Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Oráculos em Omaha

“Por favor, fale alguma coisa para testar o som.”

“One million, two million, three million (um milhão, dois milhões, três milhões)…”

Warren Buffett tem jeito de menino levado. Modesto. Poderia ter contado em “billions”, “one billion, two billion…”. A fortuna dele, terceira maior do mundo, é de US$ 45 bilhões. Fui apresentado ao oráculo dos investimentos pelo oráculo do jornalismo brasileiro, Alberto Dines, que foi entrevistá-lo em Omaha.

Dines conseguiu esta difícil entrevista com o menino levado de 82 anos e em pleno vigor mental e físico, graças a outro bilionário, o brasileiro Jorge Paulo Lemann, dono de várias empresas e sócio de Buffett no ketchup Heinz. Dines não só conheceu Jorge Lemann há 50 anos, como o demitiu doJornal do Brasil, na época áurea do jornal mais inovador do Brasil.

Lemann, um corretor, tinha vindo recomendado pelo dono do JB para escrever uma coluna sobre economia, finanças e ações. Alguém, Dines não se lembra quem, comentou que havia um ''problema ético''. O editor-chefe ouviu.

O futuro bilionário foi um gentleman na demissão e, 50 anos depois, quando o Dines pediu a intervenção dele para conseguir a entrevista com Buffett, a resposta positiva foi imediata, acompanhada de um bilhete onde se lembrava da merecida demissão.

Sucessos e fracassos

Eu fui junto à entrevista a convite do Dines. Fui grato e pago. Teria ido de graça. Passei dias devorando Warren Buffett, o mais fascinante, confiável e menos extravagante capitalista dos Estados Unidos.

Mora até hoje na casa que comprou por US$ 31 mil (R$ 62,6 mil) na década de 50 e nunca teve um motorista. Milhões de americanos investem em ações de Buffett ou investem segundo Buffett. Quando ele decide se livrar de alguma ação, pode apostar na queda. Quando compra, pode apostar na valorização, mas Buffett muitas vezes supreende.

Há quatro anos, disse que não tinha interesse em tecnologia. Pouco depois, investiu US$ 10 bilhões (R$ 20,2 bilhões) na IBM. Disse que jamais investiria na mídia impressa e, desde então, comprou 63 jornais mais 3% da Lee Enterprises, uma rede de Iowa. Todos jornais de cidades pequenas e médias.

Buffett vê o maior futuro do jornalismo na combinação impressa e digital pagas em jornais de pequenas comunidades. Em um momento da entrevista, disse que gostaria de ter sido repórter e apoiaria os filhos se quisessem seguir a carreira de jornalismo. Nenhum quis, mas nunca tinha lido ou ouvido estas informações antes.

O foco da entrevista e o maior interesse do Dines, oráculo e devoto do jornalismo, foi o investimento de Buffett numa espécie ameaçada de extinção. Há 15 anos, Dines faz o programa Observatório da Imprensa, atualmente transmitido pela TV Brasil. O plano dele é comemorar o aniversário em maio com entrevistas com os donos de jornais e revistas mais influentes do Brasil.

Vai abrir a série com Warren Buffett, que passa seis horas por dia lendo jornais e revistas. Entre os impressos, só um, de pequena circulação, o Omaha World Herald, um dos recém-adquiridos por ele. Os outros de leitura diárias são o New York Times, Wall Street Journal, Financial Times e Washington Post, todos de grandes cidades e nos quais não há o menor interesse em investir ou comprar. Não sabe o que vai acontecer com eles, mas tem esperanças na fórmula da assinatura digital, bem sucedida no Times.

Este investimento de US$ 400 milhões (R$ 808 milhões), que ele fez em jornais de cidades pequenas e médias , contraria as tendências dos mercado. Quase todos perdem dinheiro e encolheram nos últimos anos. Estão baratos e este é um dos motivos que levaram Warren a comprar mais de 60. Preço baixo, produto de boa qualidade dirigido por pessoas de talento é a formula que seduz o Oráculo de Omaha.

Por que jornais de comunidades menores? Porque a maioria dos moradores assinam e leem. Nova York, Chicago, Los Angeles são dezenas de mini cidades com interesses divergentes. “Quem mora no centro sul de Los Angeles não quer saber quem morreu em Beverly Hills, mas numa cidade pequena todo mundo quer saber não só quem morreu, como quem casou, divorciou, a novidades da escola, os aumentos e as reduções de impostos. Quem esta interessado numa matéria sobre impostos no Canadá?

Desde a infância, Warren Buffett tem uma conexão jornalística. Ele entregava jornais de porta em porta. Quando o pai, eleito deputado, mudou com a família para Washington, ele passou a ganhar um centavo por jornal. Eram milhares. Economizou o suficiente para pagar metade da própria educação.

As histórias dele como investidor e como salvador de Wall Street já renderam dezenas de livros e milhares de artigos. São irresistíveis e, por elas, é possível contar os sucessos e fracassos das finanças americanas nos últimos 50 anos. Quem colocou US$ 1 mil (R$ 2 mil) na mão de Buffett quando ele começou, hoje tem US$ 25 milhões (R$ 50,5 milhões). Há um lado pessoal não menos fascinante. Vai doar 99% da fortuna dele para a fundação de Bill e Melinda Gates. Sua mulher e filhos vão ficar com 1%. Nenhum fala mal dele.

Torta preferida

Astrid é sua segunda mulher. A primeira, Susan, foi a grande paixão de Warren, que quando casou era capaz de sair de casa com sapatos de cores diferentes e sem pentear os cabelos. Tiveram três filhos e ela disse ao marido: ''Eu cuido da casa e você vai fazer o que sabe: ganhar dinheiro''.

Quando Warren ficou multimilionário, ela disse a ele que era a vez dela de cuidar da própria vida. Ia ser cantora na Califórnia. Gostava de jazz. Antes de sair, ligou para uma amiga, Astrid, recepcionista de um restaurante francês em Omaha. Em pouco tempo, com a bênção de Susan, Warren e Astrid se tornaram amantes num menage à trois tao bem administrado que mandavam cartões de natal com a foto dos três juntos. Susan morreu de câncer na boca em 2004. Warren se casou com Astrid.

O pai de Buffett era um deputado federal republicano conservador, famoso pela rigidez de princípios. Quando a Câmara se deu um aumento, ele recusou o dele porque tinha sido eleito ganhando ''xis'' e não poderia decepcionar o eleitorado.

Warren Buffett também era republicano e Suzan foi responsável pela conversão dele ao Partido Democrata e pelos investimentos do marido em causas sociais. Ele nunca se esqueceu de uma frase do primeiro discurso que ouviu de Luther King: “A lei não muda o coração das pessoas, mas protege os mais pobres contra os que não têm coração”.

O Oráculo de Omaha fez campanha por Barack Obama, mas sua ação mais contundente e mais anti-republicana dos últimos tempos foi liderar a proposta para aumentar os impostos dos ricos.

Contrariando indicadores dos últimos anos e previsões sombrias para o futuro, Buffett e Dines apostam no grande papel da pequena imprensa.

Terminamos o dia num dos restaurantes favoritos de Warren, o Gorat's. Ele contraria tendências nos mercados de ações e de alimentos. Sua única verdura é batata frita. Não se lembra do gosto de brócolis ou espinafre. Verdes no prato? Jamais. Sua fruta é torta de banana ou sorvete boiando em root beer. O prato é carne, o exercício é golfe. Nem todo dia.

O motorista de táxi que nos levou ao restaurante nos avisou: “Há restaurantes muito melhores em Omaha”. A conta foi US$ 40 por pessoa (R$ 80). Na mesa, o motorista de táxi é mais confiável do que Buffett.

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Lucas Mendes é jornalista, em Nova York