana.” Para ela, o uso dos algoritmos em termos éticos e razoáveis não devia ser difícil; cabe ao repórter decidir quais ferramentas vai usar e como usá-las apropriadamente. “O fator que complica é uma profunda suspeita que têm os jornalistas e os leitores de que qualquer tipo de avanço tecnológico vai ser aproveitado meramente por sua capacidade de cortar custos”. Lisa defende que os jornalistas deveriam começar a discutir algoritmos, assim como falam sobre o Twitter. “Como podemos usar isto com eficácia, de um modo razoável e que honre os princípios do jornalismo?”, questiona.