Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia privada debate a TV pública

O Observatório da Imprensa de terça-feira (22/4), exibido pela TV Brasil e pela TV Cultura, discutiu a TV Pública a partir do debate ‘TV Pública, Cultura e Democracia no Brasil – por que e para que a TV Brasil?’, promovido pela Folha de S.Paulo e pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC). O encontro ocorreu na quinta-feira (17/4), no auditório do jornal, e contou com as presenças da presidente da TV Brasil, Tereza Cruvinel, do diretor-presidente da Fundação Padre Anchieta (mantenedora da rádio e TV Cultura), Paulo Markun, e de Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás. O mediador foi Carlos Eduardo Lins da Silva, o novo ombudsman do jornal. Do programa participaram o jornalista Nelson Hoineff, no Rio de Janeiro, e o sociólogo e jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, em São Paulo.




Nelson Hoineff é jornalista, produtor e diretor de televisão. Dirigiu programas jornalísticos para as redes Manchete, SBT, Band, Cultura, TVE e Discovery. Especialista em novas tecnologias, é presidente do Instituto de Estudos de Televisão (IETV).


Laurindo Leal Filho, jornalista e sociólogo, fundou e presidiu a organização não-governamental TVer, voltada para o acompanhamento da qualidade da televisão brasileira. É apresentador do programa VerTV, da TV Câmara e da TV Brasil. Integra a Comissão de Acompanhamento de Programas de Rádio e TV criada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados


Alberto Dines comentou os destaques da semana: o lançamento de dois jornais de esportes, o Vencer, do grupo Lance!, e o Jornal da Nação, do Jornal dos Sports; a cobertura da prisão do jornalista Roberto Cabrini, acusado de portar cocaína; a acusação do ministro da Justiça, Tarso Genro, de que a imprensa pressionaria o Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar que os arrozeiros sejam expulsos da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima; e a cobertura da morte da menina Isabella Nardoni, ocorrida em 29 de março, em São Paulo (veja abaixo a íntegra de ‘A mídia na semana’).


No editorial que precede do debate ao vivo, Dines avaliou que a grande imprensa prejulgou a criação da TV pública. Reprovou seu formato antes mesmo de conhecê-lo. ‘Foi um caso de desamor à primeira vista’, disse. Para ele, o ‘pool de má vontade’ foi rompido pela Folha ao organizar o debate. ‘É um sinal promissor, indício de que este tipo de antagonismo visceral não pode florescer num regime democrático. A TV Pública e a mídia privada são complementares, o cidadão necessita de ambos, justamente porque oferecem visões divergentes. O debate da Folha deixou evidente que, como todas as inovações, a TV Pública não é estática, é um projeto em construção, progressivo, permanentemente renovado e aperfeiçoado’, afirmou.


Função social e cultural


Na reportagem exibida antes do debate ao vivo, Tereza Cruvinel ressaltou a importância da TV Brasil, da discussão sobre a TV Pública e da participação da sociedade. Disse ser esta uma TV que nasce por iniciativa do Estado, no sentido de ser controlada pelo poder público, mas que sofre a cobrança da sociedade, o que aprofundaria a experiência democrática. Tereza explicou que a TV Brasil não foi criada para ser um contraponto à TV comercial, mas para aprofundar a experiência democrática ao fazer o que as redes privadas não fazem. Com bons espaços para debate e articulação com a produção independente, praticamente ignorada pela TV comercial, expressaria o Brasil ‘em suas muitas vozes’.


Eugênio Bucci afirmou que a criação da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), mantenedora da TV Brasil, representa um avanço administrativo porque fundiu as estruturas da TVE e da Radiobrás, numa prova de racionalidade administrativa. A EBC ganharia em escala na operação e assim teria vantagens sobre outras emissoras. Segundo ele, a natureza da comunicação comercial, indispensável em uma sociedade democrática, não supre todas as demandas dos cidadãos. Há determinadas matérias, assuntos, vínculos que só uma comunicação não-comercial pode atender.


O debate que se estabelece hoje no Brasil, para Paulo Markun, é preponderante em muitos países. Outras experiências de TV Pública estariam em crise em Portugal, na Espanha, nos Estados Unidos e, principalmente, na Itália. Markun acredita que a TV Pública deve buscar a inovação e o experimentalismo, oferecer espaço para a diversidade e para áreas específicas que, por pressão do mercado, não têm como se expressar. O mais importante, na opinião do jornalista, é o compromisso com a pluralidade.


No debate ao vivo, Dines levantou a questão da ‘má vontade da mídia comercial’ em relação à TV Pública. Nelson Hoineff acredita que este posicionamento estabeleceu-se no anúncio da criação da empresa, quando teria havido, por parte do governo, confusão entre público e estatal. Essa confusão duraria até hoje, na visão do jornalista. A mídia não teria agido de forma errada ao criticar aquilo que se imaginava que seria ‘mais uma rede estatal de televisão’.


Laurindo Leal Filho concordou que houve um equívoco no lançamento do projeto e afirmou que a confusão não é gratuita – foi provocada para criar um clima hostil. O sociólogo disse que o debate em relação ao tema evoluiu e relembrou quando foi à Inglaterra pesquisar o assunto. Ao retornar, pretendia divulgar como era a experiência da British Broadcasting Corporation (BBC), mas não despertou interesse nos brasileiros. Leal Filho destacou ainda que é preciso lutar para aperfeiçoar o modelo de TV não-comercial existente.


Formas de financiamento


‘Quanto mais plural for o financiamento, tanto melhor’, afirmou Paulo Markun na continuação da exibição dos trechos do debate da Folha. O presidente da Fundação Padre Anchieta disse que parte dos recursos deve vir do governo, parte de entidades governamentais para as quais a TV possa prestar serviço, e parte do mercado, com apoio institucional e patrocínios. Outra forma de financiamento, em estudo, seria a participação do telespectador.


A presidente da TV Brasil disse estar tentando garantir que o Estado invista na emissora. Desta forma, o governo estaria prestando serviço ao cidadão, devolvendo impostos em forma de um serviço de comunicação pública que complementa a TV comercial. Tereza Cruvinel destacou que a empresa deve buscar receitas próprias como forma de ter autonomia financeira.


Eugênio Bucci disse que, em princípio, é contrário à veiculação de anúncios publicitários ‘comuns’ nas TVs Públicas. O jornalista é favorável ao patrocínio de programas e mensagens institucionais. Para ele, a TV Pública deve procurar um formato diferente das redes privadas.


De volta ao debate ao vivo, Nelson Hoineff afirmou que a TV Pública deve sempre ser financiada pela sociedade, a exemplo da Public Broadcasting System (PBS) americana, paga pelo contribuinte e por empresas privadas. ‘O importante é saber o que a TV dá à sociedade em troca daquilo que a sociedade está dando à TV. A sociedade, de uma maneira ou de outra, está pagando a TV.’ Para Hoineff, a televisão não-comercial no Brasil não estaria retornando à sociedade aquilo que se espera de uma televisão pública: experimentação, renovação, criação de novos formatos, ousadia, comprometimento com a produção independente e com o regionalismo.


A TV Pública brasileira seria uma imitação ‘pobre’ da TV comercial, classificada por Hoineff como uma das piores do mundo. Dines ponderou que a TV pública brasileira tem conquistas extraordinárias, como a programação. E citou o caso do Observatório, que só pode ser feito com liberdade na TV Pública, e do Roda Viva, da TV Cultura. Para Hoineff, a TV Pública tem ‘espasmos de boa televisão’ e não deve ser um complemento às redes comerciais, e sim uma ‘estância de excelência’.


Laurindo Leal Filho disse que o setor de televisão no Brasil é dominado por parcelas da sociedade e por poucas famílias que não aceitam a entrada de concorrentes. Além do preconceito ideológico e político em relação ao governo, as redes dominantes resistiram porque percebem que uma rede pública bem gerida pode ser uma ‘cunha’ no contexto de monopólio formado há décadas. O sociólogo acredita que a TV Pública tem profissionais capazes de fazer uma TV de qualidade e diferente da comercial.


Transparência e independência


No terceiro bloco, o Observatório veiculou a continuação das entrevistas colhidas após o debate da Folha. Eugênio Bucci disse que é indispensável que a comunicação não-comercial gere marcos legais claros para o cidadão e mostre reiteradamente que não é dependente. A direção de uma TV pública não poderia ser nomeada diretamente pelo governo, seria necessário um mecanismo entre o governo e a escolha dos dirigentes da emissora.


Para Tereza Cruvinel, o Conselho Curador da TV Brasil funciona como mecanismo de controle. Sua função é vigiar se há distorções na programação, aparelhamento ou manipulação. Por meio de recursos tecnológicos, o telespectador poderia ter uma relação direta com os canais públicos. Tereza informou estar sendo instalada uma ouvidoria na TV Brasil. A interatividade possibilitada pela TV Digital dará ao telespectador a chance de opinar e interagir com a programação.


Paulo Markun afirmou que as emissoras públicas podem diversificar a programação com a TV digital. Assim, aumentariam a audiência sem a neurose das emissoras comerciais. ‘Não se pode fazer televisão para ninguém’, ponderou.


***


Desamor à primeira vista


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 458, no ar em 22/4/2008


Quando se fala em prejulgamento da imprensa, não se deve pensar apenas na cobertura de crimes e casos passionais. A grande imprensa costuma exibir os seus preconceitos em outras questões, inclusive no debate sobre mídia. Foi o caso da criação da TV Pública.


Antes mesmo de se conhecer o seu formato, os grandes grupos de mídia comercial já manifestavam desaprovação. Foi um caso de desamor à primeira vista. Como se uma TV Pública não fosse necessária ao próprio desenvolvimento da TV privada.


Este pool de má vontade foi finalmente rompido na semana passada pela Folha de S.Paulo, ao organizar um debate em seu auditório com entrada franca, com os presidentes das duas redes públicas de TV, um ex-presidente da Radiobrás e o novo ouvidor do jornal.


É um sinal promissor, indício de que este tipo de antagonismo visceral não pode florescer num regime democrático. A TV Pública e a mídia privada são complementares, o cidadão necessita de ambos, justamente porque oferecem visões divergentes.


O debate da Folha deixou evidente que, como todas as inovações, a TV Pública não é estática, é um projeto em construção, progressivo, permanentemente renovado e aperfeiçoado.


O clima de confronto parece que está se esvaziando; esperemos que não se esvazie a determinação de manter o projeto da TV Pública em constante evolução.


***


A mídia na semana


A.D.


** Mengo não é apenas o carinhoso nome de um clube carioca. Agora sua torcida passou a ser o público-alvo de dois diários esportivos que saíram quase no mesmo dia no Rio. A nação rubro-negra iniciou o processo de segmentação do jornalismo esportivo. No dia em que o Mengão perder, os jornais encalham nas bancas.


** O jornalista Roberto Cabrini foi preso pela polícia paulista na semana passada com nove papelotes de cocaína. Alegou que fazia uma reportagem, a TV Record confirmou. A mídia concorrente badalou, mas o acusado merecia o benefício da dúvida. Ninguém fala mais no assunto – é o que se chama de ‘benefício do silêncio’.


** Na mesma hora em que o ministro da Justiça, Tarso Genro, acusava a imprensa de pressionar o Supremo para impedir a expulsão dos arrozeiros da reserva indígena em Roraima, o general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, afirmava que a política indigenista do governo é caótica. O general foi advertido. O ministro também deveria ser, por acusar a imprensa indevidamente.


** Show da vida ou show da morte? O julgamento simulado do pai e da madrasta da menina Isabella, no Fantástico do último domingo, foi mais uma prova dos desvios cometidos pela mídia na cobertura da tragédia. Mas a presença da mãe da menina no megashow do padre Marcelo no feriado de ontem [21/4] serviu para exibir o que significa a espetacularização da dor.