Jornalista, 32 anos, nove de profissão, 11 prêmios conquistados. Os números são necessários e fazem parte do jornalismo, mas Ana Aranha procura transcender e humanizar dados e fatos. No mês passado, a profissional estreou o blog Reportagem 3×4, focado em histórias de personagens que “nos escapam”. Para o especial do Dia do Jornalista, celebrado no domingo, 7, ela fala ao Comunique-se sobre a importância de “bater na porta das pessoas para encontrar a história que tem mais sentido com o que se está retratando”.
Formada pela Universidade de São Paulo em 2004, a profissional começou a carreira na Época. Na publicação da Editora Globo, passou pelas editorias de política, cultura, geral e sociedade. Em quatro dos sete anos de empresa, Ana se dedicou a pautas voltadas para educação pública e direitos humanos.
Suas matérias também rodaram o mundo: Inglaterra, Espanha, Suécia e Polônia são alguns dos países em que textos de sua autoria foram publicados. Conquistou 11 prêmios de jornalismo, entre eles o Ayrton Senna e o Vladimir Herzog. Em 2012, colaborou com a Agência Pública e visitou o Norte do Brasil. Ela revela as dificuldades de se chegar a locais afastados do país, como a viagem para Anajás (PA), que durou cerca de 30 horas, sendo 24 de barco.
Você sempre teve interesse em cobrir assuntos relacionados aos direitos humanos?
Ana Aranha – Sempre gostei de contar histórias de vidas. Quando estava na editoria de política, gostava de acompanhar histórias relacionadas à política social, porque é uma área que afeta a vida das pessoas.
Depois da Época, você passou por várias redações e de diferentes formatos. Qual o diferencial de órgãos como a Agência Pública?
A.A. – Desde que eu saí da Época, tive chance de trabalhar com freelas e para veículos estabelecidos, como Veja, Época São Paulo e Marie Claire. Tive chance de trabalhar com formatos diferentes de jornalismo. A Agência Pública tem uma proposta completamente nova, o repórter tem tempo, tem liberdade para percorrer os caminhos que vai encontrando ao longo da investigação. Também colaborei com a Panos London [ONG inglesa], que fechou por causa da crise de financiamento europeia. Por meio dessa instituição, tive contato com órgãos internacionais, pude retratar o Brasil e contextualizar nossas questões para um público que não está aqui, foram jornais da Suécia e da Polônia, por exemplo.
Considera que a cobertura da imprensa foca muito em números e não humaniza as histórias de forma adequada?
A.A. – Os números são importantes para termos uma visão macro. Parte da missão do jornalismo é conseguir enxergar a visão geral e os números ajudam a fazer isso. A maioria dos jornalistas procura humanizar de alguma maneira, só que é difícil. No jornalismo diário, principalmente, privilegia-se os números. Às vezes não é possível achar a cara da pessoa que está vivendo aquilo. É uma questão de tempo, nem sempre dá para fazer tudo o que o jornalista quer fazer. Com o formato de freelas, consigo me dedicar à apuração. Talvez eu não conseguisse fazer isso em uma redação.
Você viaja bastante para apurar?
A.A. – No ano passado, consegui viajar mais, especialmente para o Norte do Brasil. Fui para Rondônia, Amazonas e Pará. Estou feliz com a conquista de conseguir fugir do eixo [Rio-São Paulo]. Ano passado, eu e o fotógrafo Marcelo Min ficamos 15 dias na região de Jirau e Santo Antônio [usinas hidrelétricas em construção no Rio Madeira, em Porto Velho, RO]. A ideia era fazer uma matéria com panorama geral do aspecto ambiental e social e mostrar as pessoas que foram removidas para que a área fosse alagada, além da situação dos 40 mil trabalhadores da obra.
Depois de publicar a reportagem, você se preocupa em dar continuidade aos desdobramentos da história?
A.A. – Tenho vontade de continuar acompanhando, principalmente porque são histórias que dificilmente saem na imprensa. São temas que estão afetando de uma maneira muito impactante e intensa a vida de muitos brasileiros. É estranho ver que nossa imprensa não alcança certos assuntos, tão importantes e tão ignorados, principalmente por causa das distâncias. Mandar um repórter para regiões afastadas é uma dificuldade do jornalismo brasileiro, é muito longe, é caro e leva muito tempo. São barreiras físicas difíceis de superar.
Você faz contato com as fontes antes de chegar nos locais mais afastados?
A.A. – Faço uma pré-apuração e diversos contatos têm que ser antecipados, como com o Ministério Público e entidades regionais. É preciso preparar essa rede para encontrar outras fontes. É importante bater na porta das pessoas para encontrar a história que tem mais sentido com o que se está retratando.
Sobre as barreiras físicas que você citou, qual das viagens que você fez levou mais tempo?
A.A. – Foi quando eu saí da Ilha de Marajó (PA) para ir para Anajás (PA). Primeiro fui para Portel (PA) e depois para Anajás. A volta de Anajás para Belém levou 24 horas. No caminho, tive que mudar várias vezes de barco. Depois o avião foi para São Paulo. Foram quase 30 horas de viagem [A viagem resultou na matéria “O dinheiro sumiu da escola; e a educação também”, publicada no dia 1º de setembro de 2012, pela Agência Pública. A reportagem retrata a situação do ensino no Pará].
Qual matéria foi mais marcante na sua carreira?
A.A. – Teve uma que fiz primeiro para a Época e depois para aMarie Claire. Foi a história de uma adolescente transexual, a Raphaela. Para a Época, o foco era a homofobia nas escolas [“Escolas ainda não sabem lidar com os alunos gays” foi publicada em 24 de abril de 2009]. Na Marie Claire, fiz um perfil dela e deu para aprofundar com bastante intensidade a sua história [“Alma de menina”, de 27 de maio de 2011]. Era uma história bastante complexa e interessante, que tive orgulho de retratar. De uma matéria para a outra, foram mais de dois anos. Na primeira, ela estava ainda em um processo de transição, porque ela nasceu menino e se entende como menina, era muito difícil de aceitar pela escola, pela família. Dois anos depois, ela já estava mais bem resolvida.
Já sofreu ameaças ou sentiu medo durante alguma apuração?
A.A. – No ano passado, comecei a fazer uma história com o financiamento da Panos London [ONG inglesa]. Em um primeiro momento, a Nilcilene Miguel de Lima estava ameaçada por ter denunciado crimes ambientais e humanos e, por eu estar perto dela, havia um risco. Quando ela ganhou proteção da Força Nacional, voltou para a terra dela, no sul do Amazonas, em Lábrea. É um lugar que pertence ao Amazonas, mas a que só tem acesso por Rondônia, é uma região esquecida pelo Estado, bem remota e muito violenta. Ela tinha a segurança de 11 homens armados e duas viaturas. Nessa matéria eu senti medo, apesar de estar na companhia da polícia, era uma situação perigosa. Foi uma situação mais arriscada, mas não me arrependi. Embora as coisas não tenham se resolvido, foi importante e é o tipo de jornalismo que gosto de fazer, de tentar ir a esses lugares que a imprensa não chega [O tema foi matéria para Agência Pública – “Nilcilene, com escolta e colete à prova de balas: ‘Eles vão me matar’”, El Mundo e The Huffington Post].
Essa história é bastante tocante. Como você lida com esse tipo de assunto para não se envolver emocionalmente?
A.A. – Não consigo não me envolver nas histórias. Tento não deixar minhas emoções atrapalharem, deixar as pessoas falar sem ter que cuidar da repórter que está triste. Nunca chorei junto com o entrevistado, embora as situações sejam muito tocantes. É importante registrar o momento.
Quais seus próximos trabalhos e objetivos?
A.A. – Estou trabalhando agora em um documentário e tenho um projeto de livro. Também planejo fazer mestrado na Inglaterra, ficar um ano fora e olhar as coisas de uma perspectiva diferente.
******
Renata Cardarelli, do Comunique-se