A capital baiana virou manchete dos jornais e telejornais brasileiros por conta do tumulto na ocasião da compra de ingressos para a partida que inaugurou, no dia 7 de abril, a nova Arena Fonte Nova, antes estádio Octávio Mangabeira, ou simplesmente Fonte Nova. A confusão – gerada, sobretudo, pela falta de uma logística adequada para comercialização dos ingressos – resultou na ação ostensiva dos policiais e no ferimento de muitas pessoas. O mais lamentável, no entanto, foi a cobertura da mídia local – reproduzida pela nacional – que, em nenhum momento, cobrou essa logística, limitando-se a narrar o acontecido.
Há muito venho escrevendo acerca da incipiência no jornalismo brasileiro, que na maioria dos casos limita-se ao factual, privando o receptor de informações necessárias para a formação de uma opinião consistente acerca dos inúmeros acontecimentos e ou fenômenos que diariamente são objeto da mediação dos mais variados veículos de comunicação. Considerando que jornalismo é, sobretudo, informação, e que uma matéria jornalística deveria responder às questões o quê?, quem?, onde?, quando?, por quê?, a recepção espera encontrar em uma matéria e ou reportagem esses cinco elementos, a fim de processar e posteriormente formar sua opinião acerca do que fora veiculado.
No livro O que é Jornalismo, publicado pela Coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense, o jornalista Clovis Rossi (1980, p. 9) diz que “o porquê de um determinado fato envolve uma investigação profunda sobre seus antecedentes e consequências e uma razoável soma de conhecimentos sobre o tema que está sendo tratado”. Logo em seguida o jornalista assevera que “é imperioso que a imprensa se debruce sobre os porquês […]”. Claro que não podemos duvidar, nem um pouco, desta afirmativa de Rossi, sobretudo quando na sociedade contemporânea os meios de comunicação têm presença marcante em nossas vidas e, através dos conteúdos que disponibilizam, nos ajudam a construir nossa relação com o mundo.
Incipiente e incompetente
Diante disso inferimos que a qualidade dos conteúdos disponibilizados pelos mais variados meios de comunicação – TV, Rádio, Jornais, Revistas, nas suas mais variadas formatações – precisa ser tratada de forma séria, a fim de buscarmos, a cada dia, prover a sociedade de informações significativas, capazes de auxiliar os mais diversos indivíduos e grupos na difícil tarefa de compreender as realidades que lhes circundam.
Neste sentido, o jornalismo baiano – e também o nacional, porque reproduziu o conteúdo local –, ao abordar o tumulto gerado no último dia 29 na Arena Fonte Nova, na medida em que optou pela simples narração do fato, não apenas atuou de maneira rasa, incipiente e espetacular, como, sobretudo, deixou de praticar o princípio básico da atividade jornalística, que é o da informação.
Por que o tumulto foi gerado? Quem deveria ter se responsabilizado pela organização da abertura dos portões? Por que uma logística prévia não foi efetivada para evitar o tumulto? Não seria tarefa difícil, trabalhosa e muito menos demorada apurar o porquê ou os porquês do referido tumulto. Bastava buscar os responsáveis pela Arena, bem como a própria Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia para questionar o fato de não ter havido planejamento prévio com vistas à comercialização dos ingressos para o dia da inauguração da Arena Fonte Nova. Esta falta de planejamento, aliás, ficou patente na terça-feira (2/4) quando, em entrevista à TV Bahia, o secretário (da Segurança Pública) Maurício Barbosa admitiu ter faltado organização, embora sem mencionar sua responsabilidade por esta falta. Mais uma vez o jornalismo se mostrou incipiente, incompetente, posto que o jornalista responsável pela matéria não se dignou a colocar o secretário no cenário do tumulto, visto que o fato ocorrido no dia 29 foi uma questão de segurança pública, ou melhor, da falta dela, principalmente porque a própria mídia local já noticiava a venda dos ingressos para aquele dia e, portanto, deveria estar prevista uma organização por parte dos responsáveis pela Arena e pelo Poder Público.
A espetacularização da notícia
Ao me referir sobre a qualidade do jornalismo demonstro uma preocupação muito maior com as consequências que esta qualidade – ou a falta dela – pode acarretar à vida social. E neste sentido me aproprio da afirmação de John B. Tompson, na obra A Mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia, que considero fundamental para se ter em mente quando tratamos acerca do papel ou dos papeis que podem ser exercido(s) pelos meios de comunicação nas sociedades contemporâneas: “Os primeiros processos de socialização na família e na escola são, de muitas maneiras, decisivos para o subsequente desenvolvimento do indivíduo e de sua autoconsciência. Mas não devemos perder de vista o fato de que, num mundo cada vez mais bombardeado pelos produtos da indústria da mídia, uma nova e maior arena foi criada para o processo de autoformação” (1995, p. 72).
Essa afirmação de Thompson precisa ser refletida profundamente, porque dá conta de uma série de questionamentos que devemos fazer com relação aos meios de comunicação na vida societária. E neste sentido, em particular o papel que o jornalismo deve desempenhar na sociedade.
Noticiar não se reduz a narrar acontecimentos, principalmente quando estes são consequência de outros acontecimentos, de contextos, de ações – ou da falta delas – como foi o caso do que ocorreu na Arena Fonte Nova, no último dia 29. Porque como afirma Walter Lippman em Opinião Pública (2010, p. 308), “A imprensa […] é como um raio de holofote que se move sem descanso, trazendo um episódio e depois o outro fora da escuridão á visão.”
Ao assistirmos e lermos as matérias que “informaram” sobre o tumulto ocorrido por ocasião da compra de ingressos para o BaVi que inaugurou a nova Arena Fonte Nova, o que percebemos foi uma absoluta falta de critério informativo e uma grande inclinação para enfatizar a espetacularização da notícia, em detrimento de uma cobertura séria, criteriosa e sobretudo esclarecedora, à qual o jornalismo deve estar vinculado, a fim de a assumir, de fato, a função de informar.
Referências
ROSSI, Clovis. O que é jornalismo? São Paulo: Brasiliense, 1980.
THOMPSON, J.ohn. B. A mídia e a modernidade. Uma teoria social da mídia. Tradução Wagner de Oliveira Brandão. São Paulo: Vozes, 2012.
LIPPMANN, Walter. Opinião Pública. Tradução Jacques A. Wainberg. Petropolis: Vozes, 2010.
******
Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madri, Espanha e professora adjunta do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) – Ilhéus, BA